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Sistema da REN protege florestas e infraestruturas

Portugal está a recorrer à tecnologia para enfrentar um dos seus maiores desafios ambientais. A REN criou um sistema inovador de proteção florestal que integra dados de satélite, sensores e câmaras multiespectrais num centro de decisão em tempo real.

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O Natureye pode ser ampliado e adaptado a diferentes contextos, com impacto potencial em múltiplos setores críticos.
O Natureye pode ser ampliado e adaptado a diferentes contextos, com impacto potencial em múltiplos setores críticos. João Cortesão
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O Natureye pode ser ampliado e adaptado a diferentes contextos, com impacto potencial em múltiplos setores críticos.

O Natureye, da REN, combina inteligência preditiva e análise multisensorial para antecipar a propagação de incêndios e proteger infraestruturas críticas em mais de um milhão de hectares do território nacional. O projeto venceu o Prémio Nacional de Inovação na categoria Energia e Sustentabilidade, pela sua premissa de redefinir a forma como o país responde aos riscos de incêndio rural e a outros fenómenos climáticos extremos. O reconhecimento da iniciativa Natureye, segundo Valter Wiesbaum Diniz, diretor de engenharia e inovação da REN, é mais do que uma distinção. É a validação de uma cultura de inovação que a empresa tem vindo a consolidar ao longo dos anos. Nas palavras do responsável, “a distinção atribuída no âmbito do Prémio Nacional de Inovação representa um reconhecimento muito significativo para todos os envolvidos neste projeto”. O diretor sublinha que o prémio valida “o esforço, a criatividade e a persistência colocados no desenvolvimento de soluções inovadoras que procuram responder a desafios concretos da sociedade”. O Natureye, acrescenta, é exemplo de um trabalho colaborativo que alia “a capacidade de inovar em conjunto” à “dedicação constante à melhoria e à excelência”

A distinção atribuída no âmbito do Prémio Nacional de Inovação representa um reconhecimento muito significativo para todos os envolvidos neste projeto. Valter Wiesbaum Diniz, Diretor de Engenharia e Inovação da REN

O diretor de engenharia e inovação considera ainda que esta distinção é “um incentivo para continuar a apostar na inovação como motor de crescimento e diferenciação”, reforçando o compromisso da REN com a sustentabilidade e o impacto positivo das suas soluções. Mais do que um ponto de chegada, o prémio é “uma fonte de motivação e inspiração para terminar este projeto que ainda está em curso e tem ainda umas atividades desafiantes pela frente, mas também para projetos futuros”.

Para Valter Wiesbaum Diniz o sucesso alcançado até agora pelo Natureye assenta em fatores muito concretos. “Em primeiro lugar, o planeamento eficaz, ou seja, a definição de objetivos, atividade e alocação de equipas”, explica. Segue-se “a comunicação clara e contínua, com reuniões periódicas e um fluxo de informação eficiente”, e o “comprometimento das equipas, motivadas, capacitadas e envolvidas”. A cultura de cooperação e confiança e o apoio de stakeholders - “com um envolvimento ativo” - foram também determinantes. Finalmente, destaca “a inovação, com o uso de tecnologias adequadas e incorporação de lições aprendidas anteriores”, como elemento central no progresso do projeto.

Proteger as infraestruturas

O Natureye nasceu de uma necessidade muito específica e urgente: proteger as infraestruturas da REN face ao crescente risco de incêndios rurais, agravado pela intensificação dos fenómenos climáticos extremos. Valter Wiesbaum Diniz recorda que, numa fase inicial, a empresa recorria a sistemas de alerta baseados em mensagens SMS e painéis de controlo que notificavam incêndios florestais detetados a menos de dois e cinco quilómetros das infraestruturas. Mas depressa se percebeu que essa solução era insuficiente. “Os alertas apenas indicavam o ponto de ignição, sem fornecer informação sobre o potencial impacto ou trajetória do fogo em direção às infraestruturas”. Além disso, o elevado volume de notificações dificultava a priorização das ações e a resposta rápida no terreno. “Tornou-se evidente a necessidade de uma abordagem mais preditiva, centrada no impacto real do incêndio e não apenas na sua origem”, conclui Valter Wiesbaum Diniz.

A transformação do Natureye, de uma ideia inicial para um projeto concreto e com impacto real, foi o resultado de um percurso de quase uma década de evolução tecnológica e científica. O diretor recorda que “em 2017 foi desenvolvida a primeira abordagem estruturada, com notificações por SMS e painéis de controlo”.

Tornou-se evidente a necessidade de uma abordagem mais preditiva, centrada no impacto real do incêndio e não apenas na sua origem. Valter Wiesbaum Diniz, Diretor de Engenharia e Inovação da REN

Essa fase inicial respondeu à necessidade imediata de criar mecanismos de alerta, mas depressa se revelou, diz o responsável, insuficiente perante a complexidade crescente dos incêndios e dos fenómenos climáticos.

“Com o tempo, emergiu a necessidade de evoluir para soluções que antecipassem a propagação e o impacto dos incêndios, ultrapassando o foco exclusivo na deteção da ignição”, explica Valter Wiesbaum Diniz. Essa transição aconteceu através do projeto rePLANT, desenvolvido entre 2021 e 2023, que introduziu uma nova geração de sistemas de monitorização, com capacidade para acompanhar a propagação do fogo e estimar o impacto potencial nas infraestruturas da REN. Durante esta fase, o diretor explicou ter sido também criado um Sistema de Apoio à Decisão, considerado o embrião da atual abordagem preditiva do Natureye.

