A banca cooperativa continua a ter uma posição de destaque na Europa. Os números não deixam margem para dúvidas. A Associação Europeia de Bancos Cooperativos representa 2.400 bancos locais, tem 90 milhões de associados e atende 227 milhões de clientes em mais de 36 mil agências e pontos de atendimento. Em países como França, o setor mantém uma quota de mercado na ordem dos 60%. Em Portugal não vai a tanto, mas como confirma o CEO do Crédito Agrícola, a instituição tem de longe a maior rede bancária do país. São 615 agências no total e em 250 localidades é o único banco.
Esta é uma rede que só é possível manter com um “posicionamento distinto” e uma “missão mais do que financeira”, que passa pela “responsabilidade social em prol das comunidades, regiões e das famílias, que não teriam esse apoio sem a nossa presença”, destacou Sérgio Raposo Frade, no debate “O papel que a banca cooperativa pode desempenhar no futuro da economia global”, integrado no no Congresso Internacional do Cooperativismo, uma iniciativa organizada pelo Crédito Agrícola e pela Confagri, e que contou com o Jornal de Negócios e o canal Now como media partners.
Quotas crescem mas encargos da proximidade são altos
Juntos no mesmo debate, os responsáveis das duas instituições mais representativas da banca cooperativa na Península Ibérica, Bernabé Sánchez-Minguet Martínez do lado da Cajamar em Espanha, reconheceram que a proximidade das populações abre a porta para novos projetos e a falta de concorrência em muitas regiões acelera o crescimento da quota de mercado. Mas, também concordam que a resiliência e a capacidade de acomodar no todo operações com indicadores financeiros menos positivos, são a base para manter uma rede com estas características.
É um papel que a banca comercial deixou de desempenhar, como observou no mesmo painel João Duque, presidente do ISEG. “O Crédito Agrícola passou a ser uma das únicas três instituições presentes em muitas pequenas localidades: há o Estado, a igreja e o CA”, num país onde se tem aceitado “retirar a presença física destas instituições a populações envelhecidas e pouco habilitadas para usar o digital”. E os impactos, admitiu o economista, podem ir além daqueles que habitualmente se referem. “O Estado ao permitir que haja um apagão de instituições financeiras vai dar espaço para que outros o ocupem, que vão entrar na casa das pessoas através de meios digitais e que vivem e andam por aí mesmo sendo fraudulentos”. A referência foi para empresas de crédito, com práticas menos reguladas e em muitos casos menos transparentes.
A concorrência do digital, também foi admitido pelos responsáveis do Crédito Agrícola e da Cajamar é um desafio adicional ao modelo de proximidade, para além daqueles que a apertada regulação da banca já impõe ao setor sem distinguir as suas particularidades.
É uma área onde a banca cooperativa também tem de estar, como admitiu Bernabé Sánchez-Minguet Martínez, chairman do Banco de Crédito Cooperativo do grupo Cajamar, e onde deve estar com produtos exclusivamente digitais.
Desmaterializar, sim mas…
A Cajamar já tem estas ofertas e 2,6 milhões de clientes digitais. O CA tem feito o mesmo caminho com alguns serviços também exclusivamente digitais, como a aplicação Moey que tem tido boa adesão, confirmou Sérgio Raposo Frade, mas esta aposta não pode comprometer a vertente de proximidade que distingue a banca cooperativa. Deve é ser complementada com outros esforços. Isso faz-se, defendeu Bernabé Martinez, com mais gente jovem no atendimento, a “falar a mesma língua” que os clientes, uma tarefa que também tem a sua complexidade, porque exige boas estratégias para atrair talento.
Na visão dos responsáveis das maiores instituições financeiras cooperativas de Portugal e de Espanha, estas questões não abalam, no entanto, o espaço da banca cooperativa para continuar a crescer. João Duque defendeu a mesma visão. “Há espaço para diferentes instituições estarem no mesmo mercado e oferecerem serviços aos mesmos clientes. Mesmo que o caminho da banca comercial seja a consolidação, o modelo de proximidade tende a prevalecer”.
O economista e presidente do ISEG defendeu que “a banca cooperativa não se distingue pelo produto, mas por princípios e valores e os mais novos estão hoje muito orientados para conhecer e tomar decisões em função desse tipo de critérios”.