Por que caíram as vendas de têxteis para os EUA?
Os Estados Unidos foram o único dos dez principais mercados da indústria têxtil e vestuário portuguesa a registar uma redução homóloga (-7%) de vendas nos nove primeiros meses deste ano. Foram 15 milhões de euros a menos, para um total de 196 milhões de euros. Em termos percentuais, foi o terceiro com a maior quebra fora da Europa, a seguir a Angola – reduziu as compras a metade – e à China, onde a perda também chegou aos dois dígitos (10%).
PUB
Afinal, o que se passou neste que é o quinto maior mercado externo (e o melhor extra-comunitário) para este sector dito tradicional, que até aumentou em 6% as vendas totais ao exterior e que, face aos dados do INE relativos a Setembro, já tem a garantia de que irá superar a meta dos cinco mil milhões de euros exportados no final de 2016?
PUB
O director-geral da ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal começa por afastar qualquer ligação com a incerteza que pautou a campanha para as eleições americanas e acabou por resultar na eleição de Donald Trump. E por assinalar também que a quebra foi mais intensa no início do ano e "agora está mais mitigada". "Os 7% de quebra até são uma recuperação face a outros dados que tínhamos", completa Paulo Vaz.
PUB
O porta-voz dos industriais do têxtil e vestuário, que continuam a recuperar na criação de emprego e empregam actualmente mais de 130 mil pessoas, arranja duas justificações. A primeira tem a ver com a recuperação do euro face ao dólar, o que tornou mais caros os materiais têxteis, os lençóis ou as roupas portuguesas. É que o mercado dos EUA "é um dos mais sensíveis em relação ao preço, mesmo em produtos de valor acrescentado", recorda.
PUB
Tratando-se de uma comparação com os mesmos meses do ano passado, o valor da quebra reflecte também o período em 2015 em que houve um maior equilíbrio cambial. Este que é "um dos estímulos imediatos" para a competitividade, impulsionou as exportações do têxtil e da moda e permitiu "reconquistar" a maior economia do mundo.
PUB
PUB
Por outro lado, há uma justificação mais ligada com a gestão de expectativas. "Houve uma altura em que as exportações dispararam pela convicção de que se podia chegar rapidamente a um acordo [comercial da União Europeia] com os EUA, ainda no mandato de Obama. Então, muitas empresas começaram logo a comprar a Portugal para que, quando acontecesse a liberalização plena do comércio entre os dois blocos, já estarem com um pé nesse mercado".
PUB
"Eles pensaram: vamos começar a colocar um pé nos fornecedores europeus porque vamos ter vantagens. (…) Mas sabemos que, ao longo dos últimos meses, muito por culpa da Europa, esta situação esfriou-se. Os clientes americanos tanto trabalham numa lógica de longo prazo e estratégica, como rapidamente invertem essas estratégias quando as circunstâncias mudam", detalha Paulo Vaz. Mudaram e as compras ficaram congeladas.
PUB
PUB
As camisas e o têxtil-lar, por exemplo, pagam mais de 20% de direitos alfandegários nos EUA. Ou seja, se o Acordo de Parceria Transatlântica para o Comércio e Investimento, conhecido por TTIP, entrasse em vigor, à semelhança do que foi assinado em Outubro com o Canadá, de um momento para o outro esses produtos tornavam-se um quarto mais competitivos. Num mercado em que uma diferença de poucos cêntimos avança ou desfaz um negócio, é fácil de perceber a relevância dessa vantagem por ausência de direitos aduaneiros.
PUB
Sem receios do proteccionismo americano
O director-geral da principal associação de um sector que exporta directamente 85% da produção e acumula um superavit de mais de mil milhões de euros na balança comercial, é um dos que junta a sua voz ao coro de empresários e gestores que optam por desdramatizar os efeitos da eleição de Donald Trump, a 8 de Novembro.
PUB
"Não se devem fazer análises a quente. Há que aguardar os sinais e não ficarmos presos à retórica eleitoral porque a realidade é outra e vai impor-se. Os EUA são uma democracia sólida, antiga, com instituições fortes e bem definidas. Há que olhar para isto com alguma distância, serenidade e acreditar que as instituições se sobrepõem aos estilos pessoais", comenta.
PUB
Deste lado do Atlântico também não assustam os planos proteccionistas de taxar mais as importações e de reindustrializar os Estados Unidos, que, tal como rasgar os acordos comerciais, fazem parte das promessas do milionário que assumirá a Casa Branca em Janeiro de 2017. Paulo Vaz argumenta que "isso não se faz de um dia para o outro". "Montar uma indústria de raiz exige competências, não é só dinheiro e máquinas. Além disso, o mercado precisa de ser abastecido e, se [o produto] não vier de um lado, tem de vir do outro", conclui.
Saber mais sobre...
Saber mais Indústria têxtil vestuário exportações vendas Estados Unidos PME Paulo Vaz acordo comercial Donald Trump eleições proteccionismoMais lidas
O Negócios recomenda