"É preciso que as pessoas percebam que a época de juros baixos acabou"

O ex-ministro português, que está agora na OCDE, avisa que os juros vão subir no médio prazo, o que vai aumentar os custos dos empréstimos das famílias e das empresas.
Bruno Simão/Negócios
Tiago Varzim 30 de Maio de 2018 às 16:54

O economista-chefe interino da OCDE alerta que não são só os Estados quem tem de diminuir a sua dívida. Também as empresas e as famílias devem ter essa cautela, avisa Álvaro Santos Pereira, em declarações ao Negócios, assinalando que "é preciso que as pessoas percebam que a época de juros baixos acabou ou está prestes a acabar".

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Olhando para o contexto externo, Santos Pereira considera que a desaceleração da Zona Euro no primeiro trimestre deste ano ainda não é preocupante. Ainda assim, esse abrandamento levou a OCDE a rever ligeiramente em baixa o crescimento económico para 2018 e 2019 para 2,2%, abaixo dos 2,3% previstos pelo Governo. Também esta terça-feira o Fundo Monetário Internacional (FMI) tinha revisto em baixa a evolução do PIB português

Mas há uma novidade que o director do Departamento de Economia da OCDE, cargo que acumula actualmente com o de economista-chefe interino, destaca no Economic Outlook de Maio: três quartos dos países da OCDE estão com uma política orçamental expansionista. A curto prazo, isso é positivo, mas alerta que há riscos para o futuro.

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A desaceleração da Zona Euro no arranque de 2018 preocupa a OCDE?

Não preocupa em demasia, sinceramente. Continuamos a estar bastante positivos em relação à evolução da economia mundial e europeia. Estamos a prever que a economia mundial vá crescer cerca de 3,8% ou 3,9% este ano. Ou seja, perto dos 4%, que é a média histórica antes da crise. O que quer dizer que a economia mundial está relativamente bem. Mais importante é [o crescimento económico] estar a ser impulsionado pelo investimento e pelo comércio mundial, que tem recuperado bastante. A grande diferença antes da crise e agora é que esse investimento e comércio têm tido um crescimento positivo, mas não um crescimento espectacular.

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Para a economia europeia estamos a prever um crescimento de 2,2%, ligeiramente em baixa face às previsões interinas. Não revemos muito. Achamos que o primeiro trimestre foi certamente um pouco mais frouxo do que estávamos à espera, mas nada de espectacular. Nós pensamos que o crescimento da economia europeia vai continuar robusto nos próximos dois anos.

A tensão política em Itália aumentou recentemente. A OCDE já tem em conta estes desenvolvimentos? Teme um efeito negativo para a Zona Euro?

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Em relação a Itália, as previsões que nós fazemos são baseadas no cenário que está legislado. No entanto, dizemos que um dos riscos para a Europa é a situação de incerteza política e de políticas na Itália.

Então o que tem ajudado recentemente a economia?

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Esses 4% que estamos a falar para a economia mundial só são possíveis graças ao apoio das políticas macroeconómicas. Ou seja, através da política monetária, por exemplo o BCE [Banco Central Europeu], que tem sido bastante expansionista nos últimos anos, juntamente com uma das grandes novidades deste Outlook que é a política orçamental. Calculámos que cerca de 3/4 das economias da OCDE neste momento estão com uma política orçamental expansionista. A expressão inglesa é "The fiscal policy is new game in town". 

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O FMI tem pedido aos países, tal como Portugal, que criem espaço orçamental. A política orçamental expansionista não vai no sentido contrário?

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Para países com muita dívida o melhor espaço orçamental é baixar a dívida, utilizando quer a política orçamental quer obviamente utilizando os dividendos do crescimento. É o que nós temos feito. O que aconteceu no último ano - e ainda bem que aconteceu - foi uma descida da dívida em percentagem do PIB. Temos de continuar. Esta dívida ainda é muito elevada. O ministro das Finanças [Mário Centeno] tem enfatizado isso e tem toda a razão.

É importante continuar com uma política de prudência. Esperemos bem que não, mas imaginemos que daqui a um, dois ou três anos temos uma nova crise: se continuarmos com uma dívida pública tão elevada, isso vai ter consequências, nomeadamente vai diminuir a margem [de gestão] dessa crise. Mas o que se fala para o Estado também se fala para as empresas e para as famílias. Desendividaram-se muito nos últimos anos, mas também têm de continuar.

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O que vai acontecer, prevemos que a partir do próximo ano, é que vão aumentar os juros e isso quer dizer que quem tiver empréstimos bancários e esteja em dificuldades de os pagar, daqui a um ou dois anos vai ser bastante pior. Daqui a quatro ou cinco anos vai ser certamente bastante pior porque os pagamentos vão ser muito mais elevados. É preciso que as pessoas percebam que a época de juros baixos acabou ou está prestes a acabar.

Na América já começaram a aumentar e os juros vão começar a aumentar na Europa a partir do próximo ano. É importante que as famílias, as empresas e os Estados estejam bem conscientes de que isso vai ter um impacto bastante grande nos seus orçamentos. É preciso que nos precavamos para que isso [esse impacto] não aconteça.

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