José Esteves 29 de Abril de 2025 às 20:22

Inovar, sim, mas amanhã

Portugal tem talento e criatividade suficientes para prosperar. O que falta, muitas vezes, é a coragem para apostar numa inovação verdadeira — que aceita riscos, erros e aprendizagens contínuas. Inovar não é apenas apresentar PowerPoints brilhantes: é sujar as mãos no terreno.

Vivemos uma época em que a palavra “inovação” (e inteligência artificial) domina discursos políticos, estratégias empresariais e visões de futuro. É, aparentemente, o bilhete dourado para a prosperidade, mas algo curioso — e cada vez mais recorrente — acontece: sempre que se fala de inovação em Portugal (e, muitas vezes, na Europa), a reação parece saída diretamente do filme 'E Tudo o Vento Levou'.

“Inovar? Claro, mas pensarei nisso amanhã, que hoje estou ocupado.” Esta atitude de adiar a inovação é um dos maiores entraves que enfrentamos enquanto país — porque ao adiar a mudança, não evitamos o futuro: apenas garantimos que ele chegue mais escuro, mais difícil e longe das oportunidades que podíamos ter criado. E convém recordar que devemos preocupar-nos com o futuro, porque é nele que vamos viver.

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Estamos em plena campanha eleitoral, e como seria de esperar, a palavra “inovação” aparece em todos os discursos, embrulhada em promessas grandiosas. Portugal, dizem, será uma potência inovadora! Mas depois olhamos à volta e percebemos: queremos inovar, sim… desde que nada mude demasiado e que tudo venha acompanhado de um fantástico plano a 15 anos — que, claro, será alvo de mil mudanças, comités, estudos de viabilidade e reavaliações. Ah, e não esquecer: pedir uns fundos públicos e europeus para pagar…

Como está Portugal no contexto global da inovação? Segundo o Índice Mundial de Competitividade, continuamos a enfrentar desafios significativos. E, para temperar o cenário, o FMI acaba de rever em baixa as previsões de crescimento económico: 2% para 2025 e 1,7% para 2026. Num mundo que exige velocidade e adaptação, Portugal arrisca-se a avançar num ritmo insuficiente.

Além disso, persistimos num dos problemas estruturais mais graves: a baixa produtividade. Melhorá-la exige mais do que discursos: passa por mudar a forma como trabalhamos, modernizar leis laborais, reforçar competências técnicas e digitais e apostar na criação de valor. Sem essa transformação, continuaremos presos num ciclo de crescimento anémico.

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Apesar de avanços em alguns setores, persiste um ambiente onde o formalismo excessivo — tantas vezes simbolizado por gravatas — bloqueia a experimentação e a verdadeira transformação. O receio do desconhecido leva muitas organizações a optar pela segurança, mas também pela irrelevância.

Em muitas empresas, exige-se que a inovação venha já validada, testada e garantida por KPI e “benchmarking”, antes sequer de nascer. É a “inovação vigiada”, onde tudo é medido antes de ser permitido. Não se pode medir o que ainda não existe. Não será esse, justamente, o cerne da inovação?

Linda Hill, professora de Harvard, lembra que inovação verdadeira não nasce de visões isoladas, mas da colaboração entre perspetivas diversas. Um processo onde errar e aprender é natural — algo que ainda provoca arrepios em culturas obcecadas por relatórios impecáveis.

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Neste contexto, precisamos de repensar o estilo de liderança. Não basta gerir processos; é preciso liderar incertezas. Precisamos de líderes transformacionais, com pensamento de futuro, que desenvolvam mentalidade de exploradores e pensamento quântico — e que saibam navegar a complexidade sem medo.

E, sim, inovar também significa baixar os egos, admitir que temos de aprender continuamente, olhar para as melhores práticas de fora e aceitar que a experiência e a senioridade não garantem inovação. Implica abrir espaço para verdadeiros inovadores e líderes da mudança, muitas vezes, fora dos circuitos tradicionais. Exige quebrar barreiras, liderar conflitos de ideias e, acima de tudo, fazer o trabalho difícil que gera verdadeiro valor. Dá trabalho. E, sim, causa stresse. Mas é esse desconforto que gera transformação.

Na Porto Business School, estamos a desafiar os nossos alunos a explorar o futuro com ambição. Através do nosso novo modelo dinâmico de aprendizagem (dynamic learning), combinando exploração, inovação e execução, preparamos líderes para criar valor sustentável num mundo em constante mutação. Aqui, errar faz parte do caminho.

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A pergunta certa não é “que resultados garantidos obtemos ao inovar?”, mas “que futuro nos espera, se não ousarmos inovar?”. O custo da inação — o custo de oportunidade de nada fazer — é real e elevado. E, como é hábito, será disfarçado sob gráficos impecáveis, relatórios bem encadernados e olhares que fingem não ver o problema, nem assumir a responsabilidade por bloquear a inovação.

Portugal tem talento e criatividade suficientes para prosperar. O que falta, muitas vezes, é a coragem para apostar numa inovação verdadeira — que aceita riscos, erros e aprendizagens contínuas. Inovar não é apenas apresentar PowerPoints brilhantes: é sujar as mãos no terreno.

Está na altura de reduzir formalismos, valorizar a diversidade de pensamento e aceitar o desconforto da mudança. Caso contrário, continuaremos a ver pequenos ratos a emergir de grandes montanhas de expectativas — mas, desta vez, com relatórios impecáveis a justificar a ausência de pastel de nata.

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Troquemos algumas gravatas por mangas arregaçadas. A ação necessária é clara: acelerar a inovação já, com coragem e determinação. Não basta reconhecer os desafios — é urgente agir antes que o futuro nos ultrapasse. Inovar é, afinal, isto: abraçar a incerteza com coragem, ambição e vontade real de fazer diferente. E, quem sabe, até descobrir um novo tipo de pastel de nata.

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