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Mais-valias: Mercado acusa Governo de quebra de compromisso

Os representantes do mercado acusam o Governo de incoerência, adiantando que as receitas captadas com o englobamento obrigatório são uma “migalha” face aos custos futuros que a medida vai causar.

Isabel Ucha
Isabel Ucha Miguel Baltazar/Negócios
15 de Outubro de 2021 às 07:00
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Os rendimentos mobiliários relativos a ativos detidos menos de um ano vão passar a ter englobamento obrigatório para rendimentos superiores a 75 mil euros, caso a proposta de Orçamento do Estado para 2022 seja aprovada. A medida, diz o Governo, deverá gerar uma receita adicional na casa dos 10 milhões de euros. Mas, mais do que o valor, importa, na opinião dos diversos agentes do mercado, olhar para o impacto futuro no investimento em bolsa. E esse, reforçam, será bem mais gravoso do que os 10 milhões que se podem ganhar. Além de afastar investidores das empresas portuguesas, os responsáveis acusam o Governo de quebrar o compromisso de dinamização do mercado assumido com a OCDE.

"O ministro das Finanças está a convidar os investidores nacionais, atuais e potenciais, a emigrarem essa poupança para mercados e empresas estrangeiras", realça Abel Sequeira Ferreira. Num comentário enviado ao Negócios a propósito da medida proposta pelo Executivo no OE para 2022, o editor executivo da Associação de Emitentes (AEM) ataca a medida, que diz ter "um fundamento puramente ideológico e falso, assentando numa referência a ‘rendimentos de capital especulativo’ que o Governo não explica".

Isabel Ucha, presidente da Euronext Lisbon, também aponta o dedo ao Executivo: "Esta é uma medida inconsistente com uma estratégia de captação da poupança nacional para o investimento em empresas portuguesas." Para Isabel Ucha, "este agravamento recai sobre potenciais investidores que, por terem rendimentos mais elevados, têm também maior capacidade de investimento". "Embora a medida possa ser apresentada como tendo um âmbito limitado, o facto é que o seu impacto reputacional é, porventura, muito mais elevado: o englobamento das mais-valias em investimento em valores mobiliários confronta os investidores com a incerteza fiscal, o que pode impactar negativamente as suas decisões, pois existe alguma complexidade nos detalhes da aplicação da medida anunciada", aponta ainda a líder da bolsa de Lisboa.

"Existirá certamente uma alteração comportamental dos investidores afetados, perante uma medida que gera incerteza quanto à taxa de imposto afinal aplicável, levando-os a desinvestir no mercado de capitais português e nas empresas portuguesas", concorda Abel Sequeira Ferreira.

João Pratas, presidente da Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Património (APFIPP), considera que "o desincentivo à canalização de poupança para investimento nos mercados financeiros, que esta medida acarreta, penaliza desde logo os aforradores que tenderão a procurar outras opções de investimento, com um potencial de retorno substancialmente inferior". Penaliza também as empresas, "limitando-lhes as fontes de financiamento, o que constitui um entrave ao seu crescimento". E, por fim, "penaliza o Estado porque a menor poupança e o menor crescimento económico empobrecem o país como um todo".

Do lado dos investidores, as duas associações de pequenos investidores, Maxyield e ATM, também não são meigas nas críticas ao Executivo. Para Carlos Rodrigues, presidente da Maxyield, com esta medida o principal perdedor é o sistema tributário português "que perde em matéria reputacional, incerteza fiscal e complexidade no processo de aplicação do IRS ao englobamento obrigatório das mais-valias com prazo inferior a um ano, no rendimento coletável do ultimo escalão, que passa para 75 mil euros". "Os sinais de aplicação da medida a outros escalões nos próximos anos são evidentes e óbvios."

Investidores, sociedades abertas, intermediários financeiros e os demais agentes do mercado seguem-se na lista de perdedores apontada pela associação de pequenos investidores.

Octávio Viana, presidente da associação de pequenos investidores ATM, concorda que a "proposta, como está configurada, não é oportuna e é contraproducente. Pelo menos devia haver um patamar [razoável] até ao qual os pequenos investidores ficassem isentos de tributação como forma de promover o capitalismo popular, assim como devia ser considerado o custo do capital [como acontece com as mais-valias imobiliárias – coeficiente de desvalorização]".

"Deveríamos estar a fazer tudo o que está ao nosso alcance para dinamizar o mercado de capitais mas, não só não se vislumbram quaisquer medidas concretas nesse âmbito, como pelo contrário surge uma medida como esta, de sinal inverso", refere João Pratas.

E acrescenta: "Com esta medida está a dar-se um sinal de desincentivo à poupança e, sobretudo, à sua canalização para o financiamento da economia, através do mercado de capitais." O líder da APFIPP nota que "ao aumentar-se a tributação do rendimento que podem auferir está-se, na realidade, a desincentivar a poupança e, mais preocupante, a canalização dessa poupança para o financiamento da economia, através dos mercados de capitais".

Paulo Câmara, sócio da Sérvulo & Associados, partilha a mesma ordem de pensamentos, referindo que, "num ciclo histórico em que importa lançar as bases para um crescimento económico e empresarial sustentado, é de lamentar que a proposta de OE deixe de lado o apoio ao mercado de capitais". Com as empresas portuguesas ainda muito focadas no financiamento bancário, o mercado de capitais é uma das alternativas para levantar capital. "O mercado estimula a diversificação de fontes de financiamento, promove o emprego, fomenta a inovação e, como se demonstra mais recentemente, também serve de instrumento de conversão económica em direção a padrões mais sustentáveis em termos ambientais e sociais. Este dado é consensual e deveria ser recordado previamente a cada projeto de fôlego de políticas públicas", explica.

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