Legenda: Asier Amorena, CEO da Saint-Gobain Portugal, Filipa Pantaleão, secretária-geral do BCSD Portugal, e Hernâni Magalhães, CEO da Silvex.

O desenvolvimento da economia circular continua a ser um dos grandes desafios da sustentabilidade em Portugal. Apesar de progressos em setores como a construção, os resíduos urbanos ou as embalagens, o país mantém uma das piores taxas de circularidade da Europa. Segundo o Circularity Gap Report, essa taxa desceu de 9,1% em 2018 para apenas 7,2% em 2024, refletindo não só o aumento do consumo, mas também diversas limitações na aplicação prática de processos circulares. Este foi o ponto de partida da conversa conduzida por Filipa Pantaleão, secretária-geral do BCSD Portugal e presidente do júri da categoria de Economia Circular no Prémio Nacional de Sustentabilidade, no mais recente episódio do podcast Sustentabilidade em Ação.
Tradição e reinvenção na construção
Para a Saint-Gobain, multinacional francesa com mais de 360 anos, especializada em materiais de construção e soluções sustentáveis, a integração da circularidade no negócio surge como resposta à necessidade de adaptação às novas exigências ambientais e de mercado. Segundo Asier Amorena, CEO da Saint-Gobain Portugal, há cerca de duas décadas a empresa reconheceu que a sua sobrevivência a longo prazo dependeria da liderança em construção sustentável, num setor responsável por 40% das emissões globais de CO2.
Na sua análise, esta aposta estratégica está a traduzir-se numa vantagem competitiva. Embora a maioria dos clientes ainda não esteja disposta a pagar mais por produtos sustentáveis, há uma procura crescente por parte de consumidores conscientes e pelas melhores empresas do setor.
Embalagens e inovação em Portugal
Do lado da Silvex, empresa portuguesa com 57 anos, presença em cinco países e especializada em soluções de embalagens, a aposta na circularidade começou em 2006, com a introdução no mercado português dos primeiros artigos biodegradáveis e compostáveis, inspirados em soluções populares na Escandinávia. A visibilidade da crise dos plásticos nos oceanos levou a empresa a considerar que a indústria não estava a fazer o suficiente e a investir numa fábrica própria de reciclagem, com o objetivo de aproveitar os resíduos para fazer produto, retirando-os do fim de linha, explica Hernâni Magalhães, CEO da Silvex.
No entanto, ambos os responsáveis afirmam que a implementação da economia circular continua a enfrentar entraves significativos em Portugal, não por falta de planos estratégicos, mas pela dificuldade em concretizá-los no terreno. Para Hernâni Magalhães, implementar mudanças reais na economia implica articular várias dimensões – gestão de resíduos, design do produto, distribuição, fabrico – num sistema ainda muito fragmentado. Enquanto as regras do jogo não refletirem os verdadeiros custos ambientais, a taxa de circularidade não evoluirá significativamente, defende. Também Asier Amorena sublinha que, no caso da Saint-Gobain, a transição tem sido sobretudo impulsionada pela estratégia da empresa e pelo fator competitivo, mais do que por planos e apoios.
Inovação como resposta
Em ambas as empresas, a inovação surge como resposta prática aos desafios da sustentabilidade. Asier Amorena destacou que a Saint-Gobain é reconhecida como uma das 100 empresas mais inovadoras do mundo e que a inovação na construção é essencial, não só para reduzir resíduos, mas também para compensar a escassez de mão de obra. Do lado da Silvex, a inovação começa na conceção e design do produto.
Segundo Hernâni Magalhães, muitas empresas procuram a Silvex para desenvolver produtos com incorporação de material reciclado. Neste contexto, o CEO alerta para um problema crescente: o greenwashing. Há muitos produtos que dizem ser sustentáveis sem o provar, afirmou, sublinhando a importância da certificação como garantia de credibilidade.
Rastreabilidade e credibilidade
Neste contexto, a rastreabilidade foi apontada como fator essencial para garantir a verdadeira circularidade dos produtos. Asier Amorena referiu que a Saint-Gobain tem como meta que 100% dos seus produtos tenham declaração ambiental até 2030, estando atualmente nos 40%, e destacou que a falta de rastreabilidade das matérias-primas é um entrave a este processo. Espera que o passaporte digital do produto, previsto para 2027, represente um avanço decisivo. Já Hernâni Magalhães destacou que, na Silvex, a rastreabilidade já é uma realidade. Se recebermos 20 toneladas da Saint-Gobain, conseguimos transformá-las e devolver 18 toneladas em novos produtos, afirma. Essa capacidade de rastrear é fundamental para comprovar a circularidade. Para o CEO, a economia circular é essencial para a neutralidade carbónica. Sem ela, será muito difícil atingir as metas e evitar a crise climática.
Este episódio do Sustentabilidade em Ação evidenciou que, tanto para grandes grupos industriais como para empresas industriais nacionais, a economia circular só avançará com regulação coerente, incentivos eficazes e uma exigência transversal de padrões de sustentabilidade. Enquanto isso não acontecer, os progressos reais na sustentabilidade continuarão a depender, em grande medida, da visão estratégica e da resiliência individual das empresas.