Como os líderes viveram o dia em que o mundo mudou
Era hora de almoço em Portugal quando os aviões embateram nas Torres Gémeas em Nova Iorque naquele 11 de setembro de 2001. E, por isso, muitos dos líderes contactados pelo Negócios estavam em almoços. Outros em reuniões. Mas todos acabaram pregados às televisões e a absorver as notícias que iam sendo dadas. Os constrangimentos das viagens aéreas são uma recordação comum, mas 20 anos depois os líderes falam do medo que se passou a sentir. O mundo mudou mesmo naquela terça-feira.
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Andy Brown - CEO da Galp
Na altura, estava em Londres a transitar do cargo de conselheiro sénior da Shell para o Médio Oriente para uma nova responsabilidade enquanto assessor executivo do CEO. A Shell era então não só uma das maiores empresas do mundo como a maior investidora estrangeira na região.
Lembro-me de nesse dia estar a almoçar, precisamente com o responsável pelo Médio Oriente do Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico, quando fomos surpreendidos pela notícia.
Foi evidente pela sua reação que não tinha qualquer pré-aviso de uma potencial ameaça.
Como tantos outros, corremos em direção à televisão mais próxima. Ao início foi difícil compreender o que se estava a passar, as possíveis implicações para o mundo, para a empresa, e quais deveriam ser os próximos passos. Obviamente, foram de imediato desenvolvidos um conjunto de cenários tendo presente que um conjunto de ataques organizados poderia estar iminente em vários locais. Houve uma certeza imediata: o Shell Centre, que era na altura o maior edifício de Londres, um símbolo do poder corporativo e da influência ocidental no Médio Oriente, era seguramente um alvo potencial. A primeira decisão foi a de esvaziar o edifício, processo realizado em simultâneo com a constituição de uma equipa de crise que iria definir os próximos passos. A nossa resposta incluiu a abordagem perante o staff, com foco sobretudo em quem estava na região, os media e as interações com o gabinete sediado no número 10 de Downing Street, na altura liderado por Tony Blair, para abordar os nossos insights sobre o que poderia vir a acontecer no Médio Oriente.
Foi um momento em que foi difícil separar a realidade da ficção e onde a principal prioridade passou por retirar colaboradores e respetivos familiares de eventuais zonas de perigo.
O mundo ficou instantaneamente polarizado, particularmente em matérias de religião.
Tivemos na empresa a sensação de que todos precisávamos de estar unidos para superar o momento e em particular de apoiar os nossos colegas muçulmanos moderados no Médio Oriente. À medida que a tensão aumentava, com a resposta dos EUA, dava por mim a acordar a meio da noite para confirmar se tinha havido algum ataque durante a madrugada no Médio Oriente ou no Afeganistão para assegurar que as devidas medidas de segurança eram tomadas atempadamente.
Quando o ataque aconteceu, estávamos prontos para proteger as nossas pessoas.
Nuno Rangel - CEO da Rangel Logistics Solutions
Estava em casa e acompanhei tudo pela televisão em direto, eram os meus últimos dias de férias, antes de começar as aulas na universidade.
Claramente no 11 de setembro de 2001 houve um ponto de inflexão no mundo, mas as mudanças foram mais marcantes nos Estados Unidos da América. Podemos referir alguns grandes pontos: primeiro uma clara divisão entre o mundo ocidental e o mundo islâmico, uma suspeita constante e muitos comportamentos anti-islâmicos e o aumento da violência. Em segundo, surgiu a guerra contra o terrorismo, a invasão do Afeganistão, a luta contra al-Qaeda, que acabou com a morte de Osama Bin Laden e a invasão do Iraque, que levou a que o Presidente Saddam Hussein fosse destituído.
Foi um triste evento que alterou claramente a história destes países e do mundo, mas também para muitos americanos, que perderam familiares e amigos e milhares de militares que morreram ou voltaram com problemas físicos e psicológicos desta guerra. Por último, as viagens aéreas transformaram-se, com introdução de muitos protocolos de segurança nos aeroportos e nas companhias aéreas, tornando as viagens de avião antes do embarque mais morosas, listas de passageiros proibidos de voar, etc. Nos Estados Unidos da América, houve ainda mais impactos muito próprios, o reconhecimento de que tinham várias falhas de inteligência e segurança, que levou à criação do Departamento de Segurança Interna e a mudanças de política que incluíram uma maior restrição à imigração, assim como o aumento da vigilância sobre a sociedade, usando tecnologias avançadas para controlar as mesmas e a mobilidade das pessoas.
