O impacto dos licenciados em ciências agrárias na agricultura
Maria do Céu Costa Godinho defende uma revolução no ensino superior agrário com menos transmissão de informação e aposta mais na inspiração e na curiosidade dos alunos para que tenham impacto.
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“Cada vez menos a nossa atividade e o nosso papel dentro da sala de aula é transmitir informação. A informação está hoje disponível de uma forma quase assustadora, no sentido da facilidade com que lhe conseguimos aceder”, explica Maria do Céu Costa Godinho, professora adjunta da Escola Superior Agrária de Santarém, onde leciona há três décadas, no segundo episódio do podcast “Agricultura do Feminino”, uma iniciativa integrada na 14.ª edição do Prémio Nacional de Agricultura, promovido pelo BPI, Jornal de Negócios e Correio da Manhã, com os apoios do Ministério da Agricultura e do Mar e da PwC. Reconhece que os desafios são diários. “Esta geração tem uma dificuldade enorme de estar atenta durante um período longo a um discurso oral, seja ele qual for, e com os suportes pedagógicos que temos. É difícil, porque os estímulos são muitos”, admite. Defende que é necessário “aguçar a criatividade e a curiosidade, muito mais do que passar informação”.
Maria do Céu Costa Godinho recorda um episódio recente que ilustra bem esta problemática. “Esta semana tive um convidado na escola a dar uma palestra, muito bom orador, e quando saímos os estudantes estavam encantados com aquela oratória e a certa altura dizia um dos estudantes: há muito tempo que não estou uma hora e meia com tanta atenção.”
Na sua opinião, o ensino que se ministra hoje nada tem a ver com o que recebeu. “Há 30 anos que fiz a minha formação e nunca tive aulas como damos aulas. A forma como ministramos duas horas ou três horas de um período de aula integrado numa unidade curricular mudou muitíssimo.” Atribui essa mudança ao Processo de Bolonha, que “colocou o estudante no centro, ou seja, passou a ser o centro do processo ensino-aprendizagem, o estudante é dono da sua aprendizagem.”
Projetos reais, impacto real
Para Maria do Céu Costa Godinho, o ensino superior agrário só faz sentido quando articulado com projetos de experimentação e resolução de problemas reais. “A agronomia é uma engenharia, e estamos a construir um edifício de conhecimento para podermos ser capazes de resolver problemas no mundo. Quanto mais cedo começarmos essa abordagem com os estudantes, porventura melhor ficarão eles formados para essa forma de abordar a atividade profissional”, reflete.
A integração de estudantes em projetos com a comunidade é essencial. “Os estudantes entram num processo real, real cases, em que fazem o seu trabalho em algo que está a acontecer no momento. Identificar os problemas, construir os mind maps de soluções, e irmos por um caminho que escolhemos, que achamos que é o melhor, em equipa, e depois fazerem os seus trabalhos”, afirma Maria do Céu Costa Godinho.
Sobre a redução de colocações nas ciências agrárias, que representam cerca de 5% do ensino superior português, Maria do Céu Costa Godinho prefere não dramatizar. “Entraram poucos, saíram alguns. E esses alguns, que impacto é que vão ter? Não só naquilo que vai ser a sua atividade profissional, mas também naquilo que vai ser a sua função, muitas vezes relacionada com o setor, porque são filhos de empresários agrícolas, que necessitam urgentemente de introduzir tecnologia, de novidade, conhecimento.” Para a professora da Escola Agrária de Santarém, o debate deveria centrar-se mais no impacto dos profissionais formados do que nos números de entrada.
Maria do Céu Costa Godinho sublinha ainda que a informação sobre as colocações é muitas vezes incompleta: “Não entram pela via do concurso nacional de acesso. Mas depois temos muitas outras vias de acesso ao ensino superior e se formos agora ver o número de pessoas que estão nas turmas de agronomia nas várias instituições, garanto-lhe que não é zero.”
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