
Área intervencionada em Alfândega da Fé pelo projeto GreenValue, com plantação de sobreiro, azinheira e pinheiro-bravo para regeneração de solos empobrecidos.
No concelho de Alfândega da Fé, no nordeste transmontano, o restauro ecológico de cerca de 60 hectares está a demonstrar que é possível devolver vida a zonas empobrecidas e ameaçadas pela desertificação com base em soluções circulares e colaborativas. O projeto chama-se GreenValue - Valorização da Geração de Recursos em Espaço Natural, é promovido pela Águas do Norte e foi distinguido com o Prémio Nacional de Inovação 2025, no segmento Negócio, na subcategoria Agricultura, Alimentação e Bebidas. A abordagem do projeto assenta na valorização de subprodutos como as lamas de ETAR e as águas residuais tratadas, aplicados como recurso para o enriquecimento dos solos, em vez de serem encarados como resíduos a descartar. A proposta é clara: intervir em territórios vulneráveis com base em metodologias técnicas validadas, apostando numa articulação estreita entre ciência, sustentabilidade e inovação ambiental. “A ideia surgiu da necessidade de encontrar soluções no âmbito da economia circular e ambientalmente sustentáveis para a valorização de subprodutos ricos em matéria orgânica e nutrientes”, afirma Paula Vale Fernandes, técnica superior de Tecnologias de Informação e Inovação - Investigação, Desenvolvimento e Inovação da Águas do Norte.
Desde o início, o GreenValue incorporou diferentes formas de valorização de subprodutos: valorização direta, compostagem convencional e vermicompostagem.
Circularidade e valorizaçãoambiental
As metodologias foram aplicadas em função das características específicas das áreas selecionadas, com o objetivo de promover a regeneração do solo e restaurar ecossistemas. “Aliando o conhecimento técnico com uma visão ambiental de futuro, quisemos demonstrar que é possível regenerar ecossistemas e potenciar o valor destes subprodutos, promovendo simultaneamente a economia circular”, sublinha Paula Vale Fernandes. Com essa visão, o projeto identificou zonas particularmente expostas à desertificação, numa lógica de intervenção territorial alinhada com critérios edafoclimáticos.
O concelho de Alfândega da Fé revelou-se o território prioritário para o ensaio e implementação da estratégia. “Foi possível identificar Alfândega da Fé como território prioritário devido às suas características edafoclimáticas, nomeadamente solos empobrecidos e suscetibilidade à desertificação. Para além disso, a existência de uma parceria com o município (juntas de freguesia) facilitou a implementação e intervenção”, explica a técnica superior.
Quatro espécies, um solo
A componente de reflorestação do GreenValue baseou-se na escolha e distribuição criteriosa de quatro espécies arbóreas com adaptabilidade comprovada às condições locais: duas resinosas da família Pinaceae - pinheiro-bravo (Pinus pinaster) e pinheiro-manso (Pinus pinea) - e duas folhosas da família Fagaceae - azinheira (Quercus rotundifolia) e sobreiro (Quercus suber).
Segundo Paula Vale Fernandes, “a seleção das espécies arbóreas, bem como a sua distribuição, teve em consideração critérios de adaptabilidade às condições edafoclimáticas das áreas a intervir, tendo-se dado prioridade a espécies autóctones com elevada capacidade de resiliência e resistência à seca”.
As metodologias utilizadas seguiram princípios de restauro ecológico e incluíram preparação adequada do terreno e aplicação dos biossólidos por técnicas de espalhamento e incorporação no solo.
Estas ações, diz a especialista, permitiram a implementação de medidas de combate à desertificação com recurso a subprodutos tratados, num processo que visa melhorar o estado do solo a partir de práticas sustentáveis e com base em dados concretos.
“A aplicação dos biossólidos foi feita através de técnicas de espalhamento e incorporação dos biossólidos no solo, promovendo uma melhor retenção de humidade, aporte de nutrientes e aumento da matéria orgânica, fatores essenciais para inverter os processos de desertificação”, refere a responsável da Águas do Norte.
Um consórcio multidisciplinar para uma ação estruturada
A estrutura do GreenValue assenta num consórcio de sete entidades, entre empresas, instituições académicas e órgãos da administração pública local. A Águas do Norte lidera o projeto em parceria com a Resíduos do Nordeste, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), o Município de Alfândega da Fé e três Uniões de Freguesia: Pombal e Vales, Gebelim e Soeima, e Ferradosa e Sendim da Serra.
