Notas da semana de Marques Mendes
As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. O comentador fala sobre António Costa em Angola, a nova PGR, o recuo no Infarmed e o protesto dos táxis, entre outros temas.
COSTA EM ANGOLA
Três apontamentos:
- Primeiro: em termos de resultados concretos, esta visita é poucochinho. É muita parra e pouca uva. Mas também não era de esperar muito mais. Esta visita tinha um significado essencialmente político.
- Segundo: o mais importante é que se fechou um ciclo e se abriu um novo ciclo. Fechou-se o ciclo da irritação e abriu-se o ciclo do diálogo e da cooperação. Os dois países perceberam que têm a perder quando vivem de costas voltadas e ganham quando falam, cooperam e investem.
- Terceiro: há grandes oportunidades pela frente. Angola está em grande transformação. No plano político e no plano económico. Está a ficar mais aberta e mais transparente. Está a abrir a sua economia e a incentivar a diversificação dos seus investimentos.
ALIANÇA – O NOVO PARTIDO
- Já o disse e reafirmo: o sucesso deste novo partido será muito relativo. A questão agora é a de saber: em que eleições é que a Aliança pode ter mais ou menos sucesso.
a) Eleições Europeias e Autárquicas – São, em teoria, as eleições mais fáceis para Pedro Santana Lopes.
- Eleições Europeias – Porque são as eleições onde o voto é mais livre. Não está em causa o Governo e os eleitores tendem a ser livres no seu voto. Podem fazer experiências e até entrar em aventuras.
- Eleições Autárquicas – Aí o Aliança tem a vantagem de poder ir recrutar candidatos nas pessoas do PSD que ficam descontentes por não serem escolhidas como candidatas a autarcas.
b) Eleições Legislativas – São, à partida, as eleições mais difíceis para o Aliança. E aqui o sucesso do novo partido está mais dependente do que se passar no PSD.
- Se o PSD estiver bem e em alta, as hipóteses de sucesso do Aliança serão muito reduzidas. Se o PSD não estiver em boa forma, o partido de Santana Lopes pode crescer um pouco mais.
A NOVA PGR
- É uma decisão legal e legítima. Como também legal e legítima seria a decisão contrária. A questão é que podia ter sido assumida com clareza e transparência. E não foi. Este processo está cheio de fantochadas, meias verdades e contradições. Só faltam as explicações verdadeiras. Vejamos:
- Fantochada: foi a audição feita aos partidos já depois de tudo estar decidido. Tudo aquilo foi uma autêntica farsa. Deviam poupar-nos a encenações tão baixas.
- Meias verdades formais:
a) Primeira: foi dito que o mandato do PGR deve ser único e que esse era o espírito do legislador. Ora, isso não é verdade. E prova-se documentalmente. É que o acordo assinado entre o PS e o PSD, em 1997, que deu lugar à Revisão Constitucional, diz expressamente: "Mandato do PGR – 6 anos sem limite de renovação". Ou seja: para o PS e PSD, para os dirigentes destes dois partidos, o espírito e a letra da lei apontavam para um mandato renovável e não para um mandato único.
b) Segunda: foi dito na comunicação social que mandato limitado é mandato único. Não é verdade. Mandato único é haver apenas um mandato. Em Portugal só se aplica aos Juízes do TC. Mandato limitado é um mandato que tem um princípio e um fim. Mas depois pode ser ou não ser renovado. Exemplos: o mandato do PR é limitado a 2 mandatos; o mandato dos autarcas é limitado a 3 mandatos. Confundir mandato limitado com mandato único não é sério nem honesto.
