Política tarifária de Trump é um "programa de austeridade dissimulado", diz Paulo Portas

Para o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, o único país que soube negociar com os Estados Unidos da América a sua política comercial foi a China. Em geral, os líderes políticos continuam a frequentar "uma espécie de doutoramento em aberto [sobre] como lidar com Donald Trump".
Paulo Portas
Tiago Sousa Dias
Lusa 23 de Outubro de 2025 às 19:32

Paulo Portas classificou hoje a política tarifária norte-americana como um "programa de austeridade dissimulado", para já sem resultados visíveis na redução do défice, e sintoma de um desalinhamento entre os objetivos geopolíticos e os instrumentos geoeconómicos dos EUA.

O antigo líder do CDS-PP falava sobre as "consequências para Portugal e para a União Europeia da política aduaneira dos EUA e dos conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente", na abertura de um seminário sobre o Orçamento do Estado para 2026 (OE2026) organizado em Lisboa pelo Forum para a Competitividade, pela AESE Business School e pela Deloitte.

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Para o antigo vice-primeiro-ministro do Governo de Pedro Passos Coelho (PSD/CDS-PP), o único país que soube negociar com os Estados Unidos da América a sua política comercial foi a China. Em geral, os líderes políticos continuam a frequentar "uma espécie de doutoramento em aberto [sobre] como lidar com Donald Trump".

Portas, atual vogal do Conselho de Administração da construtora Mota-Engil, notou que, apesar do "aumento exponencial" das receitas alcançado com as tarifas, o défice da maior potência mundial deverá aumentar em 2025, não sendo "suficiente sequer para cobrir o aumento da inércia da despesa".

"As tarifas são um programa de austeridade não declarado -- ou um programa de austeridade dissimulado. Antes de tudo o mais, quem paga as tarifas americanas são os importadores americanos e os consumidores americanos. Há muito mais gente que as paga indiretamente, mas estes dois seguramente [sofrem um impacto direto]", afirmou.

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"É como se fôssemos todos chamados a contribuir para controlar uma coisa que os americanos não querem controlar, que é o seu défice. Os Estados Unidos, desde a crise financeira, habituaram-se a défices entre 5% e 8%, anualmente, sucessivamente. E este ano não será diferente, apesar do 'shutdown', que limita, pelo menos há quase um mês, a despesa", destacou.

Portas recordou que os Estados Unidos sempre se balancearam entre políticas comerciais mais abertas e políticas comerciais mais fechadas.

"Nem o protecionismo, nem o isolacionismo são tendências novas na história americana. A América sempre foi um pêndulo entre multilateralismo (ou até expansionismo) e isolacionismo", sublinhou, para vincar que o caráter distintivo deste momento é a existência de um desfasamento entre os objetivos geopolíticos e os instrumentos económicos usados para os concretizar.

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Como expoente do desalinhamento de que fala, Portas citou a relação diferente que a Administração mantém com a China e a Índia, designadamente no tratamento tarifário.

Portas notou que, para Trump, a China é encarada como uma potência económica, o mesmo não acontecendo com a Índia. No entanto, avisou, "o tempo vai encarregar-se de explicar à Administração americana que não deveria ser tão definitiva" sobre a República indiana.

"A Índia está muito mais próxima do Ocidente do ponto de vista dos valores e das instituições -- será sempre no seu ADN adversária da China", reforçou.

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"Estamos habituados, seja qual for a Administração americana, a um certo alinhamento entre instrumentos geoeconómicos e objetivos geopolíticos. Agora há uma grande confusão e, frequentemente, uma contradição entre os objetivos geopolíticos e os instrumentos geoeconómicos. Dito de uma maneira simples: não se conquistam amigos com tarifas", disse.

Portas diz ser difícil perceber como é possível "tratar melhor, tarifariamente, um adversário do que um aliado". Mas é isso que está a acontecer, "até que haja uma revisão obrigada pelos factos", vincou.

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