Em resumo, o que mudou e ficou ao fim destes 20 anos foi uma desconfiança e suspeita constante, principalmente por questões étnicas e religiosas, um aumento da segurança e da vigilância das pessoas.
Licínio Pina - Presidente do Grupo Crédito Agrícola
A 11 de setembro de 2001 lembro-me bem de estar em Lisboa. Fazia parte da administração eleita da Caixa Central e senti a agitação provocada pelos atentados e perplexidade sobre o acontecimento.
Ficou provado que não se está seguro em qualquer parte do mundo, e as reações das potências envolvidas criaram ondas de choque que afetaram a economia global, pondo em causa todos os fundamentos económicos que pareciam intocáveis, culminando na crise financeira iniciada em 2008 e que se prolongou até 2012, com verdadeiro tsunami no sistema bancário que obrigou ao repensar da sua regulação e atuação no mercado.
Carlos Martins - Chairman do Grupo Martifer
Estava em conselho de administração da Martifer, em Oliveira de Frades.
Naquele momento sentimos que o mundo seria diferente. A maior potência mundial mostrou as suas maiores fragilidades. Foi atacada no seu território por um bando de terroristas. Iria mostrar ao mundo que tudo faria para se manter como a grande potência económica e militar. A dúvida, à data, era saber quem apoiava estes terroristas.
Para a Martifer havia um grande conforto, que vinha da construção dos estádios para o Euro 2004.
Cristina Siza Vieira - Presidente executiva da AHP
Ao tempo, era diretora do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério da Defesa Nacional, e estava no meu gabinete. Portanto, é-me absolutamente impossível esquecer o local, o contexto e as ondas de choque e stress seguintes. Depois da queda da primeira torre do WTC, houve corridas nos corredores, bateram-me à porta, liguei a CNN e todo o departamento veio para o meu gabinete. Assistimos em direto ao impacto e colapso da segunda torre e ao que se seguiu.
A segurança tornou-se o foco central de atenção nos aeroportos e, portanto, o maior impacto foi sentido na aviação comercial. Foram introduzidos procedimentos muito apertados de controlo, com longas filas e verificação exaustiva de pessoas e bens que, além de retirarem qualquer glamour à viagem aérea, de início geraram tensão nos passageiros, funcionários, infraestruturas e logística. Entretanto, tais procedimentos e sistemas passaram de incómodos e inconvenientes para algo que entrou na rotina de todos os que usam o espaço aéreo.
E a perceção de segurança tornou-se parte da experiência (até positiva) da viagem.
Tal trouxe por arrasto mudanças em todos os stakeholders da indústria, embora não tão severas na hotelaria, genericamente (exceções no high-end e nas marcas internacionais).
Aliás o 11/9 deixou marcas, mas o que depois se seguiu, desde outros atentados terroristas; vagas migratórias e tráfico crescente de pessoas; guerras e mesmo a presente crise pandémica, tem vindo a justificar ainda mais medidas securitárias, algumas que a digitalização torna mais fácil e por isso mais banal.
O que por seu turno acarreta outras "ciberinseguranças". Mas esse é todo um outro tema…
Gonçalo Rebelo de Almeida - Administrador do Grupo Vila Galé
Estava a trabalhar no escritório em Lisboa. No imediato, provocou um receio e retração nas viagens e acabou por se traduzir num retrocesso na facilidade de circulação e acesso aos aeroportos.
O acesso ao transporte aéreo voltou a ficar mais complicado, mais burocrático e mais demorado, quando a tendência vinha no sentido de ficar mais fácil.
José Theotónio - Presidente executivo do Grupo Pestana
Estava a viajar entre o Funchal e Lisboa, para ter uma reunião sobre a reestruturação do Grupo Pestana num parceiro, quando a primeira torre foi atingida. A reunião foi pouco produtiva, alguém apareceu com uma televisão e passámos o resto da manhã e princípio da tarde a acompanhar pela TV o que se passou.