- Contradições:
a) Primeira: foi dito que só um mandato único garante a independência do PGR. Então pergunto: por que é que o Presidente do Tribunal de Contas, que tem um regime de nomeação em tudo semelhante ao do PGR, faz 2 e 3 mandatos e o PGR só faz um? Além do mais, é o Presidente de um Tribunal e de um Tribunal que fiscaliza contratos do Estado. Há 2 pesos e 2 medidas?
b) Segunda: foi dito que a substituição da PGR era apenas por uma questão de princípio, a ideia do mandato único. Então, por que é que não disseram isso mais cedo? Em Janeiro, por exemplo, quando a polémica estalou? Evitavam-se suspeitas, equívocos e partidarizações. Evitavam-se deselegâncias em relação à actual PGR. Evitava-se um clima de pressão sobre a nova PGR.
c) Terceira: foi dito que a actual PGR teve um mandato positivo e que o seu caminho é para ser prosseguido pela nova PGR. Então, se é para continuar a orientação da antecessora, por que é que não se reconduz a antecessora, como disse Rui Rio? Parece gato escondido com rabo de fora.
d) Finalmente: se a ideia do mandato único é decisiva, por que é que não mudam a lei e fica tudo clarificado? Não querem, porque a questão foi um pretexto e não uma razão.
c) Leitura política – As verdadeiras razões:
a) Não acompanho os que afirmam ou insinuam que a mudança de PGR é para controlar as investigações ou o Ministério Público. Nem a nova PGR faria isso nem o Ministério Público e os seus Procuradores se sujeitariam a tal.
b) Mas deixemo-nos de hipocrisias! Joana Marques Vidal sai porque o Governo estava incomodado, pelo menos, com três investigações: o caso Marquês; e o caso de Angola. Ou seja, a mudança não é para controlar no futuro; mas é para penalizar o passado. É a versão mais sofisticada do princípio "Quem se mete com o PS leva".
António Costa é o vencedor deste processo. A meias com José Sócrates que já ontem se congratulou com a decisão.
A ÚLTIMA AULA DE MARCELO
- A última aula de MRS seria sempre um caso. Sendo a última aula do Professor que é também PR é um acontecimento do ano. E foi um acontecimento.
- O que impressiona na figura de MRS, enquanto Professor, são sobretudo três aspectos:
a) Primeiro: o seu prazer de ensinar. Marcelo sempre teve prazer em ensinar. Não o fazia por obrigação, mas por prazer. E transmitia esse prazer aos alunos. Alunos que faltavam a outras aulas mas tinham prazer em ir às aulas do Professor Marcelo. A conclusão é: aprender, estudar e ensinar não têm de ser uma maçada. Para isso, é preciso haver talento. E havia.
b) Segundo: Marcelo foi um Professor diferente do tradicional. Na Universidade temos amiúde dois grupos: o grupo dos Professores competentes e sabedores mas distantes e sobranceiros; e o grupo dos Professores próximo dos alunos mas pouco exigentes e rigorosos. Marcelo foi sempre uma espécie de terceira via – aliava talento e proximidade; sabedoria e informalidade; competência e intimidade com os alunos. A popularidade entre os alunos não lhe vinha da criação de um clima de facilidade. Era popular porque era o exemplo de um Professor aberto aos outros e não fechado na sua redoma e na sua cátedra.
c) Terceiro: Marcelo foi jornalista. Marcelo foi comentador. Marcelo foi Professor. Marcelo foi e é político. São tudo realidades diferentes. Mas há um traço em comum – a ideia de um grande comunicador. E essa ideia começa na Universidade. Ou seja: MRS transportou para a sociedade, para a vida cívica e política muita da experiência e muito do talento adquirido na Universidade. É também o exemplo da Universidade aberta à sociedade. Não será certamente o único bom exemplo. Mas é seguramente um dos maiores em Portugal.
RECUO NO INFARMED
- O Ministro da Saúde veio anteontem afirmar que, afinal, o Infarmed já não vai ser deslocalizado para o Porto. Esta decisão não surpreende. Todo este processo foi desde o início uma enorme trapalhada. O Governo fez tudo em cima do joelho, sem estudar o assunto, de forma ligeira e insensata.
