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Expectativas baixas

Os eleitores que se identificam com a esquerda aceitam que será normal que os partidos que os representam governem em conjunto. E os eleitores que não se identificam com a esquerda aceitam que esta possa continuar a governar.

O segredo da felicidade é ter expectativas baixas. Temos paz interior e raramente ficamos desiludidos ou de coração partido.

Quando em novembro de 2015 o PS, o BE e o PCP decidiram apoiar a formação do atual Governo todos tínhamos expectativas baixas.

Os que votaram nesses partidos queriam apenas alguns benefícios adicionais para os funcionários públicos e donos de restaurantes bem como permitir que os seus eleitos passassem algum tempo no governo exercendo o poder. Se o Governo e os aumentos tivessem durado apenas um ano já teriam ficado satisfeitos e felizes.

Os portugueses que não votaram nos partidos que construíram o Governo temiam um retrocesso aos tempos da rotura financeira do Estado e da perda de credibilidade perante o exterior. E pensavam, com satisfação, que o Governo duraria pouco tempo tendo em conta as suas contradições internas e de política económica. Teriam ficado felizes se o Governo tivesse falhado e caído depressa. Tinham expectativas muito baixas sobre a qualidade do Governo.

A mera sobrevivência do Governo superou as expectativas da maioria. Para transcendente felicidade dos seus apoiantes e motivo de frustração permanente para os apoiantes da oposição.

Um efeito secundário benéfico foi o desanuviamento do espaço público. Já que a retórica mais agressiva e indignada que envenena o espaço público, tipicamente oriunda de personalidades de esquerda, se silenciou com a óbvia satisfação com o Governo e a sua sobrevivência tranquila.

Por contraste, na nossa vizinha Espanha, as expectativas das Unidas Podemos e do PSOE são elevadas. As primeiras querem entrar num governo de coligação e o segundo quer governar à portuguesa, com um governo exclusivo de filiados no seu partido. Está criado, entre eles, o ambiente para a infelicidade e a frustração.

Em Portugal as expectativas de todos, eleitores e eleitos, para as próximas eleições de outubro são baixas.

A maioria dos portugueses ambiciona apenas paz e uma certa normalidade na vida quotidiana. A inação governativa não é sentida como um problema. E apenas quando certos serviços públicos deixam de funcionar há alguma insatisfação. Os pecadilhos dos governantes e das suas famílias são vistos como um custo da democracia representativa, tolerados, desde que não levem o país outra vez à rotura financeira. Com baixas expectativas é mais fácil ser-se feliz.

Curiosamente os líderes políticos também têm expectativas baixas sobre os resultados eleitorais e a governação na próxima legislatura.

Pelo discurso que vamos ouvindo o PS, BE e PCP ficariam satisfeitos com a repetição dos resultados de 2015. Os seus eleitores habituais também. Isso permitiria a continuação do Governo com ou sem a formalização de uma coligação. O programa do governo será uma incógnita, mas os eleitores só parecem querer a preservação do poder da sua área.

No caso do PSD e do CDS-PP as expectativas são ainda mais baixas. Já que ambos, incluindo os seus eleitores, parece que ficariam satisfeitos se batessem as sondagens, bem inferiores aos resultados de 2015.

Há ainda o risco de algum dos partidos usar os mandatos obtidos para se coligar com o PS, com o objetivo de afastar a extrema esquerda do poder. Essa coligação poderia deixar os eleitores insatisfeitos e tristes, mas só ocorrerá depois das eleições pelo que será tarde demais para modificar alguma coisa.

O programa de governo também será uma surpresa, mas para os eleitores isso não parece ser o mais importante pois a expectativa é que os dois partidos não tenham força para governar em conjunto. E se se juntarem ao PS governarão com base no programa deste.

Enquanto no resto da Europa parece haver tendência para um aumento da crispação e da conflitualidade entre as diferentes áreas políticas, em Portugal optámos pela normalização. Os eleitores que se identificam com a esquerda aceitam que será normal que os partidos que os representam governem em conjunto. E os eleitores que não se identificam com a esquerda aceitam que esta possa continuar a governar. E não farão greves, manifestações na rua, ou gritaria na televisão. Desde que não levem o país à falência… Uma expectativa baixa, portanto.

A paz e a coesão, entre nós, assentam nas baixas expectativas que todos temos sobre a governação. Tendo em conta a nossa história democrática essas expectativas parecem ser racionais. E seremos felizes enquanto a esquerda governar dentro dos limites orçamentais. 

Professor da Universidade Católica Portuguesa

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