Rui Patrício 04 de Novembro de 2019 às 19:39

“Inclusus”

O sistema prisional tem que estar orientado para a inclusão, através de múltiplas áreas de atuação, de vários esforços, de custosas valências, e, também, de projetos como o que nos dá este vinho.

"Inclusus" é um vinho. Mas este texto não é sobre vinhos, não só porque não tenho competência sobre o assunto (sou apenas um apreciador - e, aliás, gostei do tinto que provei desta marca, passe a publicidade), mas também porque o uso como pretexto para escrever sobre a questão prisional. O Estabelecimento Prisional de Leiria (Jovens) e a empresa "AdegaMãe" estabeleceram uma parceria relativa a competências profissionais para jovens reclusos, na área da viticultura, da qual resultou o lançamento de uma marca de vinhos (esta). Um bom projeto, mas sobretudo um excelente nome, pela sua simbologia relativamente ao tema prisional, ao remeter para a palavra inclusão, que é o que essencialmente se procura com a prisão. Inclusão como sinónimo de reinserção social, isto é, como um caminho que deve ser feito na prisão no sentido de adquirir, readquirir, ou aperfeiçoar competências psicológicas, sociais, formativas e profissionais, e outras, que permitam ao recluso (re)integrar-se na sociedade e não reincidir.

 

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E não se diga que são apenas bonitas e bem-intencionadas palavras. Não, trata-se do ponto essencial no qual assenta o nosso sistema penal, ao eleger a prisão como pena principal. A punição visa dois objetivos, a que os penalistas chamam prevenção geral e prevenção especial. A primeira orienta-se para a (re)afirmação dos bens jurídicos e das normas ofendidos com a prática do crime, fazendo corresponder ao crime uma punição. Mas, do ponto de vista da prevenção geral, a pena não tem necessariamente que ser a prisão, muito menos a prisão não perpétua. Simplificando o que é complexo e resulta de uma longa história das ideias, a pena de prisão temporária faz sentido como pena principal (que o é, e desde há muito, após séculos de reinado de outras penas) apenas se o sistema visar a prevenção especial, particularmente na sua vertente dita positiva, isto é, precisamente a reinserção social (já a vertente negativa da prevenção especial procura a segregação do condenado, para não delinquir enquanto se busca a sua reinserção). Donde, o sistema prisional tem que estar orientado para a inclusão, através de múltiplas áreas de atuação, de vários esforços, de custosas valências, e, também, de projetos como o que nos dá este vinho. Há ainda muito a fazer neste campo, é certo, mas também já se faz bastante, e raramente existe a noção disso, até porque a questão prisional é, para a sociedade em geral, uma matéria invisível. Que não seja! Até porque é do interesse da sociedade que a reinserção resulte, e não é apenas, nem principalmente, por razões de humanidade, mas também por razões, digamos, "utilitárias", porque só uma verdadeira reinserção previne o crime, nomeadamente evitando a reincidência. O que é uma responsabilidade de todos, a começar no Estado, passando pela sociedade (incluindo as empresas) e acabando em cada um de nós.

 

Mas o caminho não acaba aí, e se acabar então pode ter sido um percurso que teve custos, mas não deu todos os frutos. Falta, para completar um círculo que se quer virtuoso, que haja no final da pena a capacidade de acolher o ex-recluso. E, nesse acolhimento, o emprego representa um papel essencial. Quando os portões da prisão se abrem, são precisos novos "Inclusus", sob pena de frustração do que antes (melhor ou pior) foi feito. E, nessa frente, ainda há muito por fazer, mais ainda do que quanto ao "i" de inclusão durante a pena. Fazem-se já algumas coisas, como por exemplo o projeto notável do Grupo Delta, ou projetos de associações e organizações (como o programa "Free Works" da APAC Portugal). Mas falta ainda bastante. Inscrevamos isso, de forma marcada, no nosso horizonte, procuremos todos ser "inclusus".

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Advogado

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