A economia no marcelismo
O período final do regime do Estado Novo foi marcado por um forte crescimento económico com múltiplos empresários a lutarem pelos seus interesses. Histórias que vale a pena conhecer.
Durante as décadas de 1960 e 1970, Portugal assistiu a um crescimento económico quase sem paralelo. A abertura a novos mercados, a nova geração de "industrialistas" que ocuparam o poder num tempo em que Oliveira Salazar já notava sinais de evidente desgaste, o fôlego da OCDE, os dividendos de África e uma série de empresários e grupos económicos, em conjunto, contribuíram para essa época de ouro.
Mas nem tudo foram rosas, como a crise do petróleo de 1973 veio revelar de forma mais crua. Filipe S. Fernandes, vem neste livro culto e informado, revelar um pouco mais do jogo de xadrez em que foram protagonistas o Estado de Marcelo Caetano e os grupos empresariais, e onde as relações nem sempre foram muito pacíficas. Como escreve o autor: "Lutas e guerras pelo controlo de bancos, com a Bolsa em alta, a criação de novos impérios químicos e da energia, a compra desenfreada de jornais, as multinacionais a cimentarem a sua presença, depois de décadas a ser hostilizadas. Os 'plutocratas', como lhe chamava Marcello Caetano, ou 'grandes monopolistas', como os denominava o PCP, digladiavam-se. Miguel Quina desafiava Marcello Caetano contra Jorge de Brito e o Grupo Mello; António Champalimaud, foragido entre 1968 e 1973, provocava e guerreava Marcello Caetano quando tentava comprar bancos à sua revelia e manifestava-se contra a concorrência nos cimentos em favor de Manuel Queirós Pereira, familiar de Marcello Caetano. Por sua vez, Artur Cupertino de Miranda estava no centro dos conflitos de negócio com António Champalimaud, João Rocha e Lúcio Tomé Feteira".
Havia muitos investimentos a ser feitos, num período em que a liberalização económica fazia sonhar, em alguns, com a possibilidade de uma liberalização política. Mas a guerra colonial era o calcanhar de Aquiles de tudo isso. O autor vai às bases da criação da industrialização (e da ligação à Europa) para explicar estes anos de crescimento e de criação de muitos pólos de poder económico em Portugal. Foi um período de forte agitação, durante o qual, como é compreensível, muitos dos líderes empresariais se viram a braços com desejos de conquista mas também com "inimigos" que concorriam no seu terreno.
Filipe S. Fernandes lembra aqui muitos desses episódios por causa de negócios e de suspeitas de que o Estado achava que todos eram iguais mas alguns eram mais iguais do que os outros. Foi o caso da luta entre Miguel Quina e o Estado por causa do crescente poder do grupo CUF no sector naval e, depois, com Jorge de Brito, para quem perdera os concursos das auto-estradas. Ou a batalha épica de António Champalimaud com Marcello Caetano por causa dos investimentos no sector cimenteiro. Há muitas histórias saborosas que mostram como era esta luta de galos dentro do sector privado e onde o Estado tinha sempre uma palavra a dizer. Só que já se viviam tempos diferentes dos de Salazar e os empresários já eram mais directos a dizer o que queriam, ou não. Este livro é uma aventura muito marcante nos tempos áureos que marcaram o período final do regime do Estado Novo. Por isso deve ser lido com atenção e prazer.
Mais lidas