Filipe Santos 26 de Agosto de 2025 às 10:15

Os desafios e potencial da universidade portuguesa

Dada a enorme variedade de instituições, cursos e geografias, para que a procura e a oferta se alinhem, alguma sobrecapacidade pode ser necessária, mas já está ultrapassado em muito esse ponto de equilíbrio.

Este domingo foram divulgados os resultados das colocações de 1.ª fase nas universidades públicas, resultados marcados pelo número 90%. De facto, cerca de 90% dos candidatos foram colocados, perfazendo um total de 43.899 novos estudantes. E destes, 90,9% foram colocados numa das suas primeiras três opções. Ou seja, há muitos alunos felizes neste momento, pois entraram no curso dos seus sonhos.

Houve apenas 14 cursos com notas mínimas superiores a 18 valores. Deste top 14 de excelência, há que salientar a contínua força da área da Engenharia Aeroespacial que conta com 4 cursos colocando 246 alunos e, como habitualmente, Medicina, com 5 cursos no top 14, colocando 823 alunos. Obviamente, muitos outros cursos atraíram também alunos de excelente qualidade. E a estes números das Universidades Públicas, há que acrescentar os da Universidade Católica que já admitiu este ano e matriculou mais de 4.500 novos alunos, entre licenciaturas e mestrados.

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Apesar das boas notícias, estes números revelam um grave problema para o sistema de ensino superior português – o crescente desfasamento entre a oferta e procura no sistema. De facto, o número de candidatos ao ensino superior teve o seu pico em 2021 com cerca de 64.000 candidatos em 1.ª fase. Houve quebras ligeiras nos anos seguintes e uma quebra muito acentuada este ano, de 16,1%, para 48.718 candidatos. No entanto, o número de vagas oferecidas tem vindo a aumentar nos últimos anos para um valor quase recorde de 55.292 vagas este ano. Ou seja, neste momento o sistema está em sobrecapacidade em mais de 13%.

Dada a enorme variedade de instituições, cursos e geografias, para que a procura e a oferta se alinhem, alguma sobrecapacidade pode ser necessária, mas já está ultrapassado em muito esse ponto de equilíbrio. O número de vagas sobrantes para as fases seguintes do concurso (muitas das quais não será preenchida) aumentou 130,4% de 5.000 para 11.500 vagas. Para aumentar o problema, essas vagas sobrantes não estão distribuídas de forma homogénea, mas sim concentradas nos politécnicos e nas instituições fora das grandes cidades. Assim, neste momento há um conjunto de instituições, em particular institutos politécnicos do interior, que tinham procura para cerca de 50-70% da sua capacidade e que este ano se arriscam a ficar a menos de 40%. Se a tendência se continuar a acentuar - aumento de vagas no sistema e redução de candidatos - estas instituições poderão caminhar para a sua extinção.

No entanto, há um outro caminho que é o da internacionalização. Olhando para a relação entre a procura e oferta no sistema público por área temática, há a salientar a sobrecapacidade na área das Engenharias com 2.716 vagas sobrantes, Ciências Empresariais com 1.781 vagas sobrantes e serviços às pessoas com 1.333 vagas sobrantes, três áreas que representam mais de metade das 11.500 vagas sobrantes. Áreas como Informática, Ciências da Vida e Ciências Físicas e Saúde, aparecem logo de seguida, representando mais 2.500 vagas. Todas estas são áreas onde existe uma forte procura de alunos no mercado internacional, o que representa uma enorme oportunidade para o sistema universitário português.

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Impõe-se assim, por um lado, uma racionalização do sistema com fecho de cursos e redução da oferta ou transformação de instituições. Mas deve-se, ao mesmo tempo, apostar fortemente num processo de internacionalização que consiga concretizar um aumento da procura e geração de receitas próprias. Importa referir que o atual contexto internacional, com restrições à aceitação de alunos nos Estados Unidos, Reino Unido e Holanda, países fortemente recetores de candidatos internacionais para as licenciaturas e mestrados, abre uma enorme oportunidade ao sistema de ensino superior português, para que se transforme num setor exportador competitivo, com reforçada qualidade e competências.

Impõe-se assim, por um lado, uma racionalização do sistema com fecho de cursos e redução da oferta ou transformação de instituições. Mas deve-se, ao mesmo tempo, apostar fortemente num processo de internacionalização.

E esta oportunidade de internacionalização não é uma miragem, mas é já hoje realidade em algumas áreas. Por exemplo, na área das Ciências Empresariais as universidades portuguesas já se destacam no contexto internacional com várias escolas nos "rankings" mundiais e tendo a capacidade de atrair por ano mais de 2.500 alunos. Mas não é caso único. A Faculdade de Medicina Dentária da Católica em Viseu começou a crescer quando perdeu há uma década o apoio estatal que recebia para ensinar alunos portugueses e se virou para o mercado europeu, o qual representa atualmente metade dos seus alunos.

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E este caso também nos dá pistas de como o sistema público pode evoluir para ter sucesso e contribuir mais para a sociedade e economia portuguesas. Por um lado, realizar um aumento das propinas para as aproximar do custo real da formação universitária, até porque as universidades portuguesas não podem cobrar a alunos da União Europeia (o seu mercado natural) uma propina diferente da que cobra a alunos portugueses. Adicionalmente, um enorme reforço da ação social e bolsas, para que nenhum aluno com mérito elevado deixe de frequentar o ensino superior por incapacidade económica. Depois, uma responsabilização acrescida das Instituições para que gerem as suas próprias receitas e invistam em processos de internacionalização. Sabendo que se não o fizerem com sucesso terão de adequar a sua oferta ao mercado nacional e, em alguns casos, realizar profundos processo de reestruturação e consolidação. Finalmente, para as instituições politécnicas e de regiões periféricas, desenvolver processos de especialização inteligente que as aproxime do tecido empresarial regionais e respetivas necessidades de investigação, inovação e formação, em vez de tentarem imitar as estratégias das universidades públicas nas grandes cidades.

Apesar dos desafios, este é uma semana feliz. Uma semana em que quase 45.000 jovens portugueses que estudaram num sistema secundário de qualidade e que foram bem-sucedidos no processo exigente de exames nacionais vêm iniciar o seu sonho de um curso universitário. Conseguiram chegar à universidade onde formarão bases avançadas de conhecimento sobre a sua disciplina escolhida, sobre o mundo em seu redor, desenvolvendo todo o seu potencial como cidadãos empenhados e profissionais de excelência. E eu terei o prazer e a honra já no dia 28 de agosto de dar as boas-vindas a 1.200 destes jovens para iniciarem a sua vida universitária na Católica-Lisbon, que é todos os anos a primeira escola do país a abrir as suas portas aos novos alunos de licenciatura. Apesar de todos os desafios que vivemos, da geopolítica à inteligência artificial, estes jovens têm o nosso futuro nas suas mãos e no seu coração.

[Deve-se] realizar um aumento das propinas para as aproximar do custo real da formação universitária.
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