Cortes de juros pela Fed alimentam “rally” do ouro e prata

Os metais preciosos em geral têm estado a ser impulsionados sobretudo pela expectativa de alívio da política monetária nos Estados Unidos.
Ouro prestes a marcar novos recordes.
Matthias Schrader / AP
Carla Pedro 03 de Setembro de 2025 às 07:00

Os metais preciosos têm vindo a ganhar mais terreno desde que o presidente do banco central norte-americano, Jerome Powell, sinalizou em Jackson Hole que estão criadas as condições para um “ajuste” nas taxas de juro, com o mercado à espera que o primeiro corte deste ano seja anunciado já no próximo dia 17.

A perspetiva de alívio da política monetária nos Estados Unidos teve como efeito imediato uma depreciação do dólar e uma diminuição dos juros das obrigações soberanas – o que reforçou especialmente o ouro, que está a valorizar há vários anos. Esta terça-feira, o metal amarelo atingiu um novo recorde de 3.508,73 dólares por onça. No acumulado do ano, ganha quase 40%.

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Tal como aconteceu com a prata, o preço do ouro mais do que duplicou nos últimos três anos, impulsionado sobretudo pelos crescentes riscos nas esferas da geopolítica, negócios e comércio global. E apesar de o mais recente impulso estar a ser dado sobretudo pela Fed, há mais fatores a ajudar a este movimento altista, como as tensões geopolíticas – com destaque para os ataques de Israel ao Hamas, na Faixa de Gaza, e para a ofensiva russa na Ucrânia –, que levam a que o ouro veja reforçado o seu estatuto de “valor-refúgio”.

E não só: a potencial bolha nas tecnológicas também tem o seu papel. “O catalisador imediato está na crescente convicção de que a Fed irá cortar os juros em setembro, por entre a constante pressão de Donald Trump. Isto enquanto os mercados acionistas em geral vão perdendo algum impulso, à medida que o entusiasmo pela inteligência artificial começa a revelar-se alarmante”, sublinha Samer Hasn, analista de mercado da XS.com. “Estas dinâmicas intensificaram a atratividade do ouro, numa altura em que os investidores se protegem contra as incertezas monetárias e bolsistas”, acrescenta o estratega na análise a que o Negócios teve acesso.

O catalisador imediato está na crescente convicção de que a Fed irá cortar os juros em setembro, por entre a constante pressão de Donald Trump. Samer Hasn, analista de mercado da XS.com

Estas premissas serão testadas esta semana, já que se esperam dados macroeconómicos importantes nos Estados Unidos: as vagas de emprego JOLTS, nesta quarta-feira, o emprego no setor privado – conhecido na quinta-feira – e os dados oficiais do emprego geral (excetuando o setor agrícola) na sexta-feira. “Um relatório laboral mais fraco poderá reforçar as expectativas de um corte dos juros da Fed – o que pressionará o dólar, que já está a negociar em mínimos de cinco semanas –, ao passo que dados mais robustos poderão moderar a convicção do mercado e pesar no ouro”, refere Samer Hasn.

Mas, por agora, a perspetiva que está a ganhar mais adeptos é a de que o banco central irá cortar a taxa dos fundos federais já neste mês, depois de as palavras de Powell terem animado o mercado. Segundo o Conselho Mundial do Ouro, este metal precioso tem revelado, historicamente, uma maior sensibilidade às expectativas de política monetária suscitadas pelo encontro de banqueiros centrais em Jackson Hole – e este ano não foi exceção.

Ainda no que toca à Fed, a decisão sem precedentes de Trump no sentido de demitir a governadora Lisa Cook e pressionar para que os seus próprios nomeados integrem o Conselho de Governadores da Fed pode vir a desestabilizar o processo de tomada de decisão do banco central. E a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, já alertou que qualquer erosão da independência da Fed seria “muito preocupante” – não só para os EUA mas também para a economia global, atendendo ao papel central do dólar.

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O estatuto do ouro como diversificador duradouro de um portefólio de longo prazo está a ser reforçado, numa altura de elevadas dívidas públicas, de inflação persistente e de riscos geopolíticos. Giovanni Staunovo, estratega de "commodities" do UBS

“A batalha jurídica e política pela vaga deixada por Cook levantou dúvidas quanto à capacidade de Powell de preservar o consenso dentro do Comité Federal do Mercado Aberto (FOMC), ampliando a incerteza já presente nos mercados monetários”, frisa Hasn.

Por outro lado, diz o mesmo estratega, as questões em torno da resiliência dos mercados acionistas intensificaram-se. E isto “devido ao facto de muitas ações norte-americanas do setor tecnológico estarem a ser negociadas em níveis extremos, com avaliações que até já superam a era das dot-com”. A concentração de investimentos numa “mão cheia” de tecnológicas catapultou o S&P 500 para novos máximos, mas também “deixou o índice mais vulnerável a mudanças de sentimento abruptas”, aponta o analista da XS.com.

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Os receios em torno da inteligência artificial acentuam essa vulnerabilidade, numa altura em que a sobreavaliação das ações do setor e as expectativas com fasquias muito elevadas poderão provocar um recuo do mercadoo que reforçaria o papel do ouro como cobertura contra a instabilidade financeira e como âncora num contexto de incerteza.

“O estatuto do ouro como diversificador duradouro de um portefólio de longo prazo está a ser reforçado, numa altura de elevadas dívidas públicas, de inflação persistente e de riscos geopolíticos”, aponta Giovanni Staunovo, estratega de "commodities" do UBS, num “research” a que o Negócios teve acesso. Por isso mesmo, o banco suíço reviu em alta as suas estimativas para o preço do ouro, tendo elevado o preço-alvo para 3.700 dólares no final do primeiro semestre de 2026, contra 3.500 dólares nas projeções anteriores.

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