Pedro Santos Guerreiro psg@negocios.pt 08 de Abril de 2011 às 11:14

Budapeste

E agora, é só esperar pelo dinheiro? Apertamos os cintos, apartamos a sociedade, votamos para uma coligação e está feito? Não. É claro que não. Portugal não deixou de ser doido, apenas deixou de ter dinheiro para continuar a sê-lo.

Os donos do dinheiro sabem-no. A Comissão Europeia, o FMI e o BCE conhecem-nos hoje como as palmas das mãos com que assinam os cheques. Mas o dinheiro não é apenas deles, é dos contribuintes alemães, espanhóis, franceses que sentem hoje o mesmo que nós sentimos quando, no passado, mandámos a remessa portuguesa para a Grécia e a Irlanda: "Os nossos impostos para aqueles gajos?"

Hoje somos "aqueles gajos", os que falharam, os que não sabem trabalhar, os que querem viver do dinheiro do Estado, os que gastam sem produzir. É isto que dizem de nós os jornais estrangeiros de ontem, e de hoje, quando reflectem as opiniões públicas dos seus países. E é também por isso que aqueles que nos vão emprestar dinheiro para pagar aos credores não serão protectores, serão preceptores. Vamos obedecer.

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Analisemos os próximos passos. O primeiro, essencial e urgente, é um acordo político entre PS, PSD e PP, o que convoca o Presidente da República. Não é porque achemos conveniente. É porque de outra forma o pedido de ajuda externa não é aceite pela União Europeia. Ponto final.

Os loucos que rasgaram ou deixaram rasgar a confiança externa no País no último mês com a crise política - Sócrates, Passos Coelho e Cavaco - têm de pegar nas canetas e assinar já um acordo.

Serão uns 90 mil milhões de euros, talvez para quatro anos, o que exige o compromisso de redução do défice orçamental. E mais ainda: objectivos estruturais, que delimitem já medidas de austeridade, de política económica para a competitividade e de desalavancagem da economia e do sistema financeiro.

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Chegaremos, pois, a eleições com os três partidos que poderão governar comprometidos. E com a necessidade de um adiantamento daquele empréstimo (pois estaremos já "fora" do mercado), e que provavelmente será feito apenas pelo FMI: 25 mil milhões, que dão até ao final do ano.

Quem empresta 90 mil milhões de euros não joga à cabra-cega. O dinheiro servirá para refinanciar dívida pública e para introduzir liquidez na economia. Pondo, por exemplo, as empresas públicas a pagar à banca a sua dívida colossal. Com essa liquidez, a banca poderá depois fazer empréstimos. Muito menos do que no passado. Mas, ainda assim, empréstimos.

Tudo isto servirá apenas para começar a funcionar. Haverá um novo Governo que terá uma agenda forçosamente mais liberal, porque obediente à agenda de reformas estruturais de Bruxelas. E mais austeridade: mais impostos, menos apoios sociais, subsídios, pensões.

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Todo este choque tem de ser para um bem. Para que Portugal deixe de ser Estado de sítio e passe a ser um sítio com Estado. Esta é uma oportunidade única para mudar de era, para um regime de estabilidade nominal, com espaço para o mérito e em que a melhoria do bem-estar (e dos salários) esteja assente na competividade. Isso implica outra forma de fazer política, económica e social. Isso é criar, enfim, um Estado moderno.

Como diz Ian McEwan em "Expiação", já não possuímos a coragem do nosso pessimismo. Queiramos nós o Estado que vamos ter: ele começa hoje na reunião dos ministros das Finanças, em Budapeste. É uma boa cidade: como escreveu Chico Buarque, é lá que está "a única língua que o diabo respeita".

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