Investir na defesa já não é tabu
A guerra na Ucrânia criou um sentimento de insegurança na Europa. O fator proximidade e a imprevisibilidade de Putin fizeram soar os alarmes. O investimento na defesa, que era um tema tabu na União Europeia, ganhou prioridade na agenda política e parece já não ser rejeitado pela opinião pública. Ninguém tem dúvidas de que a Europa deixou de ser uma bolha de paz e os países fazem agora contas para reforçar os orçamentos das suas forças armadas.
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Não nos iludamos quanto aos tempos muito difíceis que aí vêm". A frase do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, proferida após a reunião do Conselho de Estado desta terça-feira sobre a guerra na Ucrânia, é um alerta à navegação. Não é só a incerteza económica que levanta preocupações. Há agora um sentimento de insegurança na Europa. O fator proximidade e a imprevisibilidade na ação de Vladimir Putin fizeram soar os alarmes. Estará a Europa preparada militarmente para enfrentar a ameaça russa? Durante muitos anos, o investimento na defesa foi um tema tabu na União Europeia. Por várias razões. Desde logo, porque ninguém sentia que a sua segurança estava em perigo. Assim sendo, os políticos temiam a reação da opinião pública caso anunciassem que iriam gastar dinheiro com as Forças Armadas. A NATO era vista como o garante da defesa europeia e, quando se pesava num prato da balança as necessidades de investimento militar e no outro, por exemplo, as carências na educação ou na saúde, não havia dúvidas de que os cidadãos preferiam aplicar os seus impostos em melhores escolas e hospitais. Mas há também razões históricas para a defesa ter ficado para trás na lista de prioridades da Europa, diz Álvaro Vasconcelos, antigo diretor do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia. Na verdade, o primeiro projeto europeu foi o de uma Comunidade Europeia de Defesa. Isso ainda antes da Europa económica e do mercado comum. Estávamos nos anos 1950, em plena Guerra Fria, e "pensou-se, no pós-II Guerra Mundial, que uma Europa construída sem defesa estaria muito fragilizada". Só que essa proposta da criação de um mecanismo, estabelecido no tratado de Paris de 1952, que iria coordenar as forças armadas de toda a Europa, foi chumbada no parlamento francês e a iniciativa foi abandonada em 1954. A partir daí, "começou-se a pensar que era um assunto tabu". Só depois da guerra na Bósnia, nos anos 1990, houve tentativas para relançar uma política de defesa europeia, através das missões de paz. Quando Javier Solana assumiu o cargo de Alto Representante para a Política Externa e Segurança Comum da União Europeia, em 1999, houve alguma dinâmica nesta matéria, porque "ele vinha da NATO e tinha uma convicção muito forte sobre questões de defesa", recorda Álvaro Vasconcelos. Foi o espanhol que lançou uma série de missões de paz da União Europeia no exterior quando havia "uma componente ainda de muito ‘soft power’ europeu". Quando Solana saiu do cargo, em 2009, "a Europa tornou-se um ator cada vez mais frágil nas missões de paz, e depois geraram-se conflitos terríveis à volta do bloco europeu sem que este tivesse qualquer capacidade de agir". A situação foi agravada pela saída do Reino Unido da União Europeia, que era um ator de defesa importante. "Muitas das operações militares que se fizeram tinham uma componente francesa e inglesa forte. Foi assim, por exemplo, nos Balcãs", recorda o especialista em segurança e geopolítica. Mas, por outro lado, o Reino Unido era um bloqueador de uma Europa de defesa autónoma da NATO. "Qualquer tentativa de incentivo nesse domínio era vista como algo que era contra a Aliança Atlântica". Por tudo isto, antes da guerra da Ucrânia, "a defesa era um tema fraturante na Europa entre os atlantistas e os europeístas". Os europeístas – fundamentalmente a França, que por vezes encontrava aliados – "encontravam uma grande resistência também na Alemanha, que achava que tinha garantida a sua segurança, fundamentalmente na NATO", refere.
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