Incomparável, porém…
Desta vez, o PSD e o CDS ganharam as eleições, esperavam governar, mas não tendo maioria viram-se confrontados com essa novidade no sistema partidário de um entendimento a nível nacional à esquerda. Em 1985, o PS sentiu-se também, de certa maneira, violentado e atingido na legitimidade das suas expetativas. Com efeito, o então Presidente da República ajudara a lançar com o seu patrocínio a partir de Belém uma nova força política, o Partido Renovador Democrático (PRD). Esse partido conseguiu retirar ao PS uma parte significativa do seu eleitorado. Ora, nas eleições de 6 de outubro desse ano, o PSD ganhou com 29 por cento e conseguiu formar Governo. Foi, aliás, nessa ocasião histórica a vez em que teve mais baixa votação um partido chamado a formar Governo.
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Desta vez, em 2015, o PS teve cerca de 32 por cento. Dessa vez, em 1985, o PPD/PSD teve 29 por cento. Só que sucedeu que o PRD, essa nova força política, teve 18 por cento dos votos e o PS quedou-se pelos 20. Na prática, houve também um acordo, esse tácito, entre Cavaco Silva e Ramalho Eanes. Este era Presidente da República, Cavaco Silva era candidato a primeiro-ministro e Mário Soares o primeiro-ministro cessante do Governo do Bloco Central. E quer Eanes quer Cavaco Silva eram adversários políticos de Mário Soares e do PS de então. Com essa divisão do eleitorado socialista, o PSD pôde governar durante dois anos com os 29 por cento obtidos nas eleições. É obviamente diferente, porque nessa altura, na verdade, foi chamado a formar Governo quem venceu as eleições.
Mas, estou só a comparar o inesperado das situações para os dois principais partidos portugueses, uma em 1985 e outra, agora, em 2015. Uma situação não justifica nem tem de justificar a outra, cada tempo seu tempo, cada historia sua história. Onde está então a questão que queremos hoje destacar?
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É que naquela altura também se admitiu que o novo partido, que obteve uma votação significativa, tivesse vindo para ficar e, portanto, tivesse mudado de vez a estrutura do sistema partidário. Só que o PRD, praticamente sem ideologia, focando a sua intervenção política, fundamentalmente, em questões éticas, políticas e em valores como a coerência e retidão, naturalmente importantes, nunca chegou a constituir uma verdadeira base programática, muito menos ideológica. E, por isso mesmo, o PRD durou muito pouco tempo. Nas eleições seguintes, a 19 de julho de 1987, só teve 5 por cento dos votos, o PS cerca de 22 por cento e o PSD ligeiramente acima dos 50 por cento. Foi inesperado, foi uma comoção, aconteceu, pois, uma mudança profunda, mas, no fim de contas, tudo isso demorou muito pouco tempo.
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Desta vez houve também algo de inesperado, também uma mudança profunda no sistema partidário. Tem-se verificado uma comoção grande, nomeadamente, em torno de questões de legitimidade e da moral política. Isso é o que tem acontecido. Resta ver agora quanto tempo durará este caminho do PS em privilegiar coligações e alianças com partidos à sua esquerda. Em França, por exemplo, o PSF nunca se coliga com os partidos à sua direita. O sistema eleitoral maioritário a duas voltas levou, ao longo de décadas da V República, a um funcionamento bipolarizado do sistema partidário. Como se sabe, a bipolarização costuma acontecer em países que têm um sistema maioritário a uma ou duas voltas. Em Portugal, tudo sai um pouco fora dos cânones e desta vez estamos a ensaiar a verdadeira bipolarização, mantendo-se um sistema eleitoral proporcional. Quanto tempo tudo isto durará? Quanto tempo durará este sistema eleitoral, este sistema de Governo na sua atual configuração e este sistema partidário? Esta mudança terá vindo para ficar ou será como a de 1985?
Repito, não comparando. Como sempre, depende, em parte, dos próprios e, em parte, dos outros e das circunstâncias. Mas, os protagonistas de cada momento histórico têm sempre direito a um papel especial. Resta esperar que todos saibam entender o papel da História de Portugal na prossecução do interesse nacional que o tempo presente lhes exige. Acabou um ciclo na democracia portuguesa e pode começar outro.
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Advogado
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Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico
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