Medidas extraordinárias: como se vai dos 0,1% do Governo aos 1,4% do PSD
O debate político alimenta-se de números e os números usados na política alimentam-se de… política. O INE divulgou esta sexta-feira o valor final do défice orçamental em 2016: 2,1%. Este é um facto que ninguém desmente. A partir daqui, é o salve-se quem puder.
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Triunfante, Mário Centeno afirmou que "superámos todas as metas. Sem recurso a medidas extraordinárias". Duarte Pacheco, da parte do PSD, desdenha: "a redução do défice foi alcançada através de medidas extraordinárias e não sustentadas".
Nas contas do deputado social-democrata, as medidas extraordinárias somam 1,4% do PIB. Sem elas, o défice teria escalado a uns poucos honrosos 3,5%. Centeno garante que as medidas extraordinárias, com "impacto não repetível", correspondem a 0,1% do PIB. Confuso? Não desista já, vamos pôr tudo em pratos limpos.
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Comecemos pelas contas do PSD. Duarte Pacheco repete aqui um raciocínio já feito antes pelo líder social-democrata Pedro Passos Coelho. O valor 1,4% do PIB resulta da soma de três parcelas: 0,53% em medidas extraordinárias; mais 0,63% do corte no investimento face a 2015; mais 0,25% das cativações de despesa.
O PSD força a nota quando invoca as duas últimas rubricas. O corte no investimento nunca foi considerado como uma medida extraordinária no longo, repetido e previsível debate que todos os anos existe em torno das medidas com efeitos orçamentais irrepetíveis que os governos usam para se aproximarem das suas metas orçamentais. Pode ser um corte censurável (que face ao orçamentado é de 0,52% do PIB) do ponto de vista político e económico, pelo efeito negativo que tem na economia – e de que de resto causa desconforto no seio da Geringonça. Mas poucos são os economistas que o vêem como uma medida extraordinária.
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Quanto às cativações de despesa, o PSD também inova ao classificá-las como medida extraordinária. Esta é uma rubrica inscrita em todos os orçamentos, a que os governos costumam deitar a mão. É preferível não usá-la, mas está lá por alguma razão.
E a primeira rubrica? Bom, aqui inserem-se medidas que são efectivamente temporárias: o famoso perdão fiscal; o programa de reavaliação de activos das empresas; a devolução de juros pagos em excesso ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira; a venda de F16 à Roménia; e o reembolso de impostos relativos ao ano anterior. São 0,69% do PIB.
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Vamos então à segunda parte da corrida. Como se passa de 0,69% para 0,1% do PIB? Tal como o Negócios antecipou no final de Janeiro, o Governo tem argumentado em Bruxelas que só uma pequena parte destas medidas é que deve considerada extraordinária. É que, alega a equipa das Finanças, algumas destas medidas, como é o caso do PERES e do programa de reavaliação de activos, terão efeitos ao longo de vários anos, pelo que só parcialmente devem ser contabilizadas como medidas extraordinárias em 2016.
E mais, o Governo alega ainda que há um valor de cerca de 500 milhões de euros relativo a reembolsos de vários impostos que não deve ser considerado como uma despesa, na medida em que se trata de um efeito orçamental único e irrepetível. Ou seja, trata-se de uma medida de extraordinária que afectou as contas e que deve ser abatida às outras medidas temporárias que beneficiaram o défice. E assim chegamos aos 0,1% de Centeno.
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Em conclusão, se os 0,88% do PIB, que resultam da soma do corte no investimento com a cativação da despesa são difíceis de encarar como medidas extraordinárias, também será pouco crível que Bruxelas compre a tese que Centeno lhe está a vender e a anunciar ao país. Assim, no final, o valor das receitas extraordinárias em 2016 assumidas por Bruxelas deverá situar-se no meio entre a previsão do PSD e a do Governo, seguramente mais próxima da segunda do que da primeira.
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