Estamos a assistir ao início de uma crise existencial para os animais selvagens do planeta. Embora, até agora, a perda de biodiversidade tenha sido impulsionada principalmente pela destruição de habitats e pela sobreexploração, a intensificação das alterações climáticas está a emergir como uma terceira grande ameaça. Esta é a conclusão de um novo estudo publicado na revista científica BioScience, conduzido por investigadores dos Estados Unidos e do México.
A investigação analisou dados de 70.814 espécies animais, com base na Lista Vermelha da IUCN - União Internacional para a Conservação da Natureza, e identificou que 3.585 delas — ou 5,1% do total avaliado — enfrentam ameaças diretas provocadas pelas alterações climáticas, como secas, cheias, alterações de habitat e extremos de temperatura.
"Embora as alterações climáticas ainda não sejam a ameaça dominante para muitas espécies, já estão a afetar gravemente algumas classes de animais", alertam os autores William Ripple, Christopher Wolf, Jillian Gregg e Erik Joaquín Torres-Romero. O estudo mostra que seis classes taxonómicas têm já pelo menos 25% das suas espécies avaliadas sob ameaça climática direta.
A crise atinge todos os ecossistemas do planeta, garantem os investigadores, que alertam que nos ambientes marinhos o impacto das vagas de calor oceânicas tem sido devastador. Um dos casos mais emblemáticos foi o colapso das populações de moluscos ao largo da costa de Israel, com uma redução de 90% devido ao aumento da temperatura da água. No Pacífico Norte, desapareceram mais de 10 mil milhões de caranguejos-das-neves desde 2018, alegadamente por fome induzida pelas alterações nas condições oceânicas. "Mais de 80% das espécies marinhas ameaçadas estão em risco devido a extremos de temperatura", destacam os investigadores.
Em terra, os polinizadores estão também sob ameaça e isso são más notícias para a Humanidade. Dados sobre abelhões na América do Norte e na Europa indicam "aumento das taxas locais de extinção e redução da colonização de habitats", o que compromete diretamente a produtividade dos ecossistemas e da agricultura. Os vertebrados não são poupados: as secas severas ameaçam 85% dos peixes de água doce afetados pelas alterações climáticas.
A escassez de avaliações sobre invertebrados é outra preocupação expressa pelos autores do estudo. Apesar de representarem a maioria esmagadora das espécies animais descritas, apenas 1,6% dos invertebrados foram avaliados pela IUCN, comparativamente com 72,6% dos vertebrados. "Estamos particularmente preocupados com os invertebrados bentónicos marinhos, cuja mobilidade limitada dificulta a fuga a condições adversas", referem os cientistas.
O estudo sublinha que a perda de espécies não deve ser encarada de forma isolada, uma vez que o colapso das interações ecológicas — como a polinização, a predação e o mutualismo — pode provocar efeitos em cascata nos ecossistemas. "As alterações climáticas, em conjunto com outros fatores de stress antropogénicos, continuam a afetar diversos ecossistemas, ameaçando organismos marinhos e terrestres em cenários que podem levar à extinção em massa", lê-se.
Os autores defendem a criação urgente de uma base de dados global sobre eventos de mortalidade em massa causados pelas alterações climáticas, bem como a aceleração das avaliações de espécies negligenciadas e o reforço de políticas de conservação integradas com ações de mitigação climática. "Podemos estar a aproximar-nos de pontos de não retorno quanto ao impacto das alterações climáticas sobre os animais do planeta", concluem. "É agora mais do que nunca crucial uma mitigação climática rápida e eficaz para salvar a biodiversidade da Terra", insistem.