O que está em extinção é insubstituível
Uma frase de António Barreto colocou parte do País em polvorosa. "Portugal como nação pode deixar de existir", disse ele.
Barreto tem estudado estas questões e tentado problematizá-las. Mas, como as de alguns mais, as suas palavras caem em cesto roto. A transcendência, a ética e a moral são minudências destinadas a chatear - e mais nada. As preocupações do sociólogo apenas encontram eco em manchetes de jornais. Depois, esmaecem e tombam no esquecimento.
As pessoas estão mais preocupadas com o pão nosso de cada dia do que com razões, acaso abstractas, de patriotismo. Vêem grandes "patriotas" entrarem em negócios de bancos, para proveito próprio e do estrangeiro; grandes fortunas acumuladas com dúbia honradez; e aquilo que foi edificado com o sacrifício de gerações ser depredado ou entregue aos grandes interesses económicos.
Ninguém de boa-fé e recta consciência acredita nas palavras dos ministros. Dizem uma coisa, emendam-na para pior, e fazem outra. Pedro Passos Coelho chamou "mentiroso", por diversas vezes, a José Sócrates. Segue-lhe a peugada. Em três meses de governação já alterou o que anteriormente afirmara, pelo menos quinze vezes. Por outro lado, há ausência de valores e de padrões em muitos ministros e entre aqueles que, encarniçadamente, proclamam que temos de nos sacrificar. Corre pela Internet uma informação sobre os vencimentos de alguns daqueles que falam nos tais sacrifícios. Percebe-se que esses sacrifícios, para esses senhoritos, têm característica unilateral.
O conhecimento daquilo que desejam ocultar alastra, por intermédio dos blogues e das correntes sociais. Paulo Macedo, com uma desfaçatez insustentável, diz que quer salvar o Serviço Nacional de Saúde. Como? A adivinhar pelo que subjaz ao discurso, a sua credibilidade parece cada vez mais suspeita. O "é fartar, vilanagem" torna-se endémico. Aquilo que formou gerações de gente honrada está a ser liquefeito. Ninguém acredita em ninguém porque os exemplos negativos vêm do alto. A ética republicana tem sido tripudiada. Juntamente com a insensibilidade social e democrática. As provas estão aí. E podem os "anónimos" bolçar as suas infâmias que não modificam a realidade dos factos. Tenho insistido nestas temáticas porque sei que elas atingem os objectivos. Se a pátria corre sérios riscos, os perigos que nos ameaçam, como seres humanos, possuem o mesmo talhe e consistência.
Nos "negócios", a perspectiva não se modifica. Num belo tratado, editado, há anos, pelo Instituto Piaget, "Que Ética e Economia Mundiais", o prof. Serge Latouche escreve: "A corrupção da moral e a trapaça estão presentes no mundo dos negócios (...). Os súbditos imitam os senhores; a fraude fiscal torna-se um desporto nacional por toda a parte. As deontologias profissionais são espécies em vias de extinção." A ilustração do que diz Latouche é-nos revelada todos os dias. E só aparece nos "media" pelos aspectos mais superficiais. A confusão organizada pela cupidez e pelo desprezo do humano instalou-se. E o que está em extinção é absolutamente insubstituível.
Apostila - José Correia Tavares alia a discrição e a modéstia a um talento já raro. A sua poesia participa do satírico e de uma particular ternura magoada. É extremamente saudável, até pelo recorte clássico do que escreve, ler este poeta singular e profundamente original. Correia Tavares retrata-nos para retratar o País; e se, por vezes, parece corrosivo, "é, apenas, por muito gostar." Tenho nas mãos o último livro de quadras do poeta, "Os Sinais da Viagem", com um lúcido prefácio de José Manuel Mendes. Vale a pena entrar na sua leitura: saímos dela mais justos. Podem crer.
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