Com o mar Mediterrâneo como pano de fundo, começou esta segunda-feira, dia 9, a 3ª Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos. Durante a cerimónia de abertura, o secretário-geral da ONU, António Guterres, e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, alertaram para a urgência de proteger os ecossistemas marinhos da degradação provocada pela ação humana.
“Estamos a falhar no cuidado com este recurso partilhado”, disse Guterres perante mais de 50 chefes de Estado, entre os quais a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Para o secretário-geral da ONU, os oceanos enfrentam uma crise profunda que é preciso reverter. “Os recifes estão a morrer, os stocks de peixes estão a colapsar e o aumento do nível do mar pode em breve engolir o litoral, ameaçando a sobrevivência de muitas ilhas”, avisou.
Apesar de reconhecer que o mundo atravessa uma “era de turbulência”, António Guterres mostrou-se esperançoso quanto aos resultados da conferência. “O encontro em Nice traz esperança de que é possível passar do saque à proteção, e da exploração de curto prazo à administração de longo prazo", afirmou.
O presidente do Brasil foi particularmente duro no seu apelo contra a corrida por recursos no fundo do mar. “É preciso evitar que os oceanos se tornem palco de disputas geopolíticas”, declarou Lula da Silva, destacando a necessidade de impedir uma “corrida predatória por minérios”.
Na sua intervenção, o líder brasileiro garantiu que o país ratificará até ao final do ano o Tratado de Alto Mar, instrumento jurídico internacional que pretende assegurar uma gestão transparente e partilhada da biodiversidade além das zonas económicas exclusivas dos diferentes países. Lula da Silva reforçou ainda que os oceanos serão uma prioridade da presidência brasileira da próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), marcada para novembro, em Belém, na região amazónica.
“Quem defende tanto a Amazónia, precisa de ir à Amazónia para ver a nossa COP30”, afirmou. “Em baixo de cada copa de árvore que a gente quer preservar tem uma criança, tem um indígena, tem um pescador, tem um ser humano. Por isso, os países ricos precisam pagar sua dívida com o contencioso de emissão de gases do efeito estufa”, defendeu.
Comparando a dimensão do espaço marítimo brasileiro à da floresta amazónica – cerca de 5,7 milhões de quilómetros quadrados –, Lula alertou que “o oceano está febril”, numa referência ao impacto do aquecimento global e da queima de combustíveis fósseis. E revelou ainda que o governo brasileiro está a desenvolver uma estratégia nacional para combater a poluição de plástico no oceano.
Bancos na luta contra o plástico marinho
Enquanto os líderes mundiais debatem medidas políticas e ambientais em Nice, um grupo de bancos de desenvolvimento anunciou a segunda fase da Clean Oceans Initiative (Iniciativa Oceanos Limpos, em português), a maior coligação financeira global dedicada a combater a poluição marinha. A nova fase do projeto prevê um investimento mínimo de 3 mil milhões de euros até 2030, com o objetivo de travar o avanço dos resíduos plásticos nos oceanos.
“O lixo plástico pode triplicar até 2040, atingindo 37 milhões de toneladas por ano”, alertou Stefanie Lindenberg, responsável do Banco Europeu de Investimento (BEI) para este projeto. Os microplásticos, que já se infiltraram em todos os oceanos do planeta, estão a contaminar também solos, ar, animais, plantas e até os seres humanos.
A primeira fase da iniciativa, lançada em 2018 e que decorre até ao final de 2025, contou com a participação de bancos franceses, alemães, espanhóis, italianos, do BEI e do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento. Foram mobilizados mais de 4 mil milhões de euros, aplicados em projetos como o tratamento de águas residuais no Sri Lanka, a gestão de resíduos sólidos no Togo e a proteção contra cheias no Benim.
Nesta nova fase, o foco mantém-se na gestão de resíduos e águas residuais, mas a ambição cresce: os bancos querem agora atacar as fontes da poluição, como o desenvolvimento de novos tipos de embalagens e o aumento da reciclagem de plásticos.
“Queremos reduzir a necessidade de plástico virgem ou, pelo menos, garantir que esse plástico permanece dentro do sistema circular”, explicou Stefanie Lindenberg, citada pela Reuters. Para isso, o BEI estuda formas de mitigar riscos em tecnologias emergentes, disponibilizando financiamento acessível, subvenções e investimento em fundos.
O projeto quer ainda expandir a rede de cooperação internacional, estabelecendo parcerias com bancos de desenvolvimento na Ásia e América Latina, duas das regiões que mais contribuem para a poluição oceânica. A participação do Banco Asiático de Desenvolvimento já está confirmada, e decorrem negociações com o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. “Ainda há muito por fazer, mas sabemos que temos um papel a desempenhar”, concluiu a responsável do BEI.