Era uma vez na América
A América está um farrapo, como simbolicamente revela o episódio de Henry Paulson ajoelhado ante Nancy Pelosi na Casa Branca, suplicando a aprovação do plano contra a crise financeira. A imagem é cruel, revela vulnerabilidade, desespero e incapacidade do Estado (ele, republicano, é secretário de Estado do Tesouro) falar com o Estado (ela, democrata, é porta-voz da Câmara dos Representantes). Mas contém também a ironia de ver um ex-presidente do Goldman Sachs (o poder das empresas) humilhar-se aos pés de uma política (o poder do Estado). Paulson, falcão impiedoso, construtor de impérios financeiros, passou de imponente a impotente. Se pensam que esta imagem de decadência vos alegra, pensem outra vez.
É com o "slogan" do Smart que Thomas Friedman, autor do célebre "O Mundo é Plano", abre o seu novo livro "Hot, Flat and Crowded" (ainda sem tradução em português). A propósito do esgotamento dos recursos naturais na Terra, Friedman sustenta as razões da decadência americana e nela inclui a crise financeira, lá nascida e criada. A verdade é que hoje não soaria estranho ver um anúncio de uma, digamos, Caixa Geral de Depósitos a um fundo de investimento que salientasse a não exposição a activos tóxicos: "Fundo Prudência: activos europeus, gestão portuguesa, nada americano. Invista já."
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Os fins-de-semana em Washington tornaram-se pré-aberturas das Bolsas à segunda-feira e, ao ajoelhamento de Paulson na sexta-feira, seguiu-se o anúncio, domingo, de que o acordo está próximo. Um acordo em que o Estado compra activos tóxicos, "limpando" os balanços dos bancos, que tem sido muito criticado: Soros critica-o por pedir plenos poderes (inclusive à prova de tribunais) para o homem que se ajoelhou - e a quem se lhe seguir no Tesouro; Stiglitz acrescenta que é um risco para os contribuintes colocar esses activos no Estado; Krugman defende que, se o problema é falta de liquidez, então o melhor é o Estado entrar no capital das instituições, como fez na Fannie Mae; Martin Wolf e Luigi Zingales concordam, a "nacionalização" dos activos é pior que a entrada do próprio Estado nas instituições com problemas.
Por que razão insiste então Paulson e Bernanke neste plano? O presidente do Fed já explicou porquê... em 1983, num livro sobre como o "crash" de 1929 conduziu à Grande Depressão que durou até 1933. Numa síntese notável no seu blogue, o colunista do Negócios Pedro Lains explica como, segundo Bernanke, a redução da concessão de crédito para reduzir os riscos da banca levou há 80 anos ao "mergulho" de toda a economia, reduzindo o crescimento do PIB durante vários anos.
Não há solução milagrosa, qualquer decisão será dolorosa e será lenta. Mas afinal, como diz um ditado do Texas que Friedman cita no seu novo livro, "se tudo o que sempre fizeres é tudo o que sempre fizeste, então tudo o que vais ter é tudo o que sempre tiveste". O que tivemos já foi suficientemente mau. Venha de lá o plano para começarmos a discutir o futuro: a regulação.
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* No original: "German engineering, Swiss Inovation, American nothing"
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