A União Adiada Europeia
Um método de pequenos passos - nem sempre para a frente - em que os interesses se acomodam, e quantas vezes o conflito é adiado para que a urgência, uma qualquer crise, obrigue os atores políticos a uma tomada de posição. Nem sempre boa; mas quase sempre inevitável. Um intervalo para que tudo volte ao estado normal: um remanso contínuo de energias e forças controladas.
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Foi assim (e é ainda assim) no caso da crise das dívidas soberanas, está a ser a assim na crise dos refugiados e, no caso do "Brexit" não foi muito diferente: o Reino Unido "formou" a crise, determinou a agenda - com Cameron a desenhar as quatro áreas em que queria alterações - e no fim a solução acomodou, provavelmente, o primeiro passo atrás num dos pilares fundamentais na União Europeia: a igualdade de direitos dos cidadãos europeus em qualquer Estado-membro. A possibilidade de suspensão de direitos sociais para nacionais de outros Estados-membros e a fixação de condições diferenciadas para o abono de família para não-nacionais é um passo atrás na não-discriminação. Mas foi possível porque perante a crise (que o resultado do referendo ainda pode trazer) os membros do Conselho escolheram o "mal menor": ceder nos valores à partida parece mais "barato" do que ver sair o Reino Unido.
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No caso da crise dos refugiados, a questão é ainda mais lancinante: milhares chegam todos os dias, os "hotspots" na Grécia e em Itália não funcionam, enquanto máfias internacionais articulam redes de migração ilegal, colocando em risco a vida de gente que foge da guerra e da miséria. Ao mesmo tempo, Estados-membros, para quem a solidariedade europeia continua a transferir volumosas quantidades de dinheiro em fundos comunitários, bloqueiam a passagem de refugiados, levantam muros, e travam o mecanismo permanente de recolocação de refugiados. O mecanismo extraordinário também não funciona. A crise está aí, mas no essencial falta a capacidade de agir em tempo. Talvez o reforço da urgência que o bom tempo da primavera pode trazer - com mais refugiados - traga uma solução. O próximo passo, que ninguém quer, mas que António Guterres, com a sua experiência, já anteviu, é o fim do Espaço Schengen tal como o conhecemos. A crise começa a levantar outras crises.
É por isso que, perante a "anestesia" monetária que o BCE administra, a construção da União Económica e Monetária (UEM) continua adiada, na qual aspetos como a mutualização da dívida ou a constituição de uma capacidade orçamental da Zona Euro se encontram em "stand by", e mesmo a União Bancária ficou por concluir. A Garantia de Depósitos Europeia já foi substituída por uma versão mais "soft" de seguro, e mesmo esta solução menos ambiciosa continua a encontrar escolhos em Estados-membros que continuam a dar prioridade ao controlo dos riscos da mutualização do risco bancário. A separação entre banca de investimento e banca comercial permanece por implementar. Mais uma vez: adiar até à próxima crise, mantendo a fragmentação que onera os custos de financiamento dos países periféricos, e debilita o setor bancário desses Estados-membros que padecem assim de maior perceção de risco por parte dos investidores. Por exemplo, a Grécia segundo os últimos dados apresenta mais de 30% (!) de NPL (Non-Perfoming Loans) e Itália mais de 16%. Para Portugal os dados apontam para mais de 13%.
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Em Bruxelas, permanece a "cantilena" da convergência; mas a verdade é que há Estados-membros que preferem prosseguir uma estratégia de "risk control", de adiamento sucessivo, numa aceleração do processo de divergência económica, (bancária) e social, que irá esbarrar na próxima crise. Mas arrisco: esta minha perceção, que é cada vez mais reconhecida em Bruxelas, pode anunciar um verdadeiro tempo novo. Será a desintegração ou a integração forçada a "golpe" de crise. Não vai dar para ficar a meio da ponte.
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Deputado do PS
Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico
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