Entre rankings e realidade: a urgência da reforma universitária
Portugal precisa de se modernizar em todas as frentes — e o ensino superior não pode ser exceção. É curioso como muitos académicos discutem o futuro da economia, da tecnologia e da geopolítica, mas evitam debater o sistema universitário onde trabalham. Talvez por receio, talvez por inércia. Mas reformar a universidade portuguesa não será mais difícil do que digitalizar o IRS — e isso já conseguimos.
A última tentativa de rever a Lei de Educação evitou os verdadeiros bloqueios estruturais. Faltou ambição e sobrou cautela. Talvez sejamos nós que ainda não compreendemos a genialidade escondida por trás de programas com 20 cadeiras, 30 exames e uma boa dose de tradição.
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Enquanto proclamamos excelência, os Rankings internacionais de 2025 contam outra história. A maioria das universidades portuguesas caiu nas classificações do Times Higher Education (THE) e do Center for World University Rankings (CWUR). Com mais de 2.000 instituições avaliadas, as asiáticas sobem, as europeias recuam — e Portugal estagna. Os rankings não são perfeitos, mas quando todos apontam para febre… talvez valha a pena confiar no termómetro.
A ciência pesa muito nos rankings internacionais: 59% no THE, 40% no CURA. Portugal, porém, continua a tropeçar nos mesmos obstáculos: baixa produção científica, fraca taxa de citação, pouco financiamento competitivo. E o sistema está demasiado fragmentado: 97 instituições, 40 públicas — muitas demasiado pequenas e com escassa cooperação.
Espanha, com número semelhante, aposta na consolidação e em centros de excelência com escala e impacto. França, Finlândia e Alemanha fazem o mesmo. Em Portugal, continuamos presos à autonomia de cada escola — e à resistência à mudança.
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O ensino precisa de reformas estruturais
Se a ciência está frágil, o ensino está em estado crítico. O THE aponta para a urgência de reformular pedagogias: programas atualizados, métodos modernos, alinhamento com o mercado de trabalho.
Muitos cursos ignoram o espírito de Bolonha. Persistem cargas horárias pesadas, aulas expositivas e exames extensos — um modelo pedagógico do século XX que está hoje desfasado da realidade. A pedagogia dominante continua a ser: o professor fala, o aluno copia, o PowerPoint repete, e no fim todos fingem que aprenderam. Uma coreografia bem ensaiada... desde 1973 (a reforma de Veiga Simão).
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A inteligência artificial está a transformar o ensino noutros países. Por cá, pouco mudou e o problema não é só pedagógico: o quadro legal exige que 75% dos docentes tenham doutoramento e pertençam à mesma unidade orgânica. Parece uma medida de qualidade, mas, na prática, bloqueia a entrada de profissionais com experiência prática — algo que países como Alemanha, Países Baixos ou Reino Unido já resolveram com modelos mais flexíveis para integrar especialistas da indústria, que trazem conhecimentos práticos altamente valorizados por alunos e empregadores.
Cerca de 44% dos cursos em Portugal são mestrados — mas o país continua limitado a apenas dois modelos oficiais: científico e profissionalizante. O primeiro multiplica-se com pouco impacto real na ciência e em publicações científicas. O segundo é uma aberração que ninguém compreende.
Enquanto países como Espanha, França, Países Baixos ou Reino Unido diversificaram a oferta com mestrados orientados para a prática profissional ou profissões liberais, Portugal mantém-se preso a um modelo rígido e desatualizado.
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Esta rigidez compromete a competitividade internacional, dificulta a captação de estudantes estrangeiros e restringe o reconhecimento oficial necessário para bolsas, vistos e integração em redes académicas globais.
Internacionalização: um mito mal entendido
Portugal é frequentemente elogiado pela mobilidade académica no Erasmus, mas internacionalização não é sinónimo de estudantes felizes em festas Erasmus.
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Recebemos mais do que enviamos — sem propinas, o balanço é mais afetivo do que financeiro. Para muitas instituições, representa um custo adicional sem retorno. Uma estratégia real exige atrair alunos internacionais para programas completos, com propinas, ensino em inglês, marketing direcionado e parcerias sólidas.
Também se culpam os baixos salários dos docentes, mas países com remunerações iguais ou inferiores — da Europa à América Latina — estão acima de nós nos rankings e a fazer inovação pedagógica. O bloqueio é estrutural, não financeiro.
O que não faz sentido é continuar a comparar o ensino público português com universidades privadas como o MIT ou Stanford. Pretender recrutar professores desses contextos para instituições públicas soa mais a mito do que a plano — e ignora limites éticos e estruturais claros. Para isso estão as universidades privadas com um modelo de negócio que propicia a sua contratação.
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Ambiguidade legal e estruturas paralelas
Um fenómeno pouco debatido é a proliferação de estruturas paralelas — fundações, institutos ou centros ligados a universidades públicas — que operam num limbo legal. Servem para contornar regras de financiamento, salários e propinas.
Estas entidades criam zonas de opacidade, enfraquecem a transparência e dificultam a regulação. Pior: perpetuam lógicas endogâmicas e minam a confiança da sociedade.
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Ao diluírem os limites entre o público e o privado, afastam investimento e comprometem a criação de um ecossistema competitivo. Sem regras claras, iguais para todos, não há reforma eficaz — e não há futuro para um ensino superior moderno.
Uma economia baseada no conhecimento precisa de universidades com escala, ambição e capacidade de competir globalmente. Os rankings de 2025 são mais do que um alerta — são um espelho.
Portugal já provou que consegue fazer mais com menos. É tempo de repensar a missão, a estrutura e os incentivos das instituições. Temos talento, história e resiliência. Falta alinhar meios com objetivos — e dar espaço à excelência.
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