No curto prazo, o setor do turismo foi muito afetado, houve subsetores que praticamente pararam, por exemplo, cruzeiros, e outros que reduziram bastante a atividade pela redução muito significativa das viagens aéreas. Todos os destinos portugueses foram afetados. A Guerra do Golfo aumentou a incerteza e agravou a crise no setor. A recuperação só se iniciou a partir de 2005 e atingiu o pico em 2007.
Mas, por outro lado, o valor das novas unidades reduziu e muitos atores saíram do setor e foi nesta crise que o Grupo Pestana conseguiu planear e comprar o terreno do nosso hotel em Londres, o atual Pestana Chelsea Bridge. Em todas as crises surgem oportunidades.
António Ramalho - CEO do Novo Banco
Em 2001, era administrador do Santander Portugal e responsável pela gestão comercial do Crédito Predial Português. E em 11 de setembro tinha e tive reunião de coordenação de toda a equipa comercial em Leiria. Vi em direto a colisão da segunda torre quando tomava um café na estação de serviço de Loures a primeira da A8. Inesperado, impressionante e inesquecível. Nem me recordo do que tratámos na reunião de Leiria. A primeira instrução que recebi foi a proibição imediata de voar de avião.
Recordo, ainda assim, três pensamentos na altura (ou por essa altura). Primeiro, que estávamos perante um novo Pearl Harbor. Um ataque imprevisto a solo americano. Como era possível? Que consequências teria? Segundo, estávamos perante uma guerra ao avesso. Para mim, um ataque suicida era como uma guerra que começava pelo fim. Só recorrem a suicidas os países perto do fim, já em situação desesperada. Como era possível uma guerra iniciar-se pelo desespero. Terceiro, estávamos perante um desafio global que poria a globalização em xeque com a eventual diminuição da importância do USD americano.
Os meses que se seguiram mostraram afinal que os EUA são um país anormalmente preparado para todos os desafios. O início de um novo modelo de guerra, a preservação e até aceleração da globalização e a preservação do importância relativa do USD americano demonstra que o 11 de setembro teve uma resposta global, sem dúvida, mas coordenada pelos norte-americanos.
Foram tão eficazes que quase "nacionalizaram" a data, retirando-lhe importância global.
Seis meses depois eu já viajava descontraidamente de avião novamente.
Rui Miguel Nabeiro - Administrador do Grupo Nabeiro-Delta Cafés
A 11 de setembro de 2001, estava a almoçar no restaurante Sr. Peixe no Parque das Nações no momento em que o mundo conheceu um ponto sem volta na história mundial, um momento que marcou para sempre todos os que o testemunharam. Senti naquele momento uma enorme angústia pelo sofrimento que estava a testemunhar, uma grande frustração por nada poder fazer e inevitavelmente senti o medo que nos atingiu a todos ao ver aquelas imagens. Aquele momento mudou de muitas formas o nosso olhar sobre o mundo, o qual se tornou mais apreensivo, mais receoso. Como consequência, a segurança foi a área mais focada, novos mecanismos foram criados, outros tantos aperfeiçoados, na tentativa de prevenção.
Deu-se de imediato início a medidas de maior controlo e vigilância em fronteiras, portos e aeroportos, quando quatro voos domésticos nos Estados Unidos mudaram a forma como se voa no mundo inteiro. E é por isso que, para mim, uma das estruturais mudanças que nos trouxe esse momento foi, na nossa perceção, o entendimento de que o mundo é realmente global, foi um momento em que afetando um nos afetou a todos e que consequentemente nos aproximou e uniu enquanto nações. Porém, mais do que qualquer outra coisa, acredito que o 11 de setembro foi o dia em que a luta contra o terrorismo se afirmou como tema central do século.
Isabel Ucha - Presidente da Euronext Lisbon
No dia 11 de setembro de 2001 estava a trabalhar, mas tive de vir a casa à hora do almoço, e vi as imagens na televisão, que me deixaram em estado de choque. Inicialmente não conseguia acreditar como tinha sido possível que todos os sistemas de segurança da aviação civil tenham falhado, em particular da maior potência mundial - os EUA.
Depois, como tinham falhado também os sistemas de informação americanos e internacionais, na deteção de uma ameaça tão brutal.
