Reféns da banca, pequenas empresas não crescem
Quase todas as empresas nacionais têm uma reduzida dimensão. Poucas arriscam crescer, nem têm os meios para isso. As que o fazem usam capital próprio ou da banca, com o mercado de capitais longe da equação. A cultura pesa, a economia portuguesa sofre.
Há várias explicações para a dificuldade de as empresas mais pequenas não passarem a ser médias e, depois, grandes. Faltam políticas públicas que induzam esse crescimento, seja pela via fiscal, seja pela redução expressiva da burocracia (com todos os custos que tem associada). Mas falta também, às empresas portuguesas, o músculo financeiro.
Portugal tem mais de 1,5 milhões de empresas. São muitas, em número, mas muito poucas têm dimensão. O tecido empresarial nacional é composto em 99% por pequenas e médias empresas (PME), uma categoria que, ainda assim, é demasiado lata para a realidade. É uma economia em que proliferam nano e microempresas, com resultados condizentes. As grandes empresas são uma miragem naquele que pode dizer-se que é um deserto em termos de campeões.
A dimensão das empresas é extremamente importante para a economia de um país. Tendencialmente, é reflexo desta, mas não tem obrigatoriamente de ser assim, sendo até desejável que não o seja. A dimensão reduzida tem implícita a menor competitividade dos negócios, o que acaba por se repercutir no crescimento (e no potencial) do PIB. E este é um problema sério para Portugal.
Há várias explicações para a dificuldade de as empresas mais pequenas não passarem a ser médias e, depois, grandes. Faltam políticas públicas que induzam esse crescimento, seja pela via fiscal, seja pela redução expressiva da burocracia (com todos os custos que tem associada). Mas falta também o músculo financeiro essencial para dar confiança aos agentes económicos para darem o passo em frente.
Nano ou microempresas podem até ser rentáveis, mas o que geram dificilmente permitirá que possam arriscar para fazerem crescer os seus negócios. Será complicado por via orgânica, mas quase impossível via aquisições. E são muitos os setores em que faria todo o sentido a que se assistisse à concentração de um conjunto imenso de empresas de pequena dimensão para se tornarem numa grande. Em regra, em Portugal, isso só acontece no âmbito de processos de reestruturação.
Não há dinheiro?
Os negócios geram capital. E há dinheiro nas empresas portuguesas. "A capacidade de autofinanciamento das empresas em Portugal voltou a recuperar em 2022, atingindo o valor mais alto desde 2010, após uma descida significativa em 2020", refere um estudo do Gabinete de Estratégia e Estudos (GEE) do Ministério da Economia, divulgado no início deste ano. Mas quem tem esse dinheiro? "As médias e grandes empresas em Portugal apresentam uma maior capacidade de se autofinanciarem face às pequenas empresas", acrescenta.
Usar o dinheiro que se tem para investir no crescimento revela a forma prudente de quem lidera estas empresas nesse processo. E mesmo quando a estratégia de risco zero é substituída por algum risco, o conservadorismo é por demais evidente. De onde vem o capital alheio? Tal como quando um qualquer cidadão compra casa própria, também os empresários batem à porta dos bancos, ficando à mercê do contexto. Houve períodos em que a torneira do crédito esteve fechada, agora está totalmente aberta. Mas a banca portuguesa é hoje menos representativa no mercado, além de que os seus braços internacionais são muito mais curtos.
"Em Portugal, a maior parte da dívida das empresas é constituída por empréstimos, que têm vindo a perder peso desde 2012", reflexo da maior dependência dos capitais próprios. "Os empréstimos às empresas aumentaram acentuadamente a partir de março de 2020, com as medidas de apoio ao financiamento de empresas na crise pandémica", diz o estudo assinado por Mariana Costa Santos, Rita Tavares da Silva e Teresa Rebelo, mas "entre fevereiro de 2023 e junho de 2024 verificou-se uma redução significativa: desde julho de 2024 retomaram taxas de crescimento positivas, embora muito baixas (0,4% em setembro de 2024)", notam.
Poucas ferramentas
A dívida bancária domina nos balancetes das empresas, com um peso mais ou menos expressivo nos custos financeiros consoante o ciclo da política monetária. É a maior "fatia" do financiamento alheio, mesmo não sendo, de todo, a única ferramenta que os empresários têm à disposição. Há outros tipos de dívida que pode ser contraída, nomeadamente através do mercado de capitais.
"Os títulos de dívida emitidos por sociedades não financeiras, uma fonte de financiamento alternativa ao crédito bancário, estão a aumentar desde dezembro de 2018, continuando globalmente a apresentar-se como alternativa de financiamento", de acordo com o estudo do GEE.
Nos últimos anos tem sido utilizado o financiamento através de dívida "verde", destinada a ajudar no processo de transição energética, com adesão crescente por parte de empresas que não têm qualquer outra ligação ao mercado. O mesmo movimento tem-se assistido no caso da dívida colocada junto de investidores de retalho, mas este é um instrumento que, à parte das SAD, só mesmo as grandes companhias têm utilizado.
E o mercado acionista? É demasiado complexo para a globalidade das empresas portuguesas. São muito poucas as que em vez de dívida, entregam capital para obterem os recursos necessários para fazerem face aos investimentos que procuram realizar com o objetivo de crescerem, seja cá dentro ou lá fora. O mercado acionista nacional conta com um reduzidíssimo número de cotadas, com pouco capital disperso (em muitos casos), num mercado com liquidez reduzida e fraca visibilidade.
Depois do "capitalismo popular" da década de 90 do século passado, quando entraram muitas empresas em bolsa, com a oferta de ações para serem compradas, entre outros, pelas poupanças amealhadas pelas famílias, só voltou a assistir-se a alguma "euforia" já na segunda metade da primeira década deste século. Empresas como a Galp Energia ou EDP Renováveis, são alguns dos últimos exemplos de entradas no mercado português que agora aguarda para perceber se o Novo Banco se juntará.
Lisboa não é Madrid, muito menos Londres. E está a anos-luz de Nova Iorque, assim como da realidade dos EUA no que ao mercado de capitais diz respeito. A realidade norte-americana, fruto de uma cultura enraizada, potencia o recurso ao mercado de capitais, sendo esta uma verdadeira fonte de financiamento tanto de negócios estabelecidos como de novas ideias. Muito próximo do capital de risco, o mercado acionista é o passo natural de praticamente todas as empresas que querem crescer.
Uma questão cultural
As regras substancialmente menos rigorosas do que as europeias ou portuguesas ajudam, em parte, a explicar o fenómeno dos mercados financeiros no financiamento às empresas norte-americanas. O histórico de histórias de sucesso, com empresas criadas em garagens que hoje são líderes globais, também aguça o apetite dos empresários pela bolsa.
É uma cultura muito diferente, que junta, por um lado, a lógica de empresários que querem ser CEO de grandes empresas, não se importando por isso de não ter a empresa toda na mão, com, por outro, a de quem investe, que aceita tranquilamente todo o risco inerente às ações. Por cá, o dinheiro está investido em grande parte em depósitos, no banco, e as "ações" do patrão estão em casa, a gerar para a família.
"O meu avô era patrão, o meu tio era empresário e eu sou gestor". A frase foi proferida por Carlos Mota Santos, CEO da Mota-Engil, que se assume como simplesmente um gestor de um património que procura fazer crescer através de uma estratégia com a qual os acionistas concordam. É uma questão de boa governança, um parente pobre em muitas das empresas portuguesas.
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