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Rui Neves - Jornalista ruineves@negocios.pt
02 de Agosto de 2006 às 13:59

Petróleo caro e competitividade empresarial

A escalada dos preços do petróleo a que temos vindo a assistir é, na opinião da maior parte dos especialistas, uma tendência estrutural que, independentemente das tensões e perturbações conjunturais(?) ...

A escalada dos preços do petróleo a que temos vindo a assistir é, na opinião da maior parte dos especialistas, uma tendência estrutural que, independentemente das tensões e perturbações conjunturais(?) que se têm registado, com assinalável e rara simultaneidade, nas principais regiões produtoras de energia, traduz um ajustamento de longo prazo. Por um lado, uma procura sustentadamente crescente (reflectindo o acesso crescente a padrões de desenvolvimento e consumo energético de «tipo ocidental» de vastas populações, nomeadamente da China e da Índia). Por outro, uma oferta cada vez mais limitada (capacidades de produção exigindo grandes investimentos, reservas limitadas e conflitos políticos e sociais endémicos). Sem soluções credíveis para a previsível «escassez» existe, no entanto, a consciência de que as possíveis alternativas se situam, no curto prazo, em patamares de custos sensivelmente mais elevados - areias betuminosas ou energia nuclear - ou num futuro ainda mais ou menos distante - células de hidrogénio ou fusão nuclear. Desta vez, o petróleo caro veio para ficar. E isto, enquanto houver...

No nosso país, esta situação tem tido como consequência directa, a nível microeconómico, um aumento muito significativo quer das tarifas de electricidade quer dos preços dos combustíveis e, a nível macroeconómico, um importante aumento do valor das importações, um maior desequilíbrio da balança de transacções e uma redução significativa da taxa de crescimento do PIB.

Estes impactos de curto prazo estão a gerar, no sistema empresarial, ajustamentos imediatos centrados na «redução da factura energética».

No entanto, e considerando o carácter estrutural da subida do preço do petróleo, existem consequências de carácter estratégico que terão um impacto importante sobre a competitividade da economia portuguesa. De facto, se se pretende que as exportações sejam o motor da economia e sendo o tecido empresarial exportador constituído essencialmente por PME’s, trabalhando ainda predominantemente em sectores de baixo valor acrescentado, o custo do acesso aos seus mercados é fundamental para a competitividade.

Ora, esse custo, uma componente importante dos custos de logística, corresponde ao produto da distância pelo custo de «x gr de combustível/ton.km» e representa, de facto, a «distância» em termos económicos, das empresas portuguesas aos seus mercados. Conclusão imediata, à medida que o preço do petróleo sobe a economia portuguesa «afasta-se» do coração da UE e, relativamente, por ex, à concorrência dos países da adesão, torna-se, crescentemente, mais periférica.

Assim, se relativamente ao impacto da energia no custo de produção, as empresas portuguesas, para tecnologias semelhantes, podem «competir» através da «qualidade operacional» das soluções que adoptarem para contrariar a factura energética, já relativamente à «distância» as soluções exigem investimento significativo e, sobretudo, «dimensão».

Com efeito, a variação do preço do petróleo gera alterações significativas nas soluções para a combinação mais adequada de transporte (marítimo, rodoviário, aéreo e/ou ferroviário) e, em consequência, no binómio «custo/tempo» para acesso aos mercados de destino. Daqui resulta que em mercados marcadamente competitivos (preço de mercado de baixa elasticidade e reduzido valor acrescentado) as empresas portuguesas podem ser «empurradas» para soluções mais «demoradas» o que significa a necessidade de aumentar os stocks nos mercados de destino, a organização de plataformas logísticas externas e, no limite, deslocalização da parte ou totalidade da produção (neste caso, em reforço de tendências que já se faziam sentir anteriormente ao nível dos diferenciais no binómio «salário»/produtividade»).

O impacto do petróleo caro não é, no entanto, simétrico, ie, «afasta» as empresas portuguesas dos seus mercados mas não as protege, no entanto, de alguns dos seus concorrentes mais ameaçadores (por ex., quando os diferenciais do custo de mão de obra são importantes com níveis tecnológicos semelhantes ou quando a formação de preço não segue uma lógica de mercado).

Daqui decorrem importantes consequências que, no essencial, evidenciam o reforço de tendências que já são, há algum tempo, observáveis no tecido empresarial nacional. Por um lado, as empresas portuguesas tenderão a ser mais competitivas na Península Ibérica, um mercado menos ameaçado ou seja, as empresas portuguesas terão de considerar, cada vez mais, o espaço Ibérico como fazendo parte integrante do seu mercado estratégico. Por outro lado, torna-se ainda mais evidente a urgência para alteração do padrão de especialização da actividade industrial em direcção a actividades de maior valor acrescentado para que a exportação, «motor» da economia, não seja também vítima do «petróleo» caro. Finalmente, consolidam-se tendências de deslocalização de segmentos importantes da cadeia de valor em áreas representativas do sector exportador nacional.

Em resumo, o petróleo caro vai acelerar as modificações em curso no tecido empresarial português mas, ao manter as ameaças que pesam sobre os sectores de baixo valor acrescentado e, ao mesmo tempo, «ameaçar» as possibilidades de crescimento das novas actividades inovadoras e de maior conteúdo tecnológico, pode conduzir a uma situação de impasse ou pior, a um ajustamento com um nível de actividade mais baixo e consequente desemprego permanente.

Mesmo no transporte de passageiros, o novo patamar em que se situará o preço do petróleo, com a consequente alteração da fronteira de eficiência no interior do triângulo transporte rodoviário, aéreo e ferroviário (para curtas distâncias ie, até centenas de km) poderá reforçar os argumentos em favor da opção ferroviária, quer suburbana quer média distância e, alargará, certamente, o horizonte de decisão relativamente ao Novo Aeroporto de Lisboa.

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