Esta reação terá sido comum a muita gente, ao sentir que o mundo que se intitulava desenvolvido e avançado era, afinal, muito mais vulnerável do que se pensava. Desenvolveu-se um sentimento generalizado de insegurança, e uma necessidade amplamente partilhada de eliminar a ameaça.
Com o intuito de nos proteger e defender, nos anos seguintes e até hoje, têm-se mobilizado internacionalmente enormes volumes de recursos, em muitos países, e em muitas iniciativas, de que a intervenção internacional no Afeganistão, durante cerca de 20 anos, foi uma das ações mais visíveis.
Os acontecimentos de 11 de setembro desenvolveram um sentimento de repúdio e receio em relação ao mundo islâmico, quando tomámos "o todo pela parte", confundindo o islamismo em geral, com a ameaça de alguns grupos extremistas (que, aliás, têm surgido na história, em diversas outras culturas). Este efeito veio, de algum modo, fazer regredir a evolução de uma cultura de tolerância civilizacional, que não é apenas um valor humano importante, como uma condição de desenvolvimento e progresso da humanidade. Penso que, ainda hoje, as reações menos positivas que muitas vezes encontramos no acolhimento a refugiados que vêm de países islâmicos ou mesmo até de outras culturas foram marcadas pelos acontecimentos de 11 de setembro.
Neste sentido, parece-me importante que continuemos a lutar contra os extremismos, seja qual for a sua natureza, mas devemos também repor os valores da compreensão e tolerância civilizacional, mesmo em relação a valores e modos de vida que podemos ter alguma dificuldade em compreender. Será através dessa compreensão e diálogo que se adotarão valores humanos que todos reconheçam, e que darão suporte a um maior desenvolvimento económico e social.
Alexandre Fonseca - Presidente executivo da Altice Portugal
Duas décadas volvidas sobre o atentado que mudaria para sempre o século XXI, o 11 de setembro de 2001 continua na nossa memória coletiva. Como para muitos portugueses, este dia começou por ser uma terça-feira normal e terminou com o choque do maior ataque terrorista de sempre que vitimou três mil pessoas de oitenta nacionalidades.
Em 2001, trabalhava na Geotur onde era diretor de tecnologias de informação. No dia 11 de setembro, às 13h45, estava a almoçar num centro comercial em Aveiro onde me encontrava em trabalho.
Os ataques do 11 de setembro mudaram muito mais do que a paisagem de Nova Iorque. Mudaram o mundo e a conjuntura geopolítica global. Fizeram-nos refletir sobre a política, a segurança e a forma como vivemos em comunidade.
Evidenciando a vulnerabilidade da maior potência militar no mundo, no seu próprio território, estes atentados fizeram-nos também refletir sobre o terrorismo, as suas motivações e a inocência das suas vítimas.
E cada história de vida e de família que veio a público, sobre as vítimas destes ataques, fez-nos estar mais próximos dos nossos.
Mário Vaz - Presidente da Vodafone Portugal
A dimensão dramática deste atentado terrorista, as suas consequências do ponto de vista de perda de vidas humanas, de implicações geopolíticas e no sentimento de insegurança pessoal e coletiva que gerou, bem como as suas implicações, em particular no que diz respeito a deslocações aéreas, tornaram impossível apagar da memória pessoal a foto desse dia.
Nessa terça-feira fatídica para cerca de três mil pessoas, encontrava-me a trabalhar nas Torres de Lisboa, sede da Telecel, à data em fase de migração de marca e, por isso, a apresentar-se ao mercado como Telecel/Vodafone. Estávamos já próximos de efetuar a mudança para a nossa nova sede no Parque das Nações, o que aconteceu em 2002, e desempenhava à data funções de diretor da Unidade de Negócios Empresarial. Foi nessa função que me desloquei a uma das Torres para, juntamente com outros colegas, realizar uma reunião com António Carriço, na altura responsável pelo Netc, uma iniciativa pioneira da Telecel na área da Internet.
Por inerência das funções que exercia, o gabinete de António Carriço era dos poucos na Telecel que dispunham de uma televisão e a mesma estava ligada, embora sem som, enquanto decorria a reunião.
