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Harold James - Professor de História e Assuntos Internacionais
18 de Junho de 2012 às 23:30

Fragmentos da Europa

Depois de mais uma cimeira falhada, os líderes europeus deviam pensar seriamente sobre como o seu continente – e o mundo – serão no futuro, se continuarem a produzir soluções insatisfatórias para os problemas financeiros e económicos da Europa. O que se seguiria à desintegração da Zona Euro e – quase certamente – à da União Europeia?

O melhor lugar para considerar essa questão não seria Bruxelas, mas sim Tirapsol, a capital da entidade que se auto-denomina de República Moldava da Pridnestróvia, ou Transnístria. Este pedaço de território, com uma população de meio milhão de habitantes, emergiu no início da década de 90, depois da dissolução da União Soviética (população de 300 milhões), quando se separou da República da Moldávia (população de 4 milhões), que já se havia separado, na década de 40, da Ucrânia (população de 50 milhões).

Transnístria tem o seu próprio governo e parlamento, exército, constituição, bandeira e um hino nacional ao estilo soviético; clara, a sua nacionalidade estaria incompleta sem a sua própria moeda. Esta entidade política é a contraparte exacta no mundo político a um fenómeno físico bem conhecido de fragmentação. Quando sujeita a pressão, uma grande superfície bifurca em pedaços grandes, mas em seguida, a desintegração continua em fragmentos cada vez menores.

Dos seis maiores estados da União Europeia, apenas a França tem um sistema político centralizado bem definido. O centralismo da Polónia aproxima-se, mas as fortes diferenças regionais persistem – um legado dos três grandes sistemas imperiais, muito diferentes entre si, que abrangiam a Polónia de hoje, no século XIX.

A Itália e a Alemanha eram amálgamas de uma colorida variedade de pequenas e medias unidades políticas de século XIX. O Reino Unido parece mais velho e mais estável, mas hoje a Escócia é controlada por um político que quer revogar o Acto de União de 1707, com o futuro dependente de um referendo escocês a realizar em 2014. Espanha, depois da ditadura de Franco, estabilizou-se através da concessão de autonomia às suas regiões que, em muitos aspectos, se comportam hoje como unidades independentes.

Nestas áreas políticas fragmentadas, a lógica de integração, no passado, dependia das áreas que estavam insatisfeitas com os resultados políticos e apelavam a novos aliados em unidades maiores. Os francónios do sul da Alemanha não gostaram do facto de as Guerras Napoleónicas os terem submetido à regra da Baviera; viram o nacionalismo alemão como uma forma de usar a Prússia e Berlim como um contrapeso à hegemonia de Munique. Mas, uma vez que a Alemanha estava unida, os Bávaros não gostaram do resultado, e então pensaram numa Europa unida como um contrapeso ao Estado alemão. Na verdade, a Baviera tornou-se adepta de usar recursos da Comunidade Europeia para reforçar o seu próprio sistema político.

A integração teve o seu próprio momento histórico; se e quando ele reverter, esse processo terá um contra-momento. O argumento contra estruturas europeias depende da hostilidade a uma união de transferência que pode levar a uma certa redistribuição de recursos. Porque é que o nosso dinheiro nos deveria ser retirado e entregue a pessoas de uma área diferente? Que tipo de reivindicações têm estas pessoas?

Para os alemães, pensar sobre a possibilidade de transferências para o sul da Europa, lembra, sem dúvida, a reunificação do país depois do colapso da Alemanha Oriental em 1989-1990. Houve transferências massivas, e os recursos nacionais foram destinados a projectos de infra-estruturas gigantescos. Isso não foi suficiente para travar o esvaziamento do Länder (país) oriental, já que muitas das pessoas mais capazes e empreendedoras partiram – uma experiência que colocou uma enorme pressão sobre a solidariedade nacional.

Os problemas das transferências numa grande unidade política estão no coração do federalismo. A história inicial dos Estados Unidos foi dominada por um debate apaixonado sobre a questão da solidariedade. Em 1790, quando Alexander Hamilton argumentou que o novo governo federal deveria assumir as dívidas dos Estados provenientes da Guerra da Independência, enfrentou uma hostilidade feroz. A única forma de sustentar tal ordem política, defendeu James Madison em "The Federalist Papers", era assegurar que os poderes federais eram poucos e limitados.

A Europa está a enfrentar um momento de destino semelhante. Está hoje mergulhada na crise existencial mais profunda desde 1945. E, ainda que a deambulação seja uma resposta característica dos sistemas políticos complexos, é profundamente destrutiva.

Se o centro político da Europa é considerado arbitrário e arrogante, a sua autoridade será rejeitada e enfrentará resistência. Adoptar um novo tratado pode parecer um processo demorado, desadequado à gestão de uma crise financeira moderna, mas é a única forma de conferir legitimidade às instituições que são necessárias para resolver essa crise – em particular para garantir que as transferências não são indefinidas e ilimitadas.

Se a integração europeia caminha para o sentido inverso, o resultado não será um conjunto de estados-nação prósperos e felizes, a viver numa espécie de réplica das décadas de 50 e 60. Os alemães do sul questionar-se-iam se não estariam a transferir de mais para o velho norte industrial; os italianos do norte que apoiam a Liga Norte anti-UE, da região auto-denominada de Padânia, quereriam escapar às regras de Roma e do sul.

Acertar o relógio para trás não faria simplesmente a Europa retornar a meados do século XX. Os pequenos estados de meados do século XIX, sem transferências para fora de uma área relativamente limitada, podem ser recriados. Mas a dinâmica poderá ir mais longe: os territórios alemães tiveram cerca de 350 entidades políticas independentes em meados do século XVIII, e mais de 3 mil antes de meados do século XVII. Cuidado, Transnístria.

Harold James é professor de História e Assuntos Internacionais na Universidade de Princeton e professor de História no Instituto Universitário Europeu, em Florença. É o autor da obra "The Creation and Destruction of Value: The Globalization Cycle" (A Criação e Destruição de Valor: o Ciclo da Globalização).

© Project Syndicate, 2012.

www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria

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