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"A distinção entre público e privado é uma mera apreciação ideológica"

A prestação de cuidados de saúde é um dos temas mais delicados tratado por políticos e empresários. Estado e prestadores privados querem melhorar os serviços em Portugal, mas discordam sobre o financiamento e modelos de negócio. Salvador de Mello, presidente-executivo (CEO) da José de Mello Saúde, acredita que é possível o público e o privado coabitarem se houver liberdade de escolha.

23 de Abril de 2010 às 19:04

A prestação de cuidados de saúde é um dos temas mais delicados tratado por políticos e empresários. Estado e prestadores privados querem melhorar os serviços em Portugal, mas discordam sobre o financiamento e modelos de negócio. Salvador de Mello, presidente-executivo (CEO) da José de Mello Saúde, acredita que é possível o público e o privado coabitarem se houver liberdade de escolha.

Numa altura em que se discute como articular o serviço de saúde público com o privado, acha que o Governo tem criado condições para os privados crescerem?Diria que vivemos num ambiente adverso e em que o tema da liberdade de escolha não é querido pelos políticos. Oiço falar muito no público e privado e penso que é muito mais importante distinguir financiamento de prestação do que o público do privado. Porque na prestação existem excelentes exemplos de hospitais públicos e de hospitais privados. A função de prestador é um coisa e a função do financiador é outra. E esta separação permitiria criar um clima de maior concorrência e um clima de maior concorrência faria com que os melhores induzissem melhores práticas aos menos bons, o sistema auto-regenerava-se. A distinção entre público e privado resulta de uma mera apreciação ideológica e que não tem racionalidade económica por trás.

Mas esta aproximação em termos de prestador de serviços não poderia afastar as pessoas com menos recursos financeiros de obterem cuidados de saúde? Eu acho que é ao contrário. O que estamos a assistir é que há um sistema a duas velocidades, quem tem a opção de exercer liberdade de escolha exerce esse direito, quem não pode fica amarrado a um sistema em que há cada vez mais restrições, mais dificuldades. Então estamos a criar um fosso. Se o Estado criasse a distinção entre financiamento e prestação iria comprar serviços onde encontra maior eficiência, iria comprar serviços para cada cidadão. Porque é que para ser operado ao coração tenho de ir a um hospital público? Se custar 100 num privado e 120 num público, penso que devo ir ao privado. Não se pode é prescindir da qualidade.

Acredita que poderá haver alguma mudança em termos do financiamento da saúde em Portugal? Acho que se vai manter igual ao que está em vigor. Acho que há um aspecto fundamental que é a liberdade de escolha, portanto tudo o que for feito nesse sentido é louvável. E nesse sentido penso que os seguros vão continuar a crescer, porque as pessoas que têm opção, não vão prescindir do direito à liberdade de escolha. As pessoas que não têm, não poderão fazer nada. O que é indispensável é dar oportunidade a todas as pessoas, se não estamos a criar um sistema a duas velocidades com o qual não concordo. A liberdade de exercer uma escolha é um direito de cidadania.

Convenções

Considera o sistema de convenções que existe entre o Estado e os privados uma boa forma de colmatar falhas no Serviço Nacional de Saúde?Por exemplo, vejo a ADSE como um excelente projecto-modelo daquilo que poderá ser a liberdade de escolha.

Contudo, o grupo Mello é entre os "players" da saúde privada aquele que tem menos ligação com a ADSE. Porque motivo? Porque temos privilegiado a relação com as companhias de seguros e porque há em sistemas como a ADSE um problema de "pricing" que não está totalmente resolvido. O sistema da ADSE é um excelente exemplo de liberdade de escolha que deve ser aprofundado, mas há uma questão de oferta e de procura e os preços que a ADSE pratica nem sempre são possíveis de praticar.

Carreiras médicas

Outro dos assuntos que está na ordem do dia é o estatuto da carreira dos médicos. Receia que as medidas que venham a ser adoptadas possam afastar profissionais dos prestadores privados? Eu gostaria de referir que temos um contributo a dar nesse tema das carreiras médicas. Nós [grupo José de Mello Saúde] temos uma parte significativa de médicos a trabalhar nas nossas unidades e, portanto, penso que temos um contributo a dar e estaremos disponíveis, caso venha a ser solicitado colaborar no melhor desenho do desenvolvimento profissional dos médicos, que é um tema muito importante e relevante.

