Gonçalo Almeida Simões, diretor-geral da Biond
Pelas condições naturais que tem, Portugal está na linha da frente da bioeconomia europeia, mas precisa de estratégia e de mais intervenção do Estado, segundo Gonçalo Almeida Simões, diretor-geral da Biond - Associação das Bioindústrias de Base Florestal desde abril de 2023, que promove a 5.ª edição do Prémio Floresta é Sustentabilidade, em parceria com o Correio da Manhã e o Jornal de Negócios, que conta com o apoio da PwC.
“É fundamental um plano que estabeleça uma visão de longo prazo para o setor, promova incentivos à gestão sustentável e que reconheça a floresta como produtora de bens públicos, justificando o investimento público direto”, defende Gonçalo Almeida Simões.
Qual tem sido a capacidade de inovação da floresta, das bioindústrias de base florestal para a economia portuguesa, e em que produtos se consubstancia?
A floresta portuguesa e as bioindústrias de base florestal demonstram uma elevada capacidade de inovação, consolidando-se como um setor estratégico para a economia nacional. Este dinamismo é visível no desenvolvimento de produtos de elevado valor acrescentado, tais como novas embalagens biodegradáveis, alinhadas com a economia circular e a redução do plástico; fibras têxteis de base celulósica, como alternativa sustentável às fibras sintéticas; e bioenergia, que contribui para a transição energética.
Essa transformação põe Portugal na linha da frente da bioeconomia europeia, com forte impacto em exportações, criação de emprego e coesão territorial. Só em 2023, o setor da pasta, papel e cartão exportou 3.101 milhões de euros, um valor 2,13 vezes superior às importações (1.455 milhões de euros), garantindo um saldo comercial positivo e ajudando a reduzir o défice da balança de bens do país.
Além do peso económico, esta fileira tem uma relevância social e territorial profunda, especialmente nas zonas rurais e do interior, onde é responsável por transferir anualmente cerca de 325 milhões de euros para a economia local, contribuindo para a fixação de população, emprego qualificado e desenvolvimento regional.
Em resumo, as bioindústrias florestais portuguesas representam um exemplo de inovação sustentável, que alia valor económico, responsabilidade ambiental e impacto social, reforçando o seu papel como bioindústrias de futuro.
Quais são os principais desafios para as florestas e as indústrias de base florestal?
Os principais desafios enfrentados pelas florestas e pelas indústrias de base florestal em Portugal incluem a falta de matéria-prima, que é uma situação paradoxal num país que tem condições edafoclimáticas - do solo e do clima, que influenciam o desenvolvimento e a distribuição dos seres vivos, especialmente da vegetação - e uma indústria de excelência, mas a política florestal portuguesa não viabiliza o aproveitamento do potencial existente (proibição de plantação, obstáculos administrativos na rearborização, etc.).
Temos ainda a escassez de gestão ativa com muitas áreas florestais abandonadas, que aumentam a vulnerabilidade ao fogo e reduzem o seu potencial produtivo; a fragmentação da propriedade florestal, dificultando a gestão coordenada e eficiente dos recursos; o risco elevado de incêndios, que tem impacto direto na rentabilidade e sustentabilidade das florestas; as alterações climáticas com fenómenos como secas e aumento da temperatura, que tornam os ecossistemas mais frágeis; a falta de mão de obra qualificada e dificuldade de atrair investimento, dois fatores que limitam o desenvolvimento e a modernização do setor.
Como é que o setor tem respondido a estes desafios?
Para responder a esses desafios, o setor tem apostado numa estratégia integrada de gestão florestal, assente em dados científicos e em tecnologia de ponta.
As florestas intervencionadas, por exemplo, demonstram ser até quatro vezes mais resistentes ao fogo do que as não geridas. Neste contexto, as políticas públicas, como o Plano de Intervenção para a Floresta 2025-2050, são fundamentais. O êxito dessas políticas depende de uma execução eficaz dos acordos de fileira, da coordenação entre os diferentes níveis de governação e de uma articulação real com os atores do território. Sem essa convergência, será difícil transformar o potencial florestal português num motor de desenvolvimento sustentável.
Modelo de economia circular
O que deveria ser feito para melhorar a rentabilidade da produção florestal, mas com equilíbrio?
Para melhorar a rentabilidade da produção florestal em Portugal, mantendo o equilíbrio ambiental, é fundamental adotar uma abordagem integrada que promova a gestão sustentável das florestas. Isso inclui a adoção de políticas públicas eficazes. O Estado deve assumir um papel mais ativo na criação de incentivos para a gestão florestal, combatendo o abandono e promovendo o valor económico sustentável da floresta, pois é isso que incentiva os produtores florestais. Isso passa por rever a legislação que limita novas plantações de determinadas espécies, como o eucalipto, e que dificulta em muito a sua rearborização, mesmo que feita de uma forma sustentável e segundo as melhores práticas internacionais.
E que outras medidas podem ser tomadas?
Gestão ativa e sustentável dos recursos: a floresta portuguesa, que ocupa 36% do território nacional, precisa de ser gerida de forma responsável, com intervenções como limpeza, adubação, correção de densidades e reflorestamento. Estas práticas aumentam a produtividade e reduzem os riscos de incêndios.
Valorização da floresta como ativo estratégico: é necessário consciencializar os proprietários e decisores políticos de que a floresta pode ser simultaneamente uma fonte de rendimento, um fator de equilíbrio ambiental e um instrumento de justiça social.
Parcerias público-privadas: a sinergia entre o setor público e privado é essencial. Exemplos como o da Biond, que já beneficiou quase 100.000 hectares e 10.000 produtores, por via dos seus programas operacionais, devem ser replicados com grande escala em todo o país com apoios públicos.
Qual é o potencial do modelo de economia circular e qual o impacto da cadeia de valor florestal?
O modelo de economia circular é transformador. Permite reduzir o desperdício, maximizar a utilização de recursos e promover ciclos de vida mais longos para os produtos.
As bioindústrias florestais são exemplos concretos desta transição, ao valorizarem todos os subprodutos do processo industrial, dando-lhes novos aproveitamentos na sua cadeia de produção ou permitindo que outras indústrias o façam.
A cadeia de valor florestal gera emprego em zonas rurais, contribui para o sequestro de carbono, promove biodiversidade e reduz a dependência de matérias-primas fósseis, tornando-se um motor sustentável para o desenvolvimento do país.