Foi com um ar incrédulo que um dos participantes da reunião se apercebeu das primeiras imagens do que se estava a passar. Naturalmente, a reunião foi interrompida e foi em profundo silêncio e choque que começámos a sentir ao tomar consciência do que se estava a passar. Toda a demais tarde, e mesmo depois a noite em casa, foi passada a acompanhar em permanência as notícias via TV - na altura o principal meio de acesso a notícias e, no que a este acontecimento diz respeito, muito impactante do ponto de vista do horror subjacente às repetidas imagens da queda das Torres e das ações desesperantes dos que procuravam sobreviventes.
A tudo isto juntava-se um sentimento de incredibilidade, de impotência e de grande dúvida sobre o dia seguinte.
Sobre o que mudou já muito se tem escrito, mas não posso deixar de relevar as implicações do ponto de vista individual nas normas de segurança, no transporte aéreo, ou mesmo em eventos/locais de risco; as implicações geopolíticas daí resultantes, em particular na intervenção militar norte-americana no Afeganistão e no Iraque; a assunção das fragilidades dos sistemas de segurança internos; a consciencialização coletiva do terrorismo como a principal ameaça para os países democráticos; a alteração radical do âmbito, métodos e secretismo da polémica vigilância das comunicações e de acesso aos dados dos utilizadores dos meios digitais de comunicação, desencadeando assim um ciclo de ciberguerra entre países, com atores de peso acrescido como a Rússia, a China, a Coreia do Norte e o Irão; as consequências ao nível do radicalismo religioso e político e do reforço dos movimentos nacionalistas e xenófobos. Em suma, muito do que hoje discutimos como riscos do sistema democrático foram, em parte, acelerados e/ou potenciados pelo dia 11 de setembro de 2001.
Passados 20 anos, o Afeganistão, país dos talibãs e berço da Al-Qaeda de Osama Bin Laden, volta a preencher os noticiários e a encher de dúvidas e preocupações os países democráticos. Estamos afinal em condições de dizer que a história não se irá repetir?
Gabriela Figueiredo Dias - Presidente da CMVM
Fui das pessoas que assistiram em direto na televisão e totalmente por acaso à queda da segunda torre com um profundo horror que ainda hoje não se diluiu.
Tinha estado no cimo daquela torre uns meses antes, numa viagem feliz a Nova Iorque, o que tornou o choque e a sensação de vulnerabilidade ainda mais intensos. Esse momento teve um impacto muito forte e permanente na minha visão do mundo e nos meus valores. Os atentados do 11 de setembro foram expoentes máximos de intolerância e profunda ignorância, do mal absoluto que é possível praticar em nome de (in)compreensões aberrantes do mundo transfiguradas de valores e da anulação da ética pessoal e individual em favor de fanatismos de grupo.
Uma ação terrorista reivindicada e imputada a uma organização extremista, mas que na realidade foi perpetrada por indivíduos e isso é algo que marcou de forma profunda a minha vida pessoal e profissional. Por um lado, a aversão à intolerância, à ausência de pensamento crítico, à substituição da solidariedade e da liberdade pelo ódio e a escravatura moral. Por outro, a convicção, como pessoa, como profissional e como líder, de que a criação de valor, a todos os títulos, em qualquer grupo - família ou organização - depende do desenvolvimento de cada um dos seus elementos para além do desenvolvimento do grupo, da sua diversidade, da promoção da tolerância e do valor supremo da liberdade individual.
Pedro Carvalho - CEO da Tranquilidade
Um retrocesso civilizacional com alcance ainda por determinar O 11 de setembro foi uma rutura radical, uma mudança na história que cristalizou algumas tensões de longa data na relação dos EUA (e do mundo ocidental) com o resto do mundo, particularmente na forma como pensamos sobre a imigração, diásporas e fundamentalismo religioso. Podemos falar de um revés na globalização e mais do que isso, um verdadeiro retrocesso civilizacional.
As alterações na política dos estados e na cultura dos povos foram muito marcantes e podem ser (demasiado) duradouras. Do lado da cultura realçaria o aumento da proeminência da religião a níveis nunca vistos no séc. XX em muitas partes do globo (incluso nos EUA de forma muito pronunciada) e à mistificação das crenças e práticas islâmicas com o consequente aumento do ódio e da discriminação.
