O problema do núcleo duro da Europa
A eleição do presidente Emmanuel Macron em França e a provável continuação da liderança de Angela Merkel na Alemanha estão totalmente em contraciclo com os desenvolvimentos no resto da Europa, que se tornou cada vez mais instável e imprevisível. Muitos questionam-se se o núcleo duro franco-alemão da União Europeia está a tornar-se demasiado "duro" para o resto do bloco. Se assim for, aqueles que sonham com uma integração europeia "cada vez mais próxima" podem ter que se contentar com um eixo franco-alemão modestamente ampliado.
PUB
A Europa está a ser despedaçada por forças centrífugas, incluindo o movimento separatista da Catalunha e o impulso mais silencioso em direcção à autonomia nas regiões italianas da Lombardia e Veneto. O populismo de direita está no poder na Hungria e na Polónia, e pode agora ressurgir na Áustria. Os populistas de esquerda governam na Grécia, e o populismo centrista parece estar a ir para a República Checa, onde o magnata Andrej Babiš se tornou primeiro-ministro.
Obviamente, a UE está a enfrentar a resposta amarga dos eleitores em todo o espectro político, como sugere o nome do partido triunfante de Babiš, "Acção dos Cidadãos Insatisfeitos". Mas o que não é óbvio é a origem dessa insatisfação.
PUB
Diz-se frequentemente que o populismo é uma resposta inevitável das vítimas da globalização. Mas esta afirmação é desmentida pelo forte desempenho económico da República Checa, Hungria e Polónia. E não explica porque é que a crise catalã entrou em erupção, numa altura em que Espanha protagoniza uma forte recuperação económica, ou porque é que a Grécia continua a ser vulnerável. Ao mesmo tempo, outro dos culpados do costume, o fluxo de refugiados, tem um álibi convincente: na verdade, há poucos requerentes de asilo nos países que lideram os ataques às políticas de migração da UE.
PUB
Para identificar a raiz do descontentamento europeu, precisamos de examinar a expectativa de longa data de que a liderança na Europa deve partir sempre da parceria franco-alemã, que foi o principal motor da integração europeia há décadas. No período do pós-guerra, o presidente francês, Charles de Gaulle, trabalhou em estreita colaboração com o chanceler da Alemanha Ocidental, Konrad Adenauer, e isso continuou até à década de 1990, quando François Mitterrand e Helmut Kohl forjaram uma estreita amizade.
Por causa desta história, presumiu-se que se França e a Alemanha concordassem com algo, o resto da Europa deveria simplesmente ir atrás. Mas durante a crise da dívida da Zona Euro, que começou no final de 2009, o poder começou a afastar-se de França em direcção à Alemanha, e muitos na Europa começaram a considerar os dois países como elementos intimidatórios. Em pesquisas de opinião, franceses e alemães estão agora mais mal cotados nas avaliações de confiabilidade de outros europeus.
PUB
Merkel tem dividido opiniões. Antes de Setembro de 2015, muitos europeus acreditavam que ela era muito devota a um regime de austeridade que intensificara a crise do euro. Depois liderou a resposta humanitária da Europa à crise dos refugiados, ganhou elogios dos antigos críticos, mas a condenação de populistas e outros nacionalistas anti-UE, particularmente no Reino Unido, França e Europa Central. Agora, os populistas culpam-na não só pelos refugiados, mas também pelo terrorismo.
PUB
Da mesma forma, Macron não conquistou muita simpatia na Europa Central e Oriental. As suas críticas à directiva relativa ao destacamento de trabalhadores – que permite aos trabalhadores dessas regiões venderem os seus serviços mais baratos na Europa Ocidental e evitar pagar impostos sobre o rendimento – tornaram-no um vilão tão grande como Merkel em alguns países.
Durante a crise do euro, muitos políticos gregos, italianos e espanhóis viram França como um contrapeso para a Alemanha. Pensaram que França poderia moderar o impulso de austeridade da Alemanha e defender maiores investimentos do sector público. Mas isso foi uma ilusão e uma interpretação errónea do papel de França na parceria franco-alemã. De acordo com a divisão tradicional do trabalho, França fornece segurança e os meios para a Europa projectar poder no exterior; e a Alemanha supervisiona as finanças e a economia, ao nível interno.
PUB
Quando a Europa foi confrontada com um desafio de segurança depois da anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, o motor franco-alemão funcionou de forma bastante eficiente. Mas os críticos da UE não gostam mais da ideia de políticas internacionais coordenadas do que gostaram da imposição de uma disciplina orçamental e monetária no meio de uma recessão.
PUB
Ainda assim, mesmo que a parceria franco-alemã tenha sido alvo de críticas, também ganhou destaque devido à decisão do Reino Unido de deixar a UE. Antes do referendo do Brexit de 2016, muitos na periferia da UE viram o Reino Unido como uma barreira para o dirigismo francês e o poder alemão. Agora, o Reino Unido está à mercê da Alemanha e da França enquanto negocia a sua saída.
As fotografias na imprensa da visita da primeira-ministra britânica, Theresa May, a Bruxelas, a 20 de Outubro foram reveladoras, porque recordaram o momento em que, numa cimeira da UE em Novembro de 2011, Merkel e o ex-presidente francês, Nicolas Sarkozy, reviraram os olhos para o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi. Dentro de algumas semanas, Berlusconi estava fora do governo.
PUB
Olhando para o futuro, França e a Alemanha precisam urgentemente de desenvolver uma visão partilhada que transcenda as suas próprias políticas nacionais e abraçar uma verdadeira reforma ao nível da UE. Já existe algum acordo sobre a necessidade de coordenação da defesa e harmonização orçamental. Mas isso não é suficiente. França e a Alemanha ainda precisam de responder a muitas questões relacionadas com a centralização orçamental, a reestruturação da dívida soberana e outras questões fundamentais.
PUB
E, independentemente de França e a Alemanha concordarem com qualquer questão, todas as áreas políticas devem ser abertas a um processo de negociação que inclua todos os outros Estados-membros da UE. O resto da Europa precisa de sentir que tem um lugar à mesa. Isto poderia ser conseguido com listas de candidatos ao nível da UE para o Parlamento Europeu, como Macron propôs recentemente; ou com mecanismos formais para envolver regiões e cidades da Europa, para que o Conselho Europeu não seja reservado exclusivamente aos Estados-membros.
Em última análise, a UE ainda se pode desenvolver, mas apenas se se libertar das prioridades estreitas de França e da Alemanha. O que a Europa precisa agora não é de um núcleo duro, mas de um pensamento consistente.
PUB
Harold James é professor de História e Relações Internacionais na Universidade de Princeton e membro sénior no Center for International Governance Innovation.
Copyright: Project Syndicate, 2017.
PUB
www.project-syndicate.orgTradução: Rita Faria
Mais Artigos do autor
Mais lidas
O Negócios recomenda