Frente a frente: manter o atual modelo de pensões ou alterá-lo?
Paulo Pedroso, ex-ministro do Trabalho e da Solidariedade, e Miguel Teixeira Coelho, economista e professor universitário, num frente a frente sobre qual deve ser o modelo para o sistema de pensões. Deve manter-se o atual, ou alterá-lo?
A favor do atual modelo
A Segurança Social é e deve ser a gestão coletiva de riscos Paulo Pedroso
Ex-ministro do trabalho e da Solidariedade
O sistema de Segurança Social que emerge da Constituição tem sido respeitado até hoje pelos Governos, incluindo as maiorias absolutas do PSD e do PS e pelas oposições políticas.
O sistema, que tem sido recorrentemente calibrado, afirmou-se na sociedade portuguesa, merecendo grande aceitação dos trabalhadores e do país, em particular no domínio das pensões.
A seguir à Revolução os governos procuraram, com sucesso, melhorar o poder aquisitivo das pensões. Desde o início da década de noventa do século passado puseram em prática reformas paramétricas que garantiram o reforço da sua solidez financeira de longo prazo. Tal não impede que o sistema careça permanente de ser monitorizado para garantir a sua solidez. Em particular, importa manter regras de equidade na fixação de valor e de atualização das pensões no regime previdencial e garantir que as regras de fixação de valor e de atualização das pensões na proteção social de cidadania asseguram a proteção do risco de pobreza.
No debate sobre o futuro da Segurança Social há quem, propositada ou inadvertidamente, confunda o plano da solidez de longo prazo com a filosofia da gestão de riscos em matéria de previdência social.
Os vários sistemas que encontramos no mundo partem de duas técnicas para atingir o mesmo fim. Uns baseiam-se num contrato intergeracional em que os ativos de cada geração financiam os benefícios dos ativos da geração anterior. Outros baseiam-se na poupança e no retorno futuro do investimento dessa poupança.
Em Portugal, o regime previdencial baseia-se na combinação das duas, porque combina a redistribuição com a capitalização de reservas. O que não temos é a individualização do risco de reforma. No regime previdencial, se houver risco no sistema, ele será gerido coletivamente. São conhecidas e transparentes as regras de formação das pensões que definem os direitos das pessoas. A mudança de filosofia implicaria o fim da responsabilidade coletiva pelas pensões de reforma. No momento da conversão de poupança em pensão o risco do investimento recairia por completo no trabalhador.
A mudança de regime não é, de modo nenhum, uma necessidade técnica demonstrada. É um projeto político de mudança de modelo social.
O atual modelo carece, no entanto, de se manter sustentável, adaptando-se ao contexto em mudança.
De acordo com os estudos de sustentabilidade existentes, deve ser considerada a possibilidade de ser necessário obter recursos suplementares para a garantia do equilíbrio do regime previdencial. O debate sobre fontes de financiamento alternativas que redistribuam o esforço de financiamento de modo a tributar outros fatores que não trabalho, como, por exemplo, a tecnologia, tem de ser aprofundado. No contexto da automação, da inteligência artificial, em suma, da digitalização, não podemos continuar a olhar para o financiamento da proteção social como no tempo passado em que, pelos padrões de hoje, praticamente todas as empresas eram intensivas em trabalho.
As adaptações necessárias não podem, no entanto, ser ilusórias. O crescimento económico e a dinâmica do emprego foram, são e serão as bases da solidez financeira da Segurança Social de base ocupacional. Neste e em qualquer outro regime. É a economia que garante o emprego, como é a economia que permite conceber retorno do investimento feito com base na poupança. O resto é ideologia.
A favor de alterar o modelo
Proteção na velhice: entre o direito e a responsabilidade Miguel Teixeira Coelho
Doutorado em Economia e Professor
O sistema de proteção social português, especialmente no que respeita à proteção na velhice, tem sido alvo de intensos debates. De um lado, há quem o veja como uma das maiores conquistas da democracia; do outro, quem o considere insustentável e responsável pelos desequilíbrios económicos e sociais persistentes. Entre estes extremos, permanece a questão essencial: como garantir a sustentabilidade do sistema sem comprometer a sua eficácia e justiça?
A resposta não está na rutura, mas na evolução. O modelo atual, baseado em três pilares - sistema de proteção social de cidadania, sistema previdencial e sistema complementar - deve ser mantido, mas reformulado. A proposta que aqui se apresenta assenta num modelo híbrido, que conjuga responsabilidade individual e solidariedade coletiva, com o envolvimento do Estado, do setor social e do setor privado.
No sistema previdencial, propõem-se duas alterações. Por um lado, uma separação clara entre prestações imediatas (como o subsídio de desemprego) e prestações diferidas (como as pensões de velhice), de forma a assegurar uma gestão mais eficiente dos recursos. Por outro lado, e no que toca às pensões de velhice, o sistema previdencial passaria a incluir dois subsistemas obrigatórios: um público e outro privado.
O subsistema público manteria o regime de repartição, com contas individuais e com contribuições definidas e capitalizadas virtualmente, indexadas a uma taxa compósita que refletisse o crescimento económico e outros indicadores, a qual poderia diferir em função de escalões de rendimento, sendo o valor "capitalizado" convertido, total ou parcialmente, a partir de uma determinada data, numa pensão de velhice de acordo com as condições atuarias à data.
Já o subsistema privado funcionaria em regime de capitalização pura, com inscrição automática para trabalhadores de determinadas faixas etárias e salariais, e contribuições obrigatórias mínimas por parte de trabalhadores e empresas (numa fase inicial, por exemplo, uma contribuição obrigatória de 0,5% para os trabalhadores e 1% para as empresas).
O sistema complementar, por sua vez, deveria ser reforçado com incentivos fiscais mais eficazes e impondo a adoção de uma política de investimento em ativos mobiliários e imobiliários que privilegie a economia nacional, cabendo a gestão destes patrimónios a entidades públicas, mutualidades ou operadores privados, sujeitos a regras claras de transparência e supervisão.
Importa sublinhar que este modelo não ignora os mais vulneráveis. Ao Estado caberia um papel essencial na proteção dos idosos com baixos rendimentos, através de um Complemento Solidário para Idosos (CSI) melhorado, garantindo um nível de vida na velhice digno a todos os cidadãos.
O modelo proposto deverá ser implementado progressivamente, com um apoio político alargado, garantindo, simultaneamente, que os mais jovens voltem a acreditar no sistema e os mais velhos não vejam a suas expectativas defraudadas.
A reforma do sistema de proteção na velhice é urgente. A demografia, a economia e o mercado de trabalho mudaram profundamente, mas o nosso modelo continua ancorado em pressupostos do século passado.
A proteção na velhice em Portugal depende da nossa capacidade de construir um sistema justo, sustentável e adaptado aos desafios do presente e do futuro.
É tempo de agir com coragem e visão.
Mais lidas