Para Paula Vale Fernandes, a articulação entre estas entidades foi decisiva para garantir uma resposta eficaz aos desafios colocados. “As competências e experiência das instituições envolvidas neste consórcio permitiram responder com eficiência e eficácia aos desafios científicos e tecnológicos do projeto, apresentando a multidisciplinaridade e a complementaridade necessárias para assegurar o bom desenrolar dos trabalhos e a concretização dos objetivos delineados.”
A complexidade do projeto exigiu um planeamento cuidadoso, tanto a nível técnico como legal. A valorização das lamas de ETAR requer o cumprimento de requisitos legais rigorosos, o que obrigou à elaboração e aprovação de um Plano de Gestão de Lamas (PGL).
“Foi um dos grandes desafios na implementação do projeto”, reconhece a técnica superior da Águas do Norte, que acrescenta: “Este processo exigiu um intenso trabalho técnico e científico, de demonstração da viabilidade.”
Outro desafio relevante foi a gestão operacional das intervenções, em particular a logística associada ao transporte e aplicação dos subprodutos. As áreas remotas e com acessibilidades condicionadas colocaram dificuldades específicas, superadas graças ao envolvimento das equipas e ao alinhamento entre os parceiros.
“A gestão do transporte e aplicação dos subprodutos em áreas remotas e com acessibilidades condicionadas exigiu uma coordenação rigorosa. No entanto, foi superado graças ao forte espírito de cooperação e ao alinhamento estratégico de todos”, assegura Paula Vale Fernandes.
A coordenação entre entidades, o acompanhamento técnico e a partilha de conhecimento foram elementos centrais da estratégia, permitindo concretizar o projeto de forma integrada, segura e replicável.
Avaliação de impacte e recolha de dados no terreno
Embora ainda numa fase inicial, os primeiros resultados observados no terreno são encorajadores. “As zonas intervencionadas mostram sinais de recuperação ecológica, com maior cobertura vegetal e aumento da biodiversidade local”, afirma a técnica superior da Águas do Norte. O projeto prevê avaliações mais aprofundadas a médio prazo, mas já está em curso uma monitorização sistemática.
Essa monitorização inclui visitas técnicas periódicas, com observações de campo, registo fotográfico e elaboração de relatórios. Foram também instaladas estações meteorológicas nas áreas de intervenção, que permitem recolher dados essenciais para acompanhar o impacto das medidas aplicadas.
“Estas ações permitiram monitorizar a implementação das medidas de valorização aplicadas aos solos e o conhecimento adquirido neste projeto servirá de base para futuras réplicas da abordagem”, reforça Paula Vale Fernandes.
O GreenValue assume-se como um projeto demonstrativo, com valor estratégico para outras zonas em risco de desertificação. A transferência de conhecimento e a partilha de metodologias são componentes centrais desta visão. “O principal conselho é apostar no envolvimento e cooperação de várias entidades, nomeadamente autoridades reguladoras, com experiência técnica, científica e territorial, pois é essencial garantir o enquadramento legal desde o início, envolvendo as autoridades competentes e preparando uma base científica sólida”, recomenda a responsável da Águas do Norte.
O papel das empresas públicas no impulso à sustentabilidade
A distinção no Prémio Nacional de Inovação representa, para a Águas do Norte, um reconhecimento do trabalho desenvolvido e, ao mesmo tempo, um reforço da sua responsabilidade. “As empresas públicas têm a responsabilidade e a oportunidade de liderar pelo exemplo.
A Águas do Norte tem procurado integrar a inovação ambiental e a sustentabilidade no centro da sua estratégia, contribuindo para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, sublinha Paula Vale Fernandes.
O galardão junta-se a outras distinções nacionais e internacionais já conquistadas pelo projeto, confirmando o seu valor como caso de estudo e exemplo de boas práticas. “O reconhecimento do GreenValue no âmbito do Prémio Nacional de Inovação representa, para a Águas do Norte, um motivo de orgulho, mas também uma grande responsabilidade, pois valida o trabalho desenvolvido e, ao mesmo tempo, reforça o nosso compromisso em continuar a apostar em práticas sustentáveis, promovendo uma economia circular”, conclui a técnica superior.
“Esperamos que este reconhecimento inspire outras iniciativas e fortaleça a visão de um futuro mais sustentável e resiliente.