Jorge Moreira: O revolucionário discreto
A figura que esteve na boca de toda a gente durante a noite foi Dirk Niepoort - o homem que, incensado por alguns e olhado de soslaio por outros (isto é Portugal), mudou a história recente do Douro com irreverência e generosidade.
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Quando, por volta de 2001, Jorge Moreira quis comprar a Quinta do Poeira, convidou Dirk para ver a propriedade em estado calamitoso. Este olhou, avaliou e, percebendo o potencial do terreno, incentivou a compra. Mas havia um detalhe: Jorge não tinha dinheiro para investir sustentadamente na propriedade. E Dirk, como se estivesse em casa a abrir garrafas dos melhores châteaux deste mundo (coisa que faz com toda a gente para mostrar a excelência do que se faz lá fora), disse-lhe: "compra, que eu encarrego-me de vender os teus vinhos". Na verdade, parece que até as primeiras garrafas e rolhas foram fornecidas pelo homem da Niepoort, mas isso é um detalhe. O certo é que, sem o amigo a assumir os riscos, Jorge não se teria metido numa aventura em que qualquer tostão desencantado era ouro.
Dirk, Sophia Bergqvist (La Rosa) e o espírito visionário de Pedro Silva Reis (RCV) acabaram por criar condições para que o enólogo pudesse mudar o perfil dos vinhos do Douro e cujo contra rótulo poderia registar sempre isto: "vinhos com frescura até mais não, genuinidade, longevidade, experimentação, provocação e intervenção humana na medida certa". Com vinhos de volume ou de nicho, Jorge Moreira está a fazer uma revolução silenciosa no Douro. Não é de agora. É desde 1996. E isto é a sua marca. Não numa carreira longeva, mas em apenas 20 anos. Imaginemos o que virá no futuro.
Dito isto, cá vai uma crítica. Da RCV, da La Rosa, da Quinta do Poeira ou do projeto MOB foram provados vinhos com muitos anos de vida, mas que pareciam feitos na colheita passada, revelando assim potencial e mistério na evolução em garrafa. Coisas extraordinárias, acreditem. E a questão é esta: por que razão os consumidores esclarecidos não podem ter acesso a tais vinhos? Por que razão os produtores teimam em não guardar parte do vinho para o lançar mais tarde - quando estão no auge -, cobrando mais por isso? Por que razão não percebem que Portugal só fará diferença nos mercados externos e em segmentos premium com vinhos de guarda e não com vinhos com fruta fresca aos saltos e madeiras mais ou menos integradas e iguais a tantos outros?
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Sim, sim, sei bem que a resposta se encontra na miopia dos distribuidores, assim como sei que os stocks custam dinheiro e toda a gente está descapitalizada (o que se defende aqui é apenas a retenção de parte da produção), mas de que vale fazer vinhos de guarda para mostrar a riqueza de uma região se, no final, sobram meia dúzia de garrafas para meia dúzia de privilegiados? A revolução silenciosa no Douro e noutras regiões também deveria passar por aqui. Nesta matéria, são os produtores que devem mandar. Nunca os distribuidores.
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