Como e com que fins pode ser arrestada a pensão de Ricardo Salgado

A pensão de Ricardo Salgado foi alvo de um arresto. A decisão, que pode ser contestada, tem limites: há uma parte da remuneração que nunca pode ser tocada pela justiça.
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Foto: Miguel Baltazar/Negócios Foto: Miguel Baltazar Ricardo Salgado
Diogo Cavaleiro 05 de Outubro de 2017 às 11:33

Ricardo Salgado tem a pensão à guarda da justiça. É uma medida preventiva, que pretende garantir que as verbas em causa acabem por vir para o Estado, em caso de condenação do antigo presidente do Banco Espírito Santo. Mas de que forma pode essa medida ser tomada? E o que está efectivamente em causa?

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"A medida foi decretada, nos termos do disposto nos artºs. 228º do Código do Processo Penal e 738º nº 3 do Código de Processo Civil, para os efeitos previstos no art.º 110º do Código Penal, tendo em vista a garantia de verbas que possam vir a ser declaradas perdidas a favor do Estado", indica a Procuradoria-Geral da República nas respostas dadas às questões sobre o tema, depois de ontem a TVI ter avançado com a notícia do arresto.

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O arresto

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O Código do Processo Penal prevê o arresto como uma medida de garantia patrimonial, que pode ser decidida por um juiz (como aconteceu neste caso, do Tribunal Central de Instrução Criminal), a pedido ou de um lesado ou do Ministério Público (foi este último que fez o pedido relativamente a Ricardo Salgado).

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Este despacho ainda pode ser contestado, ainda que não tenha efeito suspensivo – a pensão continuará arrestada. Isso já aconteceu no caso de outros bens penhorados também no âmbito do processo do Universo Espírito Santo, que investiga eventuais ilegalidades e irregularidades que conduziram as empresas do grupo e o Banco Espírito Santo à derrocada.

 

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LIVRO IV - Das medidas de coacção e de garantia patrimonial

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TÍTULO III - Das medidas de garantia patrimonial

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Artigo 228.º - Arresto preventivo

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       1 - Para garantia das quantias referidas no artigo anterior, a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil; se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial.

       2 - O arresto preventivo referido no número anterior pode ser decretado mesmo em relação a comerciante. 

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       3 - A oposição ao despacho que tiver decretado arresto não possui efeito suspensivo. 

       4 - Em caso de controvérsia sobre a propriedade dos bens arrestados, pode o juiz remeter a decisão para tribunal civil, mantendo-se entretanto o arresto decretado. 

       5 - O arresto é revogado a todo o tempo em que o arguido ou o civilmente responsável prestem a caução económica imposta.

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       6 - Decretado o arresto, é promovido o respetivo registo nos casos e nos termos previstos na legislação registal aplicável, promovendo-se o subsequente cancelamento do mesmo quando sobrevier a extinção da medida.

Os limites

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Só que o arresto preventivo tem limites, impostos pelo Código do Processo Civil: há bens que só são "parcialmente penhoráveis". Um dos exemplos é a pensão. Em regra, há dois terços do valor líquido recebido que não poderão ser mexidos. Só a restante parcela fica à guarda da justiça.

 

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No caso de Ricardo Salgado, a pensão bruta está em 39.162 euros, segundo o Correio da Manhã, pelo que em termos líquidos será diferente: seria esse montante a ser dividido por três, recebendo Salgado duas parcelas.

 

Só que a própria impenhorabilidade tem limites: o mínimo, que é o salário mínimo nacional (557 euros), o que quer dizer que quem receba apenas esse valor, não terá nenhum montante penhorado; e o máximo, de três salários mínimos nacionais (1.671 euros).

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No caso do Código do Processo Civil, na nota enviada, a PGR refere-se à alínea 3 do artigo, que é o que refere que os bens impenhoráveis correspondem a esses três salários mínimos a cada data. Ou seja, Ricardo Salgado teria arrestada toda a restante parte da pensão para lá dos 1.671 euros.

Contudo, estes números não são confirmados, até porque a pensão do ex-banqueiro (que é paga também através de um complemento de reforma) não foi divulgada publicamente, sendo apenas os valores noticiados pela comunicação social. 

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LIVRO IV - Do processo de execução

TÍTULO III - Da execução para pagamento de quantia certa

CAPÍTULO I - Do processo ordinário

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SECÇÃO III - Penhora

SUBSECÇÃO I - Bens que podem ser penhorados

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Artigo 738.º - Bens parcialmente penhoráveis

       1 - São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado. 

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       2 - Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios. 

       3 - A impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.  

      4 - O disposto nos números anteriores não se aplica quando o crédito exequendo for de alimentos, caso em que é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo. 

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       5 - Na penhora de dinheiro ou de saldo bancário, é impenhorável o valor global correspondente ao salário mínimo nacional ou, tratando-se de obrigação de alimentos, o previsto no número anterior. 

       6 - Ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu agregado familiar, pode o juiz, excecionalmente e a requerimento do executado, reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a um ano, isentá-los de penhora. 

       7 - Não são cumuláveis as impenhorabilidades previstas nos n.ºs 1 e 5.

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A finalidade

 

O Código Penal explica quais os fins da decisão: "perda de produtos e vantagens", nomeadamente a "favor do Estado". Essa possibilidade afecta as "vantagens" obtidas por "facto ilícito" seja directa seja indirectamente. Mesmo que as vantagens obtidas já não existam, o seu montante pode ser "substituído pelo pagamento ao Estado".

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A PGR não indica qual o facto ilícito que desencadeia a decisão, que é tomada no âmbito do dossiê Universo Espírito Santo, que investiga "suspeitas da prática de crimes burla qualificada, falsificação de documento, falsidade informática, fraude fiscal, infidelidade, abuso de confiança, branqueamento e corrupção no sector privado".

Neste processo, foram já inúmeros os arrestos de bens de ex-administradores do banco e do grupo. Nesse caso, a medida foi justificada como garantia para "impedir uma eventual dissipação de bens que ponha em causa, em caso de condenação, o pagamento de quaisquer quantias associadas à prática do crime, nomeadamente a indemnização de lesados ou a perda a favor do estado das vantagens obtidas com a actividade criminosa". 

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Salgado é arguido neste processo, mas também na Operação Marquês e no Monte Branco. 

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Perda de produtos ou vantagens

São declarados perdidos a favor do Estado: 

a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e 

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b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem. 

2 - O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem. 

3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado. 

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4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A. 

5 - O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz. 

6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.

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