Do ponto de vista da política externa - os ataques reduziram consideravelmente a tolerância dos Estados ao risco (vivemos num mundo mais "securitário") e um aumento considerável do nacionalismo. Em termos de política doméstica - em todo o mundo -, a imigração deixou de ser uma questão sobre migração, sobre quem somos enquanto país ou sobre a concorrência no mercado de trabalho. Passou a ser uma questão de segurança e isso mudou drasticamente a natureza da imigração.
O 11 de setembro e as "respostas" culturais e políticas que daí resultaram devem ajudar-nos a pensar noutras crises de nacionalidade e globalidade que enfrentamos hoje.
NY (Upper East Side)
António Portela - CEO da Bial
Lembro-me perfeitamente: estava a trabalhar na Roche, em Londres, e, de repente, começou a haver um burburinho no escritório - correu toda a gente para os televisores a ver o que estava a acontecer.
Na altura, o sentimento foi surreal - "O que é que está a acontecer?" Não parecia que era uma coisa real. Havia algum sentimento de pânico à minha volta - "O que é que vai acontecer agora?"
Acho que o que aquilo nos mostrou, e continua a mostrar ao longo destes 20 anos que passaram, é que realmente as intolerâncias geram este tipo de situações. Infelizmente, a resposta que tem sido dada, quer de um lado quer do outro - sendo que estas coisas são difíceis de avaliar -, tem sido sempre uma resposta bélica, que só gera mais violência.
Acho que isto desencadeou uma resposta bélica, e ao longo destes 20 anos nós acabamos por viver vários momentos de terrorismo, que era uma coisa muito localizada e que se tornou em algo muito mais global. Em vez de se procurar resolver as causas dos problemas, transformou-se isto num campo de batalha… que não tem tido fim.
Bruno Bobone - Presidente do Grupo Pinto Basto
Estava a trabalhar e tinha uma televisão no escritório que me permitiu acompanhar todos os acontecimentos. É um momento definitivamente marcante em que tomámos consciência do real impacto da globalização - em que um acontecimento tem repercussões por todo o mundo e afeta a vida das pessoas e a economia em diversos países. Por outro lado, passámos a viver muito mais dominados pelo medo, o que transformou por completo as relações entre Estados, empresas e pessoas.
Na Pinto Basto, estávamos a iniciar o nosso processo de internacionalização e, numa área como o comércio internacional, o 11 de setembro de 2001 acabou por ter um grande impacto no negócio, na medida em que o escrutínio dos processos e as necessidades de partilha de informação com as autoridades dos diversos países em que operamos passaram a ser maiores.
Nuno Pinto de Magalhães - Presidente do conselho de administração da Sociedade Central de Cervejas e Bebidas
No dia 11 de setembro de 2001, precisamente no momento do ataque às Torres Gémeas, transmitido em direto na TV, encontrava-me numa consulta médica, com um médico especialista que era, e é, um membro destacado da comunidade israelita em Portugal. Alertado pela sua assistente para o que se estava a passar, interrompemos a consulta, e assistimos atónitos a este tão dramático quanto imprevisível acontecimento.
Ainda ressoa no meu ouvido o seu comentário, "depois disto o mundo não voltará a ser o que era… e se alguém ainda tinha dúvidas de quem está do outro lado, agora certamente deixou de as ter ..."
De seguida confirmei na primeira pessoa, a forte ligação e solidariedade da comunidade israelita onde quer que ela esteja, através dos diversos telefonemas recebidos e efetuados de e para vários dos seus amigos, que comentavam vivamente este incidente e as suas possíveis consequências.
De facto, o mundo mudou a 11 de setembro de 2001 - na forma como passámos a perceber o enorme desafio que significa a defesa da cultura e valores do chamado mundo ocidental, incluindo os controlos necessários de segurança a todos os níveis, implementados a partir de então.
Mas é mais do que isso. Já não vivemos uma época em mudança, mas uma mudança de época, e isso pode ser constatado olhando outros acontecimentos mais recentes como a pandemia em 2020 e agora há dias a reconquista pelos talibã do Afeganistão, 20 dias após a saída das tropas americanas que ali estiveram 20 anos.
