A estratégia falhada de Obama no Afeganistão
Desde a queda do regime talibã no Afeganistão há 14 anos, os Estados Unidos vêm travando uma batalha imparável contra os seus soldados. Presos a uma guerra que já custou quase um bilião de dólares, os Estados Unidos pretendem agora fazer a paz com o inimigo. Mas não vai funcionar.
Meses depois de o presidente Barack Obama ter declarado que o "papel de combate" dos Estados Unidos no Afeganistão acabou, os Estados Unidos e os seus aliados continuam a realizar ataques aéreos contra posições talibãs regularmente, enquanto as forças de operações especiais americanas continuam a atacar supostos esconderijos de insurgentes. Na verdade, além de um papel acrescido das forças afegãs no combate, a situação no país mudou pouco desde que a "Operação Liberdade Duradoura" foi renomeada "Operação Apoio Decidido".
A declaração prematura de Obama será lembrada como o discurso "Missão Cumprida" do seu predecessor George W. Bush, em 2003, que proclamou o fim das principais operações de combate no Iraque muito antes de elas terminarem efectivamente. Na verdade, a esmagadora maioria das baixas no Iraque aconteceu depois desse discurso.
Mas não foi a primeira vez que Obama agiu prematuramente. Em Outubro de 2011, anunciou que "a longa guerra no Iraque" estava a chegar ao fim com a retirada de todas as tropas norte-americanas. No entanto, no ano passado, os Estados Unidos estavam de volta à guerra no Iraque, desta vez num esforço para conter o Estado Islâmico, com Obama a contar com a mesma autorização do Congresso que Bush garantiu para a acção militar uma década antes.
No Afeganistão, a administração Obama já falhou o prazo de 2014, fixado em 2011, para a retirada das forças dos Estados Unidos. E falhou outra meta auto-imposta, descartando o seu plano de reduzir para metade o número de soldados norte-americanos destacados no Afeganistão - actualmente cerca de 10 mil - até ao final deste ano.
Assim, a intervenção militar dos Estados Unidos no Afeganistão está agora em aberto - e os combates não estão a diminuir. Pelo contrário, a recente escalada de ataques talibãs indica que a temporada de verão estará entre as mais intensas desde que a guerra começou.
O regime talibã já infligiu muito mais baixas entre as forças dos Estados Unidos e aliadas do que a Al Qaeda e o Estado Islâmico juntos. Um total de 2.215 soldados norte-americanos foram mortos no Afeganistão, e outros 20.000 feridos, desde 2001. A ONU documentou um recorde de 10.548 vítimas civis relacionadas com o conflito só no ano passado.
No entanto, Obama recusou-se a designar os talibãs como uma organização terrorista, deixando-os de fora da lista de redes terroristas mencionadas, por exemplo, na sua recente declaração conjunta com o primeiro-ministro indiano Narendra Modi. Em vez disso, a sua administração tem procurado retratar os talibãs como uma força moderada que pode ser acomodado dentro do sistema político do Afeganistão.Além disso, em 2013, Obama permitiu que os talibãs estabelecessem o que era essencialmente uma embaixada no exílio em Doha, no Qatar, com uma bandeira e outros enfeites diplomáticos. E, no ano passado, os Estados Unidos libertaram cinco dos principais líderes do regime talibã - incluindo Mohammad Fazl e Mullah Nori, que são suspeitos de realizar massacres de sunitas e xiitas no Afeganistão - do centro de detenção de Guantánamo.
Ao libertar os cinco líderes, a administração Obama alegou que estava simplesmente a fazer o que era necessário para assegurar o retornodo sargento Bowe Bergdahl (que já foi acusado de deserção). Mas o verdadeiro objectivo era claro: estabelecer as bases para negociações directas com os talibãs. O movimento não só desmente a afirmação dos Estados Unidos de que não negoceia com terroristas; também falha o objectivo de trazer a milícia talibã à mesa de negociações.
Com estas concessões, os Estados Unidos revelaram aos talibãs - e ao mundo - o seu desespero para chegar a uma solução que lhes permitiria, finalmente, escapar do pântano afegão. Não é à toa que o chefe dos talibãs, Mullah Muhammad Omar, saudou a libertação dos seus cinco companheiros como prova de que sua milícia está "mais perto da vitória".
O desespero da administração Obama é igualmente evidente na generosa ajuda que tem prestado ao Paquistão, incluindo um negócio iminente de armas de quase mil milhões de dólares, num esforço para assegurar a cooperação do país na luta contra o terrorismo. No entanto, o exército paquistanês continua a abrigar a liderança do regime talibã, que considera como um trunfo inestimável para a obtenção de "profundidade estratégica" no Afeganistão contra a Índia.
O sucesso ou fracasso dos Estados Unidos no Afeganistão depende agora de um único factor: se conseguem evitar que os talibãs entrem em Cabul. Ao evidenciarem a sua busca desesperada por uma saída, os Estados Unidos têm dado vantagem aos talibãs, já que os seus líderes sabem cm o que podem contar.
Adiar uma futura redução das forças dos Estados Unidos não será suficiente para convencer os talibãs do contrário. Com a sua liderança de topo abrigada no Paquistão e os seus comandantes de campo no Afeganistão a tornarem-se cada vez mais autónomos, os talibãs já não têm um comando centralizado. E, temendo deserções para o Estado Islâmico, eles sabem que dar a Obama o que ele quer - um acordo de paz que lhe permita declarar vitória antes do seu mandato terminar, em Janeiro de 2017 - seria a sua sentença de morte.
A estratégia vacilante dos Estados Unidos no Afeganistão deve servir como lição de como não fazer a paz com um inimigo. É tempo de Obama reconhecer que um acordo político com os talibãs não passa de uma ilusão. Em vez disso, ele deve concentrar-se no reforço das forças de segurança do Afeganistão e identificar formas de eliminar santuários da milícia talibã no Paquistão. Afinal de contas, o objectivo dos terroristas não é fazer a paz; a América não deve pensar o contrário.
Brahma Chellaney, professor de Estudos Estratégicos no Centro de Pesquisa Política de Nova Deli, é o autor de "Asian Juggernaut", "Water: Asia’s New Battleground" e "Water, Peace, and War: Confronting the Global Water Crisis".
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
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