- O que surpreende é a explicação do Ministro, ao dizer que esta reviravolta é porque surgiu agora um dado novo – uma Comissão de Descentralização no Parlamento. Isto é "gozar com o pagode". Descentralizar competências não tem nada a ver com deslocalização de serviços. É uma desculpa de mau pagador.
- O que o Ministro não teve foi a coragem de dizer que se precipitou, que não estudou devidamente o assunto, que quis agradar ao Porto mas não pensou devidamente nas consequências. O que o Ministro não teve foi a humildade de reconhecer que cometeu um erro.
- É a mesma irresponsabilidade e ligeireza que se passa com a ADSE (manchete do Expresso). Como não há diálogo entre a ADSE e os hospitais privados, estes vão deixar de fazer cirurgias aos beneficiários da ADSE. Consequências? Todos perdem.
- Primeiro: perdem os funcionários públicos, porque deixam de usufruir da grande vantagem que tem a ADSE – a liberdade de escolha;
- Segundo: perdem os hospitais públicos, que vão ver assim aumentadas as suas listas de espera, porque haverá a afluência de mais utentes.
- Finalmente, falando em Saúde, ainda a questão da ala pediátrica do Hospital de S. João.
- Foi publicado esta semana um despacho do Governo sobre o assunto. A mandar abrir concurso para a obra? Não. Apenas para abrir concurso para … o projecto.
- Isto é lamentável. Desta forma – concurso para o projecto e só depois concurso para a empreitada – só temos obra daqui a meia dúzia de anos. Não seria possível abreviar?
O PROTESTO DOS TÁXIS
- Este protesto dos taxistas faz lembrar a contestação que há 30 anos houve contra o surgimento das televisões privadas ou contra a privatização dos jornais que eram quase todos propriedade do Estado.
- Foi, então, uma contestação absurda. Tão absurda que, se hoje visionássemos imagens desse tempo, os autores dessa contestação até corariam de vergonha.
- Aqui, na questão dos táxis, é muito semelhante. Esta contestação é legítima mas daqui a poucos anos será vista também como um absurdo. Porque é contestar duas ideias óbvias: concorrência e tecnologia.
- Nós precisamos de mais concorrência e não de menos concorrência. E nós precisamos de aproveitar as potencialidades da tecnologia.
- Posto isto, compreende-se a contestação, do ponto de vista corporativo, dos taxistas; mas não se compreende do ponto de vista do cidadão.
- O cidadão só ganha em ter mais concorrência no domínio do transporte individual. Ganha, porque pode escolher – escolher o melhor, o mais barato e o de maior qualidade.
- Quanto aos taxistas, o caminho não é a contestação. É a modernização. Os taxistas têm que se modernizar, têm que investir na formação, têm que se adaptar às tecnologias, têm que praticar um serviço melhor. E, se fizerem isso, não têm que temer o futuro.
ELEIÇÕES NO BRASIL
As eleições presidenciais no Brasil são completamente atípicas:
a) Primeiro, porque os candidatos são figuras de 2ª e 3ª linha. O processo Lava Jato decapitou a classe política antiga e não fabricou uma nova.
b) Segundo, porque há o fantasma de Lula da Silva. Ele não é candidato. Mas é o mais popular e o mais desejado.
c) Terceiro, porque está a suceder algo de invulgar nesta campanha: os assessores económicos dos candidatos têm quase tanto protagonismo como os candidatos. Prova de que a credibilidade dos candidatos não é grande. Precisam de uma espécie de "fiadores".
d) Quarto: porque a generalidade dos candidatos tem mais votos de rejeição do que de adesão.
e) Finalmente, porque, apesar de Bolsonaro, o candidato da extrema-direita, ir à frente nas sondagens – tendo beneficiado da tentativa de assassinato – dificilmente conseguirá vencer à segunda volta. O candidato do PT, Fernando Haddad, está a recuperar nas sondagens.
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