Opinião
A sexta força de Porter
A transparência recomendaria que o Estado libertasse a PT do espartilho ilegítimo da golden share, gerador de ondas de influência nefastas, mas algo me diz que Castela seria a única beneficiada.
Quando, há um bom par de anos, Michael Porter sugeriu que à sua matriz das cinco forças competitivas deveria ser acrescentada uma sexta, a influência dos governos, uma parte da comunidade académica torceu o nariz. Os espíritos mais marcadamente neoclássicos não se sentiam confortáveis com a inclusão de uma variável «exógena» na grelha analítica do comportamento dos mercados. Regulação à parte (e se necessária), a influência dos governos só se deveria fazer sentir de modo indirecto, nos custos de contexto, ou no exercício de direitos accionistas em empresas participadas pelo Estado. As demais formas de influência ou intervenção não seriam sequer concebíveis. Pois bem, são precisamente essas, as invisíveis, que mais têm perturbado o normal funcionamento dos mercados e das empresas. Olhemos para a situação no sector integrado das comunicações, imprensa e audiovisual.
Ao Estado incumbem duas funções - assegurar o serviço público e regular o mercado. À luz da economia pura, a posse da RTP, da RDP e da Lusa não podem deixar de ser vistas como meramente instrumentais, na exacta medida em que a missão de serviço público não tem necessariamente de ser assegurada por empresas públicas. Todavia, é essa a prática na generalidade dos países europeus e não creio estarmos perto do dia em que alguém ouse experimentar outra fórmula. Seja. O Estado cumpre, pois, as suas obrigações de interesse geral, supostamente dentro do espírito e das baias da lei, através das suas empresas instrumentais. A função reguladora, por seu turno, é assegurada através de um órgão autónomo, a Alta Autoridade para a Comunicação Social ou o que lhe vier a suceder. A este duplo papel se deveria rigorosamente circunscrever a acção do Estado e dos seus conselhos de administração, os governos. Não restarão certamente muitas dúvidas sobre as imperfeições e as ineficiências do modelo, mas admitamos por um instante que é o melhor que a sociedade portuguesa e os decisores políticos souberam fazer em trinta anos de democracia.
Merece, assim, aplauso a iniciativa do PS ao pretender ver o papel do Estado circunscrito, de uma vez por todas, às suas duas obrigações nucleares. Num país imaginário, não seria sequer necessário legislar sobre a matéria, dando-se como adquirido que ao Estado não compete deter ou controlar empresas de comunicação social fora do âmbito do serviço público. Mas com o país real e os dirigentes que temos, incapazes de resistir à tentação, todos os cuidados são poucos. Legisle-se então.
Interessante de seguir será o caso da Portugal Telecom (PT). Por erros próprios ou má fortuna, o grupo viu a sua unidade de negócios da comunicação social envolvida numa embaraçosa situação de onde só poderá sair com cabeça fria e transparência de procedimentos. Qualquer que seja o destino a dar ao negócio dos media - alienação total, parcial ou manutenção -, não deverão existir quaisquer outros interesses, designadamente políticos, que se sobreponham à razão económica e à livre negociação entre agentes de mercado. Embora por vezes não pareça, a PT é uma empresa privada, onde o Estado apenas detém quinhentas acções privilegiadas, a famosa golden share. Eis a razão de muitos equívocos. Recapitulemos.
O Estado desfez-se da totalidade do capital da PT com a única preocupação de optimizar as receitas de tesouraria. Reservou-se, porém, um direito soberano, que nenhum outro accionista possui, o de vetar decisões de carácter estratégico. Entre elas, a política de participação noutras sociedades e, sobretudo, a autorização para que empresas directa ou indirectamente concorrentes da PT detenham mais de dez por cento do seu capital. Ora, este jogo está viciado. Suspeito mesmo que, em caso de litígio, os árbitros de Bruxelas se encarregarão de o anular. Não se pode querer vender uma relíquia de família e ficar com ela em casa, como diria o ministro Bagão Félix no seu registo coloquial. Se o Estado entendia - como muitos dos nossos parceiros europeus entenderam - que importava manter uma presença no operador histórico em nome do interesse público, não deveria ter alienado a totalidade do capital. Agora é tarde. A transparência recomendaria que o Estado libertasse a PT do espartilho ilegítimo da golden share, gerador de ondas de influência nefastas, mas algo me diz que Castela seria a única beneficiada. A menos que o engenho nacional vingasse.