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Zhang Jun - Deão da Faculdade de Economia da Universidade de Fudan e diretor do China Center for Economic Studies, um think tank com sede em Xangai.
21 de Fevereiro de 2014 às 14:37

Entender o modelo de crescimento da China

Ainda que a economia da China tenha crescido a um ritmo vertiginoso ao longo das últimas três décadas, é agora amplamente reconhecido que o seu modelo de crescimento está esgotado.

Até os líderes chineses reconhecem a necessidade de mudança - uma crença que culminou com a agenda de reformas de longo prazo apresentada há uns meses no Terceiro Plenário do 18 º Comité Central Partido Comunista da China.

Embora nem todos concordem sobre como deverá ser o novo modelo de crescimento, as propostas não diferem drasticamente, dado o consenso alargado de que o modelo actual assenta sobre uma base insustentável. Do lado da procura, muitos economistas defendem uma mudança de um modelo impulsionado pelo investimento para um modelo de crescimento impulsionado pelo consumo. Ainda mais popular é a recomendação do lado da oferta, de uma mudança de um crescimento extensivo para um crescimento intensivo - isto é, de um modelo baseado na acumulação de capital para um modelo impulsionado por melhorias de eficiência, medidas pela produtividade total dos factores (PTF).

Estas recomendações são, eventualmente, influenciadas pela crítica de Paul Krugman, de 1994, do crescimento extensivo ao estilo soviético das economias da Ásia Oriental (especialmente Singapura). Na época, Jeffery Sachs discordou, afirmando que o modelo da Ásia Oriental incluía uma alocação do investimento com base no mercado muito mais eficiente do que o modelo soviético e, portanto, era único; no entanto, a crítica ficou por aí.

Não demorou muito para que alguns economistas chineses começassem a categorizar o padrão de crescimento criado há cerca de três décadas pelas reformas de Deng Xiaoping como "extensivo" - e, portanto, problemático. Gradualmente, emergiu um consenso em torno desta ideia, com chamadas de atenção para a necessidade de uma mudança na direcção de um modelo “intensivo”, impulsionado pela eficiência, desde que o crescimento do PIB da China começou a desacelerar em 2011.

Mas a pesquisa empírica revela um problema fundamental com este argumento: a PTF da China tem crescido a uma taxa média anual de cerca de 4% desde que as reformas de Deng começaram. Se a economia dos Estados Unidos, com uma taxa de crescimento da PTF de apenas 1 a 2% ao ano é considerada orientada para a eficiência, porque é que a China não é? Mais importante ainda, se o crescimento da PTF da China deverá abrandar, com motores importantes como o efeito de convergência a perder força, o que nos leva a pensar que os ganhos de eficiência deverão impulsionar o crescimento futuro da China?

Consideremos os factos. Uma avaliação conservadora de Louis Kuijs, num trabalho para o Banco Mundial, mostra que, de 1978 a 1994, o PIB da China cresceu a uma média de 9,9% ao ano, a produtividade do trabalho aumentou 6,4%, a PTF cresceu 3% e o rácio capital/mão-de-obra aumentou 2,9%. No período de 1994 a 2009, o crescimento anual médio do PIB foi de 9,6%, a produtividade do trabalho aumentou 8,6%, a PTF cresceu 2,7% e o rácio capital/mão-de-obra subiu 5,5%.

Da mesma forma, Dwight Perkins e Tom Rawski chegaram à conclusão que, de 1978 a 2005, o PIB da China cresceu 9,5%, enquanto o investimento de capital cresceu 9,6%, contribuindo para 44,7% do PIB. A percentagem de diplomados do ensino superior na força de trabalho subiu para 2,7% em 2005, representando 16,2% do crescimento do PIB. E a PTF cresceu 3,8%, somando 40,1% ao crescimento do PIB.

Ainda que o capital tenha sido o maior contribuinte para o PIB da China, o desempenho da PTF da economia tem sido impressionante - algo que não pode ser explicado pelo padrão de crescimento expansivo. De facto, a taxa de crescimento da PTF do Japão nunca chegou a níveis tão elevados, mesmo no pico da economia do país. Mesmo Hong Kong - a economia do Leste Asiático com o melhor desempenho da PTF - registou um crescimento médio anual da PTF de apenas 2,4% entre 1960 e 1990.

Mas o crescimento anual da PTF não é o único factor relevante. A PTF da China tem contribuído para 35 a 40% o crescimento do PIB, em comparação com 20 a 30% nos "quatro tigres" da Ásia Oriental (Hong Kong, Singapura, Coreia do Sul e Taiwan). Quanto à União Soviética, mesmo nos seus melhores anos, a PTF foi responsável por apenas 10% do crescimento do PIB.

Embora a contribuição da PTF da China para o crescimento do PIB seja muito maior do que nas outras economias chamadas "extensivas", permanece bem abaixo dos níveis da economia intensiva dos Estados Unidos, onde o valor é superior a 80% - uma divergência que alguns podem utilizar para justificar a sua recusa em definir a economia chinesa como "orientada para a eficiência". Mas esse argumento ignora o facto de que a China tem experimentado um crescimento anual do PIB de dois dígitos devido, em grande parte, à expansão do capital, enquanto o crescimento anual do PIB dos Estados Unidos tem uma média de apenas 2 a 3%.

Se transformar o padrão de crescimento da China fosse simplesmente uma questão de aumentar a contribuição da PTF para o PIB para os níveis dos Estados Unidos, o crescimento anual do PIB da China teria que cair para baixo de 5% - três pontos percentuais abaixo da sua taxa de crescimento potencial. Dado o crescimento do PIB de 8%, a PTF teria de crescer 6,4% ao ano. Isto é quase impossível devido à diminuição gradual dos principais motores do crescimento extraordinário da PTF da China nos últimos 30 anos - incluindo reformas económicas orientadas para o mercado, o efeito de convergência no rendimento per capita e a adopção de tecnologias estrangeiras.

Tudo isto levanta uma questão simples: Os modelos extensivo ou intensivo de crescimento existem realmente? Talvez exista apenas o rápido versus lento, ou o extraordinário versus ordinário.

De acordo com esta perspectiva, se uma economia em desenvolvimento pode registar um crescimento extraordinário, deve ser porque oferece maiores oportunidades para a expansão de capital do que uma economia desenvolvida. Afinal de contas, a oportunidade de investimento é inversamente proporcional ao capital social per capita. Sobre este ponto, Krugman tem razão: o crescimento com estas características, impulsionado pelo investimento alcança-se mais através da transpiração do que da inspiração. E daí?

O facto de algumas das economias mais dinâmicas da Ásia - incluindo China, Japão e os quatro tigres (Hong Kong, Singapura, Coreia do Sul e Taiwan) – terem registado um crescimento impulsionado pelo investimento e, simultaneamente, melhorias na PTF pode ser explicado pelo facto de os ganhos da PTF aumentarem o retorno do investimento, acelerando ainda mais a expansão do capital. Ainda que seja necessária uma análise mais aprofundada para perceber a relação de longo prazo entre a expansão do capital e a PTF, é claro que a teoria de que não podem coexistir é falsa.

Em suma, quando se trata das economias asiáticas, a dicotomia de crescimento extensivo e intensivo é enganosa. Uma consideração muito mais significativa é entender o que conduziu a esses ganhos da PTF; entendimento esse que permitiria aos líderes da China projectar um plano mais eficaz para reforçar as perspectivas de crescimento da economia a longo prazo.

Zhang Jun é professor de Economia e director do Centro de Estudos Económicos da China na Universidade Fudan, de Xangai.

Copyright: Project Syndicate, 2014.

www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria

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