A grande ameaça ao modelo de proximidade da banca cooperativa reside mais na desertificação dos territórios do que na concorrência. A maior oportunidade, do ponto de vista do negócio com empresas, também está nesse contexto: na promoção de condições que os poderes públicos muitas vezes não asseguram, mas que são essenciais para que os negócios rurais prosperem.
Esta ideia esteve no centro do debate “O cooperativismo e a responsabilidade social - inclusão financeira e proximidade”, integrado no Congresso Internacional do Cooperativismo, uma iniciativa organizada pelo Crédito Agrícola e pela Confagri, com o Jornal de Negócios e o canal Now como media partners. Eduardo Baamonde, presidente da Cajamar Caja Rural, apresentou a receita espanhola para manter forte a presença do grupo no país vizinho. A instituição nasceu “como um instrumento. O propósito não é a distribuição de lucros pelos acionistas”, frisou, e é seguindo essa linha que vai manter a vantagem face à concorrência, tirando partido do conhecimento que lhe dá uma rede de proximidade que outros não têm.
“Eficiência é a chave para compatibilizar capilaridade e receitas, mas temos de estar conscientes que nunca vamos ser tão eficientes como os outros”, reconheceu o responsável. “Também não vamos conseguir ter preços mais baratos, mas podemos ter serviços melhores e serviços sempre úteis, em função da necessidade dos clientes que servimos”.
E os clientes, nas regiões onde as caixas agrícolas mantêm uma presença mais forte, continuam a ser em grande medida os agricultores. No ano passado, os projetos agrícolas representaram cerca de 30% da carteira de crédito das caixas agrícolas dos dois lados da fronteira.
Desafio demográfico exige medidas
O maior desafio para servir este mercado “é o demográfico”, reconheceu Licínio Pina, presidente do Conselho Superior da Caixa Central de Crédito Agrícola. “As pessoas que vêm estudar para o litoral raramente voltam às origens. Não tenho receio nenhum dos digitais entrantes, mas tenho receio que não existam políticas de coesão”, acrescentou.
A situação agrava-se com a falta de decisões políticas para concretizar reformas estruturais. “Temos um problema de falta de ação e de ambição”, frisou Álvaro Beleza no mesmo debate. “Estuda-se, debate-se, mas há pouca terapêutica”. Isso é patente no tema da gestão da água e da sua distribuição para todo o território, exemplificou o presidente da SEDES - Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, e num conjunto de outros projetos determinantes para o país ganhar escala, “competir num mundo global e salvar o mais pequeno”.
O cooperativismo e associativismo têm ajudado a colmatar lacunas. No caso da banca, um dos caminhos tem passado por promover a transferência de conhecimento e a inovação. Em Portugal, o Crédito Agrícola conta com a parceria da Confagri para este tipo de serviços técnicos, como explicou Licínio Pina, para além de financiar projetos de inovação em várias áreas.
Em Espanha, a Cajamar abraça diretamente essa vertente e recentemente criou uma incubadora de alta tecnologia para promover start-ups com tecnologias para gestão da água.
“Isto não se faz para ganhar dinheiro, faz-se para ser fiel ao propósito e estratégia que nos fez nascer há 60 anos e por vezes acaba por conduzir a benefícios”, defendeu Eduardo Baamonde. “Parece fácil de explicar, não é tão fácil de implementar e implica ter 6.000 colaboradores completamente alinhadas com este objetivo”.
Coesão territorial esquecida
“As novas tecnologias asseguram as ferramentas que precisamos para levar pessoas de volta ao interior e a agricultura vai continuar a ser determinante para a soberania alimentar”. Também já é claro que “ter dois ou três grandes centros urbanos não chega” para assegurar aquilo que um país precisa. É preciso garantir a coesão territorial que a constituição preconiza e que nunca foi alcançada, defendeu Álvaro Beleza, presidente da SEDES.
Fusões entre caixas de Crédito Agrícola vão continuar
A regulação crescente no sector bancário tem imposto regras e requisitos que vão empurrando as cooperativas de crédito para processos de fusão que vão continuar, admitiu Licínio Pina. “Já houve 220 Caixas, hoje há 67, mas há mais seis em andamento para fusão. Chegaremos em breve às 60, mas acredito que seria importante baixar ainda mais, porque é tão importante servir objetivos, como conseguir cumprir exigências regulatórias. Há um conjunto de funções que são indispensáveis para uma instituição hoje funcionar como deve ser”. O responsável admite que estes são processos que contam normalmente com a resistência dos associados, pelos receios de perderem acesso a serviços locais e desmistifica, sublinhando que as fusões não implicam necessariamente encerramentos e diminuição de empregos, mas garantem estruturas mais fortes e mais preparadas.
Os dados estão a ser compilados para atualizar o estudo “A Banca Cooperativa e o Desenvolvimento Regional e Local”. O trabalho tinha dado origem a um livro publicado em 2023. Um dos autores, Paulo Bento, vice-reitor da Universidade Aberta, apresentou as primeiras conclusões da atualização à pesquisa que numa primeira versão analisou esta realidade entre 2015 e 2020.