Com a saúde não se brinca
Assim sendo, é natural – e desejável – que este seja um tema de primeira linha no debate político em Portugal. Mas não a qualquer preço. É que se a saúde não o tem, o debate sim, precisa de um preço, isto é, precisa de números, indicadores e parâmetro e só depois sim desejos, convicções e ideologias.
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Em Portugal, a discussão tem estado dividida essencialmente em duas trincheiras: de um lado, ouve-se um discurso catastrofista e, do outro, um discurso redentor. Os primeiros dizem que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) está a degradar-se cada vez mais e que coloca em perigo a saúde dos portugueses; os segundos pintam de negro o passado recente e anunciam o fim da austeridade e uma aposta firme na saúde.
E os números, o que nos dizem? Dizem-nos que a hemorragia orçamental dos anos da troika foi estancada, mas mostram-nos também que o SNS continua com menos dinheiro do que precisa e que, com a geringonça, a sua despesa nem sequer cresceu em percentagem do PIB. Os indicadores mostram ainda que o SNS tem agora mais médicos e enfermeiros e que produz mais do que antes, ou seja, assegura mais consultas, faz mais cirurgias, atende mais doentes. Mas, e há muitos mas nesta história, os especialistas são peremptórios ao afirmar que este aumento da produção é insuficiente para responder ao crescimento da procura que, por sua vez, será motivado por uma população mais envelhecida mas também mais exigente. E isso vê-se no aumento das filas de espera.
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Entre os redentores e os catastrofistas, venha o diabo e escolha. E se o diabo tiver de escolher, estou convencido que prefere estes últimos. É porque se ambos os lados caem na desonestidade quando repetem à exaustão a sua mensagem simplista, quem antecipa a tragédia ao virar da esquina faz muito mais do que assustar velhinhos e ganhar votos. Descredibiliza o Serviço Nacional de Saúde e descredibiliza as centenas de milhares de pessoas cujo trabalho é dar mais saúde aos outros. É exactamente o que acontece com o sistema público de pensões: quem vai querer descontar para a Segurança Social e financiar as pensões dos actuais reformados se estiver convencido que não terá direito a uma pensão decente quando precisar dela? Na saúde, passa-se o mesmo: quem quer pagar impostos para financiar um SNS degradado que não tenciona usar? Quem quer trabalhar num SNS incompetente?
Haja saúde mas também juízo na discussão daquela que foi a mais notável e colectiva construção da democracia portuguesa: o Serviço Nacional de Saúde. Este, juntamente com o sistema público de educação, são instrumentos fundamentais para o Estado assegurar a igualdade de oportunidades a todos os portugueses.
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