Uso de "stablecoins" pode levar a resgates multimilionários, diz Nobel da Economia

A "falta de supervisão" e a "tentação" em indexar estas criptomoedas a ativos mais arriscados podem obrigar à intervenção dos governos com resgates multimilionários, segundo o professor Jean Tirole.
Jean Tirole venceu o Nobel da Economia em 2014 devido ao seu trabalho no campo da regulação.
Janerik Henriksson/AP Photo
Ricardo Jesus Silva 01 de Setembro de 2025 às 13:16

A euforia em torno dos criptoativos deixou as "stablecoins" (moedas virtuais indexadas a um ativo mais seguro) no centro do futuro dos pagamentos digitais. A capitalização de mercado de todas estas criptomoedas já se aproxima dos 300 milhões de dólares e as previsões mais otimistas apontam para que este mercado se torne multibilionário até ao final da década. No entanto, há quem não partilhe deste entusiasmo e veja mais riscos do que benefícios nesta nova possibilidade oferecida pela "blockchain". 

É o caso de Jean Tirole, Nobel da Economia de 2014. Em entrevista ao Financial Times, o professor da Toulouse School of Economics deixou avisos em relação à "falta de supervisão" destes ativos digitais, considerando que o seu uso desenfreado pode obrigar vários governos a intervir com resgates financeiros multimilionários, caso as "stablecoins" entrem em crise. Como a maioria das emissoras garante a liquidez destas moedas através de títulos de dívida soberana com "yields" relativamente baixas, pode existir a "tentação" de investir noutros ativos que "tenham retornos mais elevados e mais arriscados", explica. 

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Riscos mais elevados aumentam as probabilidades de um cenário em que o ativo de reserva de uma "stablecoin" perde o valor – e, consequentemente, a própria moeda digital. "Se for detida por particulares ou [investidores] institucionais que pensavam que era um depósito perfeitamente seguro, então o governo ficará sob muita pressão para resgatar os depositantes para que não percam o seu dinheiro", afirmou ainda, comparando os riscos inerentes a este tipo de criptomoedas com a segurança dos depósitos bancários. 

No entanto, Tirole considera que existem formas de continuar a apostar na "blockchain" sem pôr em causa a segurança dos depósitos dos investidores. Os reguladores mundiais teriam de ter "mão de obra suficiente" e ser "incentivados a serem bastante cuidadosos" - algo que não deve acontecer devido à ligação pessoal entre vários membros da Casa Branca com o setor dos criptoativos. "Alguns membros importantes da administração [de Donald Trump} têm interesses financeiros pessoais em [criptomoedas]. E, além desses interesses, ainda há a ideologia", esclarece. 

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Os EUA estão a liderar a corrida às "stablecoins". A aprovação do Genius Act, legislação que estabelece as "regras do jogo" para este tipo de ativos, deu credibilidade ao setor e levou bancos e outros países a seguirem as pisadas norte-americanas, numa altura em que se discute que motor vai ser utilizado para acelerar a chegada do futuro dos pagamentos. Até o Banco Central Europeu (BCE), bastante crítico das criptomoedas e que vê nas "stablecoins" uma autoestrada para a "dolorização" da economia global, estará a ponderar utilizar a "blockchain" para emitir o euro digital -

No entanto, os EUA não chegaram à frente desta corrida sem críticas e acusações de conflito de interesse. A indústria cripto gastou quantias avultadas de dinheiro nas presidenciais do ano passado para dar força às candidaturas mais próximas do setor e o . Na lista inclui-se a World Liberty Financial, que emite a 41.º "stablecoin" mais valiosa do mundo, a USD1. 

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