Vivemos um paradoxo fascinante em 2025. “O banco já sabe que vou comprar um café antes sequer de sair de casa, mas ainda demora três dias a processar uma transferência internacional”, observa Nuno Sousa, Financial Services Director da Claranet Portugal. Esta contradição “não é uma curiosidade tecnológica, é o reflexo de uma transformação profunda que está a redefinir o setor financeiro europeu”.
A recolha e o processamento de dados sobre o comportamento do utilizador tornaram-se quase instantâneos e a capacidade de transformar esses dados em valor é hoje um verdadeiro ativo. “O exemplo do Nubank, no Brasil, é paradigmático. Conquistou 70 milhões de clientes não por oferecer melhores taxas de juro, mas por adaptar a experiência a cada perfil geracional. Essa personalização é o que torna o serviço diferenciador”, afirma o responsável.
Na Ásia, as chamadas super apps mostram até onde pode ir esta tendência. “O WeChat permite fazer tudo, desde enviar mensagens a investir em fundos. O Grab e o Gojek começaram como aplicações de mobilidade e transformaram-se em ecossistemas financeiros que oferecem seguros, crédito e investimentos.” Na Europa, lembra Nuno Sousa, “os neobancos como o N26 e o Revolut provaram que é possível competir neste novo paradigma, ao combinarem conveniência, tecnologia e personalização”.
Ainda assim, o responsável alerta que “os bancos europeus tradicionais enfrentam a década mais desafiante da sua história centenária”. O motivo é simples: quanto mais personalizados nos tornamos, mais vulneráveis ficamos. “O panorama de ameaças é hoje profundamente diferente. A engenharia social evoluiu de forma dramática, com deepfakes e voice cloning a permitirem fraudes de identidade quase indetetáveis. Estas ferramentas exploram precisamente os dados pessoais que alimentam a personalização.”
Corrida para a criptografia pós-quântica já começou
O ransomware também deixou de ser oportunista. “É direcionado, planeado e executado contra infraestruturas críticas financeiras. O caso do Bangladesh Bank é uma lição dolorosa: 81 milhões de euros perdidos e, mais grave ainda, uma erosão devastadora da confiança.”
Mas a verdadeira ameaça, considera Nuno Sousa, “é a computação quântica que se aproxima de forma silenciosa”. Os algoritmos criptográficos atuais que protegem dados pessoais “serão vulneráveis a computadores quânticos suficientemente poderosos”. O cronograma, no seu entender, é claro. “2030 marca o início do risco real, 2035 torna a migração obrigatória e, em 2040, a exposição será crítica. A corrida para a criptografia pós-quântica já começou.”
Neste contexto, a questão deixou de ser escolher entre personalização ou segurança. “A pergunta é como garantir ambas? E não é uma questão teórica. É o desafio estratégico que define o futuro da banca europeia.” No entender de Nuno Sousa, a resposta pode passar por uma reconfiguração do papel dos bancos. “O futuro pode não ser o banco a controlar a interface com o cliente, mas a fornecer os ‘rails’ financeiros que alimentam ecossistemas de terceiros.” Isso exige, segundo o diretor da Claranet, “arquiteturas capazes de migrar componentes não críticos para a Cloud, mantendo o core no mainframe. Esta abordagem tem-se revelado menos arriscada e mais viável”.
Para os líderes do setor, a implicação é clara. “Os CEO têm de investir em capacidade dupla. Não se trata de escolher entre inovação ou segurança, mas de construir ambas em paralelo. A personalização sem segurança é insustentável; a segurança sem personalização é irrelevante.”
Já para os CTO e CIO, a prioridade é desenhar arquiteturas híbridas. “É necessário equilibrar agilidade com controlo, Cloud com On-premises e Hyperscalers, inovação com estabilidade. As infraestruturas devem permitir simultaneamente a velocidade exigida pela personalização em tempo real e a resiliência necessária para proteger dados críticos.”
Para o setor financeiro no seu conjunto “é indispensável colaboração na definição de normas. A competição deve ocorrer na execução, não nos standards de segurança. Partilhar inteligência sobre ameaças e melhores práticas em criptografia pós-quântica não é altruísmo, é sobrevivência coletiva.”
Nuno Sousa conclui que “a segurança não é o que nos protege da inovação, é o que a torna constante e possível”. Na era da hiperpersonalização, “sem arquiteturas de segurança robustas, incluindo preparação pós-quântica, a personalização baseada em dados transforma-se numa vulnerabilidade existencial”.
Os bancos que conseguirem navegar este paradoxo entre proximidade e impermeabilidade “não só sobreviverão, como definirão o futuro dos serviços financeiros globais”. Acredita que “o futuro não pertence aos bancos mais seguros nem aos mais personalizados, mas aos que conseguirem ser ambos. Porque estas duas dimensões não são opostas, são complementares e interdependentes”.
Nos próximos cinco anos “a verdadeira inovação bancária não está em escolher um lado deste paradoxo. Está em transcendê-lo”, conclui.