Maria de Fátima Carioca 06 de Maio de 2025 às 19:12

Dar à luz o futuro

Precisamos de um país onde ser Mãe deixe de ser um fardo e volte a ser um projeto com dignidade. Onde a mulher não tenha de escolher entre os seus filhos e a sua carreira. Onde a maternidade seja apoiada, protegida e incentivada — não apenas tolerada.

É uma feliz coincidência que, na mesma semana, celebremos, em Portugal, o Dia do Trabalhador e o Dia da Mãe. Na verdade, o mundo do trabalho e a demografia são duas realidades que se entrelaçam, tecendo em conjunto a história de cada sociedade.

Começo pelo mundo do trabalho. A revolução tecnológica, a globalização, a transição verde, a fragilidade geopolítica, a incerteza económica e as próprias alterações demográficas, todas estas tendências têm contribuído para a turbulência e escassez no panorama do emprego que globalmente se verifica. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2024, o défice em postos de trabalho, embora tenha diminuído pela primeira vez em muitos anos, apontava para a necessidade de 402 milhões de postos de trabalho adicionais.

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Esta instabilidade e precariedade penaliza, de forma persistente, quer as mulheres, quer os jovens. Em média, a taxa de desemprego das mulheres é 1,1% superior à equivalente masculina. Já em relação aos jovens, segundo o relatório sobre o Futuro do Trabalho do World Economic Forum (WEF), publicado em março de 25, esta taxa revela ainda a desigualdade que se verifica entre economias com diferentes níveis de rendimento nacional. A taxa de jovens que não trabalham, não estudam e não seguem uma formação (NEET), embora se mantenha estável em 21,7%, é de apenas 10,1% nas economias de rendimento elevado, mas de 27,6% nas economias de baixo rendimento.

Também existem boas notícias. Ao combinar as expectativas de crescimento e declínio do emprego dos inquiridos com dados da OIT, o Relatório do WEF estima que, nos próximos cinco anos, sejam reconfigurados cerca de 92 milhões de postos de trabalho e criados cerca de 170 milhões de novos postos, o que representa uma rotatividade estrutural do mercado de trabalho da ordem dos 22% e o equivalente a um aumento líquido do emprego de 7%, ou seja, 78 milhões de postos de trabalho, no universo observado. Serão certamente trabalhos diferentes dos que atualmente realizamos, a exigir diferentes competências, mas, se nos soubermos preparar, trata-se de um futuro realisticamente mais promissor do que muitas vezes teimamos em acreditar.

Claro que estes números são apenas uma parte do cenário do mundo do trabalho, outra parte igualmente determinante tem a ver com produtividade, isto é, com a eficiência e o resultado do trabalho realizado. E neste âmbito os dados são igualmente impressionantes, mas esta reflexão ficará para um próximo artigo. Por agora vamos ao Dia da Mãe.

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Na realidade, as alterações demográficas têm um impacto igualmente profundo na economia e no mercado de trabalho mundiais. Contudo, são, claramente, mais difíceis de reverter. Qualquer medida que se tome neste campo leva gerações até se ver os frutos e daí não estarem no topo das prioridades de quem governa pelo curto prazo.

Mundialmente, assistimos a duas tendências radicalmente diferentes: envelhecimento e declínio da população em idade ativa, nas economias com rendimentos mais elevados, e expansão da população em idade ativa, predominantemente nas economias com rendimentos mais baixos.

Em Portugal, a natalidade continua em queda livre. Vive-se um verdadeiro apagão social: as famílias encolhem e, em muitos lugares, os berçários fecham e as escolas primárias desertificam-se. Paradoxalmente, muitas mulheres e homens gostariam de ter mais filhos do que aqueles que efetivamente têm. O problema, porém, não está apenas no desejo, mas nas condições. O custo de vida, a instabilidade laboral, a escassez de habitação acessível e a fragilidade dos apoios à família tornam a decisão de ter filhos um risco que poucos estão dispostos a correr.

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Mas há algo mais profundo: uma cultura que ainda não reconhece o valor social do trabalho familiar e do cuidado. Uma cultura que continua a dizer às mulheres — com políticas, com silêncios, com penalizações — que ser Mãe é meramente uma opção privada e não um bem público. Importa recuperar uma verdade tantas vezes esquecida: ser Mãe é, também, um trabalho. Um trabalho exigente, diário, ininterrupto —, mas também invisível, desvalorizado e frequentemente esquecido. Enquanto a sociedade se desdobra em declarações formais sobre igualdade de género e emancipação feminina, continua a faltar coragem para enfrentar a mais estrutural das discriminações que ainda pesa sobre a mulher: a penalização da maternidade.

