O juramento de Hipócrates
Sócrates falou para fracassar a tentativa de matar o assunto. Marques Mendes falou para cavalgar a demagogia política da insinuação. Os jornais mantêm o noticiário incandescente assente nas perguntas e na ausência de respostas. E assim estamos no "dia seg
Pior porque os portugueses – e é falso que os portugueses se estejam nas tintas para o assunto: mais de 3,6 milhões viram a entrevista! – estão hoje divididos entre o acreditar nas respostas do seu primeiro-ministro e o dar credibilidade às perguntas dos jornais que lêem. Em causa está, de facto, carácter: o de José Sócrates ou o da Imprensa portuguesa – ou o de ambos.
A entrevista foi histórica, por vezes bizarra, agendada com um falso álibi e chegou a ser embaraçosa. José Sócrates prestou--se a um papel quase humilhante de explicar assinaturas, datas, carimbos, até porque gosta tanto de falar ao telefone. Mas não tinha outra opção. O caso ganhou contornos de Estado. E agora?
Agora que as perguntas estão feitas e as respostas dadas, sobra a opção do que fazer aos vazios, às informações que ficaram por esclarecer. Ficou por esclarecer por que razão dá um reitor aulas a um aluno isoladamente, porque se passou um diploma a um domingo, porque foi dado um certificado de habilitações com base numa prova de fé de um aluno, etc. Ficou também por esclarecer se a forma como os jornais repisam as dúvidas sem adicionar provas é uma derrota para si mesmos.
E ficou por esclarecer se este é o tipo de sociedade em que queremos viver: de julgamentos populares em directo, em que o que está em causa não é a verdade ou a mentira mas a emoção propagada por um bom ou um mau desempenho performativo. Não há acusação mas há defesa, porque a sua ausência seria prova de culpa. Não há factos novos mas o caso vive.
José Sócrates apresentou-se como arguido e não convenceu o júri. Se o processo decorresse num tribunal, o caso estava morto: as suspeitas, as insinuações, os fumos sem fogo não são matéria de facto que chegue sequer para deduzir uma acusação. É esta a vantagem da imprensa: não se aquieta. Mas é este o risco de fazer justiça num programa televisivo: é um espectáculo, não é um julgamento; não é a verdade que conta, mas a sua percepção; e o processo só termina não quando o caso está resolvido mas quando se extingue a audiência. A audiência das televisões, das revistas, dos jornais, dos blogues. A audiência informada e a audiência canalha.
O estranho caso da licenciatura terá sido um favorecimento por interesse; um habitual caso de cunhas a que poucos políticos terão renegado; ou um logro difamatório nascido na blogosfera e criado nos jornais. Foi assim que nasceu. Assim permanece. Assim sobreviverá. Pode existir o que não se confirma? Pode. Pode condenar-se o que não se prova? Não. Excepto nas televisões.
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