Umas das apostas do grupo é na gestão de hospitais em regime de parceria público privada. Depois do que aconteceu com a parceria no hospital Amadora-Sintra, o grupo não receia que o Estado volte atrás em relação ao hospital de Braga?Acabamos de celebrar esta parceria e foi o caminho escolhido. Nós contamos que haja uma verdadeira parceria entre o estado e a José de Mello Saúde para concretizar este projecto que é muito ambicioso para o País. Temos condições de criar uma nova realidade e de em conjunto com o Estado melhorar os cuidados prestados às populações. No fundo penso que estamos no caminho certo. Mas também deixo claro que o nosso desenvolvimento nunca passou em exclusivo pelas PPP.

Que experiência retiraram do hospital Amadora-Sintra? Que é necessário uma colaboração estreita entre as autoridades de saúde e o parceiro privado e de alguma forma esse ensinamento que colhemos foi também o ensinamento que o Estado recolheu, penso que estamos a dar passos significativos.Um hospital é um edifício e uma instituição muito complexa e quem o faz são as pessoas, portanto é preciso incentivar as pessoas, é preciso criar uma cultura e uma dinâmica de projecto, criar maior eficiência na utilização dos recursos do hospital.

Como está a decorrer a construção do novo hospital de Braga? O projecto do hospital de Braga é um projecto de mudança significativo que iniciamos em Setembro. Estamos neste momento a construir o hospital, as obras estão a decorrer a bom ritmo e portanto pensamos transferir a actividade para o novo hospital em Maio de 2011. Neste momento estamos no hospital actual já a gerir, mas com vista a mudar toda a actividade em Maio do próximo ano.

Como foi possível reduzir os custos e que implicações teve isto no contrato com o Estado? Contamos com um novo edifício em que as pessoas tenham melhores condições de acesso ao hospital. E com as melhores condições queremos que as pessoas esperem menos, que hajam menos listas de espera e com isso ter maior produtividade e eficiência no aproveitamento dos custos. Estes são os pilares do projecto que temos pela frente.

Como está a ser feita transferência, vão ter de contratar mais profissionais, que custo terá essa mudança? Temos um contrato muito completo com o Estado, com a ARS Norte e em que estão tipificadas todas as medidas de acompanhamento e enfim não é uma resposta que lhe conseguir dar. Neste momento já contratamos mais de 100 novos colaboradores, pois foi preciso fazer ajustamentos à equipa e neste momento só posso lhe dizer isso.

Outro dos concursos que ganharam foi a construção e gestão do futuro hospital de Vila Franca de Xira. Em que ponto está a negociação com o Estado?Estamos numa fase de negociação. Não tenho previsões estamos a trabalhar afincadamente com a comissão de avaliação de propostas para que o projecto chegue ao seu término.

Negócio

Quais são as apostas de futuro do grupo?Nós temos um plano de investimentos importante e agressivo, depois destes investimentos em Portugal e em Espanha, o nosso objectivo é rentabilizar os investimentos que temos feito. Ou seja, temos aqui um momento em que vamos dirigir os investimentos que fizemos até a data.Temos em curso o hospital Cuf Porto e essa é a nossa prioridade para 2010. Este vai ser um hospital de grande dimensão com 150 camas, 8 salas de bloco operatório, cerca de 60 gabinetes de consulta. O processo terminará com abertura em pleno em Setembro.Temos também o projecto de transição do hospital de Braga até ao próximo ano.Vamos estar a consolidar os investimentos que fizemos e a permitir que os projectos cheguem à sua maturidade. Um hospital para chegar a sua maturidade demora sempre dois três anos e nós precisamos desse tempo para consolidar o nosso projecto.

É possível num futuro próximo manterem-se o mesmo número de “players” no sector da saúde privada. Poderá haver alguma concentração?Este sector não é diferente dos outros. Todos os sectores passam por fenómenos às vezes de concentração outras vezes de dispersão. São ciclos naturais de todos os sectores. O nosso caminho é de internacionalização e consolidação dos nossos projectos, temos muito trabalho pela frente e por enquanto não estamos a ponderar aquisições em Portugal.

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