As suas economias e a cooperação na Europa
Suponhamos que o leitor é um pacato cidadão inglês, patriota ao ponto de ter os seus depósitos exclusivamente em bancos nacionais. Poderia caracterizá-lo como conduzindo pela esquerda, abominando o euro e a generalidade das modas de Bruxelas. Um belo dia, sabe que o mundo financeiro está, nas palavras dos jornais, a derreter, e que as suas poupanças não estão 100% seguras como, se calhar, sempre acreditou.
Vai ler um pouco abaixo no mesmo jornal, que nem sequer é um tablóide, e descobre que na Irlanda o fundo de garantia dos depósitos subiu para 100.000 euros. 100% cobertos. Está em choque. O jornal diz mesmo que, afinal, os bancos também vão à falência.
Se essa ideia nunca lhe tinha ocorrido – a de um banco falir – porque o leitor é de um tempo em que tudo pode encerrar menos os bancos, o seu mundo está subitamente perturbado. Procura perceber porque não lhe oferece o seu governo, ou seja lá quem for que mande nisso, uma cobertura idêntica à que os irlandeses estão a promover. E descobre para, seu pasmo, a resposta nos manuais de teoria económica: os bancos centrais evitam desempenhar funções de garantias de última instância porque isso geraria risco moral (expressão que descobre significar incentivo para os gestores serem menos diligentes no cuidado com o seu dinheiro depositado, jogando-o em operações de alto risco). Mais, lê, perplexo, os fundos de garantia de depósitos evitam fazer coberturas a 100% para que, e isto tem que ler em voz alta para acreditar: os clientes dos bancos se preocupem em acompanhar as operações e a solvabilidade destes, de forma a exercerem um controlo sobre a gestão.
Nunca o leitor se imaginara a ler o Relatório e Contas do seu banco, nem a calcular rácios de endividamento e solvabilidade. A pensar na tier 1. Mas aparentemente, alguém pensou que fosse mais diligente e tivesse esse cuidado. Se não o teve, a responsabilidade, no limite, será sua, dado que o fundo de garantia de depósitos só cobrirá parte do pecúlio que decidiu juntar. O leitor até se pode ter doutorado em Física Nuclear, mas não deveria ter deixado de frequentar uns cursos de contabilidade bancária e gestão financeira.
Parece que, diz a mesma literatura, os accionistas têm uma responsabilidade de controlo maior que a sua, dado que estão em último lugar na fila de credores do banco. Se este falir. Poderá é suceder que a desgraça alheia não faça a sua felicidade.
Numa dúvida existencial sobre o que fazer, ouve na televisão que existem filiais de bancos irlandeses em Inglaterra. Levanta-se a correr do sofá, não se preocupa com a chuva miudinha, porque a isso foi ensinado, e vai mudar o seu dinheiro de banco. Se tiver a ideia de partilhar a nova com cinco amigos, cada um deles partilhando com outros cinco, o leitor acabou de causar o colapso do sistema bancário inglês, e embora não responda por isso em tribunal, gerou uma corrida aos bancos e alguma coisa que chamam de falta de liquidez.
A Irlanda poderá agradecer, mas imagine agora que o leitor lê no dia seguinte que afinal a senhora Angela Merkel, chanceler da Alemanha, decidiu ir ainda mais longe: e anunciou (a um domingo!) que o governo garantia todas as contas de poupança privadas na Alemanha, num total de 500 biliões de euros. Não lamenta não ter perdido a guerra? Porventura não, mas até se ri dessa coisa da União Europeia. Não se reuniram para concertar estratégias? De repente, ouve que a Espanha quer fazer o mesmo, que em Portugal também há quem o prometa, mas não faça. Não será altura de tirar o seu dinheiro dos tais bancos irlandeses? E contar aos seus cinco amigos… Parece que o tal de Barroso ainda quer mais, mas verdadeiramente, há-de haver sempre um país nessa UE que ultrapasse pela direita os outros todos.
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