Entre as muitas formas de desigualdade que subsistem, poucas são tão flagrantes como aquela que marginaliza a mulher no exato momento em que gera vida. A maternidade é hoje uma das principais causas de desigualdade de rendimentos, de estagnação profissional e de exclusão silenciosa. E por isso, dizer que se valoriza a mulher implica, necessariamente, valorizar a Mãe. Só haverá verdadeira igualdade quando a sociedade e o Estado reconhecerem, com justiça, o peso, o esforço e o valor do trabalho materno. Não apenas com flores ou campanhas publicitárias (todas bem-vindas), mas sobretudo com políticas públicas robustas, pensadas para permitir que as mulheres possam ser Mães sem terem de abdicar da sua dignidade social, económica e pessoal.

Naturalmente, poderia estender o tema aos homens que escolhem ser efetivamente pais cuidadores, mas os dados não se comparam. Detenhamo-nos apenas num indicador por facilidade: mulheres que vivem sozinhas com crianças totalizam 10 vezes mais o indicador equivalente para os homens (dados Pordata 2024), uma relação que se mantém desde há décadas.

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Para enfrentar com seriedade o desafio demográfico com que Portugal se confronta, é essencial adotar um conjunto coerente e ambicioso de medidas que apoiem as famílias e tornem a decisão de ter filhos mais viável e segura. Entre as propostas que poderão fazer a diferença estão a isenção parcial de IRS por cada filho, o alargamento das deduções fiscais com despesas de educação e saúde, a redução da carga fiscal na compra de habitação ou viaturas familiares, e ainda a aplicação da taxa mínima de IVA nos bens essenciais para bebés e crianças pequenas. Importa também reforçar o apoio direto à parentalidade, com iniciativas como o cheque “Crescer em Casa” para quem opta por cuidar dos filhos nos primeiros anos, licenças mais flexíveis para pais e avós, creches de proximidade com vagas suficientes e a garantia de médico de família atribuído desde o nascimento. Estas medidas, articuladas com políticas de habitação acessível e de estabilidade no emprego, são cruciais para que mais famílias possam transformar o desejo de ter filhos num projeto de vida possível.

Mas será suficiente? Não, se estas políticas não forem acompanhadas de uma mudança cultural ainda mais profunda. Uma mudança que volte a colocar a família — e com ela, o trabalho silencioso das Mães — no centro da vida pública. Precisamos de um país onde ser Mãe deixe de ser um fardo e volte a ser um projeto com dignidade. Onde a mulher não tenha de escolher entre os seus filhos e a sua carreira. Onde a maternidade seja apoiada, protegida e incentivada — não apenas tolerada.

Nesta semana simbólica, entre o trabalho e a maternidade, entre o reconhecimento do esforço e a celebração da vida, deixo uma pergunta para reflexão: que tipo de sociedade queremos construir? Uma onde os berços fiquem vazios e o envelhecimento se torne o único destino? Ou uma onde ser Mãe volte a ser, como sempre foi, um ato de coragem, de amor — e, sim, de trabalho com dignidade?

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Dar à luz é uma expressão extraordinária! Nenhuma outra tão bem descreve, em tão poucas palavras, o poder criador, transformador e portador de esperança da maternidade. Dar à luz não é apenas um ato biológico; é um gesto civilizacional. É gerar futuro mais além da incerteza. É acreditar, com o corpo e com a alma, que o mundo merece continuar. Uma sociedade que despreza ou marginaliza esta capacidade única de gerar vida, não é neutra: é uma sociedade que vai desfalecendo, que se vai autodestruindo. Valorizar a maternidade é, pois, reconhecer que a luz do amanhã nasce, literalmente, dos pais e das mães de hoje. É por isso que só haverá verdadeira política de futuro quando se fizer da Mãe — aquela que dá à luz — e da família — a comunidade que cuida dessa luz que se acende — a pedra angular de qualquer estratégia nacional. Porque só a Mãe tem, por natureza, o poder de reacender o tempo! Obrigada, Mãe!

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