Com o braço de ferro que está neste momento a ser travado entre as universidades norte-americanas e a Administração do presidente Donald Trump - pautado sobretudo por ameaças de cortes significativos no financiamento às instituições de ensino superior dos EUA, caso estas não sigam as orientações ideológicas de Washington -, as ondas de choque já estão a ser sentidas nas escolas portuguesas.
A garantia foi deixada por Filipe Santos, "dean" da Universidade Católica de Lisboa, e Pedro Oliveira, "dean" da Nova SBE, na abertuda da conferência Negócios Sustentabilidade 2030, no decorrer do painel "O poder político e a independência das universidades e das políticas na era Trump", moderado por Helena Garrido.
"É impensável. A realidade está a ultrapassar a pior ficção. Como é possível que uma sociedade aceite e siga este tipo de liderança e não haja forças sensatas que ponham a casa em ordem", começou por considerar o 'dean' da Católica, acrescentando, no entanto, que "tudo acontece por uma razão".
"O que está a acontecer nas universidades americanas tem uma razão de ser. Foram longe demais em alguns temas e introduziram algum dogmatismo, em vez de sensatez e racionalidade, o que gerou uma reação adversa de mais ideologia e dogmatismo em reação. A acusação que as universidades americanas se tornaram pouco elitistas, em alguma medida, faz sentido", sublinhou.
Por seu lado, o "dean" da Nova SBE disse que uma das grandes prioridades da escola tem sido estabelecer parcerias com escolas americanas, o que os coloca "no centro do furacão".
"Os dirigentes universitários nos EUA são, em parte, culpados por alguma tolerância em excesso perante algumas agendas. Portanto, acho perfeitamente legítimo que o governo americano estivesse preocupado. Claro que o 'modus operandi' é totalmente inaceitável, com cortes brutais no financiamento, em investigação biomédica, por exemplo", explicou.
O académico confessa que nunca pensou que "isto nos pudesse afetar tão depressa e tanto". "Comecei a desconfiar que o facto de andar a fazer parcerias com escolas americanas, também na área de sustentabilidade, ia ter impacto para nós".
E dá um exemplo prático: a Nova SBE está no processo de criar o Instituto de Sustentabilidade, em parceria com a Universidade de Stanford, "o que é tudo o que a Administração Trump não gosta", reforça.
Durante 75 anos Stanford não criou nenhuma escola nova e há dois anos criou uma nova escola de sustentabilidade. "Parecia-nos o parceiro ideal e temos estado a falar há cerca de um ano. Tudo parecia bem encaminhado. Mas agora está em suspenso. Vamos ver se conseguimos avançar", disse, confirmando que "já estão a ser sentidos os impactos nas universidades portuguesas, do que se está a passar" nos EUA.
Os dois responsáveis dizem que, do lado da Europa, há já universidades "que estão a considerar resistir ativamente". Nos EUA também há casos de resistência, como Harvard, mas são a exceção à regra.
"Hoje em dia há medo na América. O cidadão americano tem medo porque qualquer coisa que diga ao público contra a Administração Trump pode levar com a força da vingança.
Não está aqui em causa uma agenda contra o clima ou contra a diversidade. O que está em causa é uma tomada de poder, um assalto ao poder em que pela força da lei do poder e do dinheiro, a Administração Trump está a tentar calar qualquer voz contra e controlar toda uma sociedade", referiu Pedro Oliveira.
O "dean" da Católica confirma: "Os nossos colegas americanos dizem: eu neste momento fico calado, faço o meu trabalho, recebo o meu salário e não faço ondas e espero que isto passe".
Apesar de tudo, o responsável diz que a Católica até está, de certa forma, a beneficiar com o que se passa nos EUA. "Nunca tivemos tantos candidatos internacionais como temos agora. E existe muito interesse de professores mais séniores, que querem sair dos Estados Unidos. Temos 150 parcerias com escolas a nível global, alunos de 70 nacionalidades,
temos professores de todo o mundo", refere o "dean", dizendo que "também há alguns sinais que em alguns países da Europa pode existir uma tentativa de interferência nas universidades, que deviam ser o centro do conhecimento, da racionalidade, da discussão crítica de problemas, do rigor".