Ou seja, e ao contrário do que a sociedade em que vivíamos nos transmitia em termos de independência e domínio do mundo pelo Homem, é precisamente o contrário que se constata, que a qualquer momento pode acontecer uma variável exógena que muda todo o paradigma.
E isso imprime volatilidade, insegurança, incerteza, a qualquer equação, logo também a necessidade de passar a incluir essas mesmas variáveis no planeamento de qualquer projeto, e depois… confiar!
Gonçalo Moura Martins - CEO da Mota-Engil
No dia 11 de setembro de 2001, encontrava-me a participar numa reunião do conselho de administração de uma participada do grupo quando, ainda de forma muito incipiente e, numa primeira leva de notícias reportada como um acidente, a fatídica notícia dos atentados tomou completamente conta do espaço mediático.
Eu e os meus colegas, já tarde, procurámos um sítio para um late lunch em que o único requisito era ter televisão sintonizada na CNN.
O sentimento maior era de total incredulidade e, ao mesmo tempo, de vulnerabilidade. Nunca ninguém esteve preparado para viver ou experienciar um momento tão dramático como inesperado.
Com o passar das horas e a confirmação dos factos, os sentimentos e preocupação começaram a ser mais "terrenos" e, até, "egoístas": como vão reagir os mercados? Como se vai comportar o USD? Como vai ser viajar de avião de ora em diante?, etc.
Mas a recordação mais impressiva, vinte anos depois, é a da fragilidade das sociedades, é a de não haver mais redutos invioláveis, de perplexidade perante o ódio executado sob a intolerância religiosa, das diferenças cada vez mais irreconciliáveis entre sociedades e, mais dramático de tudo, é perceber que esta tragédia não foi uma lição para o mundo que a todos fizesse arrepiar caminho, mas outrossim a confirmação de uma clivagem, ainda sem solução, que tem condicionado fortemente a vida da geração que lhe sucedeu.
Vítor Domingues dos Santos - Presidente do Metro de Lisboa
Custa a acreditar que já se passaram 20 anos desde essa data.
Dificilmente nos esquecemos desse dia.
No meu caso, estava a preparar o fecho da documentação para a assinatura do Contrato da Concessão Rodoviário da Norte Litoral (A28-A29). Foi indescritível ver as imagens do ataque terrorista às Torres Gémeas em NY recordando-me de que a minha família tinha estado a visitar as Twin Towers alguns meses antes.
As imagens que todos guardamos na nossa memória serão inesquecíveis. Passou a haver um antes e um depois do bárbaro ataque.
Começámos a olhar para tudo e todos de maneira diferente. Certamente começámos todos a escrutinar melhor quem viajava connosco.
A ameaça terrorista passou a estar na agenda diária da nossa vida.
A sociedade, a economia, as relações entre povos, foram profundamente alterados moldando um mundo diferente.
António Trindade - Presidente do grupo PortoBay
Tinha acabado de chegar à Madeira na véspera, a 10 de setembro, de uma viagem de negócios à Alemanha. O meu primeiro sentimento ao ver as imagens e o decorrer desse fatídico dia foi de que, por sorte, tinha conseguido evitar todos os constrangimentos que passaram a afetar a navegação área a partir desse momento, nomeadamente a europeia.
Duas palavras passaram a ser dominantes no nosso quotidiano pessoal, empresarial e social: Segurança e Confiança. Se o primeiro setor mais afetado foi o da aviação, a verdade é que o mundo mudou e o comportamento humano passou a ter bem presente o que esperar de um relacionamento mais seguro, onde a confiança depositada nas pessoas e nas instituições desempenhou, e desempenha, um protagonismo fulcral. Mas algo mais profundo aconteceu com o 11 de setembro: a perceção mais nítida - e sentida pelo vulgar cidadão -, dos choques civilizacionais e dos desafios latentes na gestão dessas diferenças de multiculturalidade.
É à nossa sociedade ocidental, progressivamente envelhecida, que é deixado o repto de coexistência e da melhor convivência possível com outras culturas que, num tempo não muito distante, terão uma nova representatividade territorial. E o mundo do turismo não é diferente, quer numa lógica de cliente, quer numa perspetiva de investidores e recursos humanos.
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