Portugal das pequeninas
Numa certa cultura nacional, não tão minoritária quanto isso, ganhar dinheiro, obter lucros e acumular riqueza arrasta atrás de si a imagem de um comportamento ferido de alguma ilegitimidade. Interessará menos escavar nas razões profundas dessa atitude - históricas, políticas e culturais - e muito mais tentar perceber em que medida isso tem implicações no futuro do país.
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Convirá começar por notar que, em particular, a expressão "grandes empresas" surge fortemente diabolizada por esse preconceito. Em certos setores, uma profunda aversão ao "negócio" é absolvida, contudo, pelo endeusamento das "pequenas e médias empresas", vistas estas como a parte "aceitável" do mundo empresarial.
As PME funcionam, no imaginário coletivo, como o "comércio de bairro" na sua popular luta de classes contra as "grandes superfícies". Este raciocínio tem uma debilidade: esquece deliberadamente que uma PME só o é porque não conseguiu atingir o legítimo objetivo de ser "grande". Ninguém cultiva masoquistamente uma espécie de nanismo empresarial.
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Dito isto, e como é óbvio, as PME são, nos dias de hoje, responsáveis por uma fatia muito substancial do emprego, do volume da exportação e, por essa via, uma alavanca essencial do tecido económico do país. E o Estado tudo deve fazer para as apoiar, para lhes dar condições para crescerem, para se afirmarem no plano externo - onde estão as oportunidades que o escasso mercado interno nunca será capaz de lhes proporcionar. Diria mesmo mais: a prioridade das prioridades, em matéria de promoção do tecido empresarial deve ser, sem a menor das dúvidas, o mundo das PME.
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O conceito, aliás, esconde coisas muito diversas: a esmagadora maioria das PME são micro-empresas, as mais das vezes de raiz familiar, fortemente sensíveis às ondas de crise. Grande parte delas atravessa hoje dias muito difíceis, por falta de capitais próprios, contando-se entre as principais vítimas da debilidade da banca sedeada em Portugal. Também por aqui deve passar a atuação do Estado e, perante o cenário desolador da maioria da banca privada - grande parte da qual hoje muito refratária ao crédito às PME -, seria desejável que a orientação futura da política de crédito da Caixa Geral de Depósitos pudesse vir a colmatar esse défice.
Este "Portugal das pequeninas" empresas em que vivemos, sendo uma realidade nos dias de hoje, não augura, contudo, nada de bom para o futuro. Goste-se ou não, e com todos os efeitos perversos que teve, a globalização veio para ficar. A alternativa, aliás, seria uma reversão protecionista, trágica para uma economia aberta como a nossa. E, nesse quadro global, se queremos um país competitivo, o nosso tecido empresarial tem de evoluir, de ganhar escala, de conseguir afirmar-se externamente - lá onde estão os grandes investidores, onde há acesso ao crédito e onde há espaços e mercados para crescer. É o que têm feito algumas grandes empresas nacionais.
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Se pretendemos ser no futuro um país próspero, temos que ter mais e melhores grandes empresas a atuar "lá fora". Recordo-me do governo de António Guterres, de que tive o gosto de fazer parte, ter impulsionado esses ganhos empresariais de escala. Nos dias de hoje, algumas grandes empresas nacionais, a maioria das quais com muito escasso apoio do Estado, continua a batalhar nos mercados externos. Que o país ainda as não sinta orgulhosamente como "bandeiras", como acontece em todo o mundo desenvolvido, é algo em absoluto incompreensível.
Embaixador
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Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico
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