O projeto distinguido pelo Prémio Nacional de Inovação “surge como o passo seguinte e natural, visando a escalabilidade da solução”, resume o diretor de engenharia. O sistema expandiu a sua cobertura a mais de um milhão de hectares em Portugal Continental, integrando sensores avançados e câmaras multiespectrais instaladas em torres de muito alta tensão, capazes de captar imagens e dados em tempo real. A análise é feita através de algoritmos de simulação da propagação do fogo, e toda a informação é centralizada no CENTRODEC, o Centro de Suporte à Decisão, sediado em Coimbra.

Tecnologia e ciência

Segundo Valter Wiesbaum Diniz, trata-se de uma iniciativa “que conjuga tecnologia, ciência, experiência operacional e uma visão sistémica e replicável”. Essa combinação, diz, é o que torna o Natureye mais do que uma ferramenta tecnológica. É um modelo que pode ser ampliado e adaptado a diferentes contextos, com impacto potencial em múltiplos setores críticos.

A dimensão e a complexidade do projeto trouxeram, contudo, desafios significativos. “O projeto, devido à sua dimensão, já é muito desafiante”, reconhece Valter Wiesbaum Diniz, sublinhando que envolve “a aquisição e instalação de 80 sistemas de monitorização em diferentes apoios da REN, a construção de um centro de suporte à decisão onde toda a informação das câmaras é recolhida e analisada e comunicação permanente com um simulador em tempo real da propagação dos incêndios”.

O responsável destaca que esses desafios têm sido superados graças à coesão e à multidisciplinaridade das equipas envolvidas. “Os desafios que temos encontrado só têm sido ultrapassados porque temos constituída uma equipa multidisciplinar que trabalha em forte coesão e constante comunicação”, afirma.

Para além do impacto direto na proteção das infraestruturas críticas, o Natureye tem também potencial para beneficiar outras organizações expostas a riscos semelhantes. “Este projeto pode vir a ser interessante para outras organizações que possuam infraestruturas perto das nossas e que também são impactadas pelos incêndios florestais ou por outras catástrofes naturais”, explica Valter Wiesbaum Diniz. Estas entidades podem, por exemplo, receber alertas antecipados e preparar-se para atuar de forma preventiva, aproveitando a informação gerada pela rede de monitorização e pelo centro de decisão da REN.

Construção em rede foi base do sucesso

Um dos pilares centrais do sucesso do Natureye é, segundo Valter Wiesbaum Diniz, a forma como o projeto foi construído em rede, dentro e fora da organização. “A colaboração foi determinante para o sucesso do projeto”, afirma o diretor de engenharia e inovação da REN, sublinhando que a iniciativa envolveu um vasto conjunto de áreas internas, “desde operações, inovação, sistemas de informação, telecomunicações, sustentabilidade e comunicação”. Esta abordagem transversal, explica, garantiu que o projeto estivesse sempre “alinhado com os objetivos estratégicos da empresa” e que integrasse múltiplas perspetivas na sua execução.

No plano externo, a parceria com a Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial (ADAI ) revelou-se essencial. “Esta entidade, com reconhecida competência científica, desenvolveu o simulador preditivo que estima a evolução dos incêndios com base em variáveis como o vento, a humidade, a temperatura e a topografia”, detalha Valter Wiesbaum Diniz. O rigor técnico e científico da ADAI, acrescenta, “conferiu robustez à solução”, permitindo transformar uma ideia experimental num sistema de previsão fiável e de elevado valor operacional. A colaboração estendeu-se também a municípios, autoridades de proteção civil e à GNR, que desempenharam um papel fundamental na validação prática do sistema. O envolvimento destas entidades “permitiu validar a aplicabilidade prática do sistema e preparar o caminho para a sua adoção mais ampla”, refere o diretor. Na perspetiva de Valter Wiesbaum Diniz, o projeto é “o resultado de uma articulação eficaz entre o conhecimento académico, a capacidade tecnológica e a experiência operacional no terreno”, uma combinação que garante simultaneamente precisão científica e utilidade prática.

Essa sinergia entre ciência e operação reflete-se na própria cultura organizacional da REN. A inovação, explica Valter Wiesbaum Diniz, “está alinhada com os objetivos estratégicos da REN e é fortemente incentivada desde os mais altos níveis da organização”. A empresa aposta na “promoção de novas ideias e no investimento em projetos experimentais”, criando condições para que a criatividade e a melhoria contínua sejam parte integrante do quotidiano.

Incentivar a participação

Internamente, a REN promove uma cultura participativa, “através do envolvimento ativo dos colaboradores em iniciativas que estimulam a criatividade e a melhoria contínua”. São incentivadas “ideias novas, abordagens colaborativas e a participação em programas internos de inovação”, o que, segundo Valter Wiesbaum Diniz, tem permitido à empresa manter-se na linha da frente da modernização tecnológica e da sustentabilidade.

A empresa mantém “uma forte ligação com universidades, centros de I&D e start-ups”, participando regularmente em projetos colaborativos de âmbito nacional e europeu. “A inovação é vista como uma forma de trazer novas perspetivas e acelerar a adoção de soluções tecnológicas”, afirma o responsável, sublinhando que é precisamente esta mentalidade que tem permitido à REN liderar projetos pioneiros como o Natureye, com impacto direto na resiliência das infraestruturas e na proteção ambiental.

A iniciativa ainda está em fase de implementação, mas já apresenta resultados concretos e indicadores que demonstram o seu impacto crescente na prevenção e gestão de riscos ambientais. Valter Wiesbaum Diniz, explica que o projeto “tem uma cobertura territorial significativa, com mais de 80 câmaras multiespectrais instaladas, permitindo vigiar mais de um milhão de hectares, o que representa mais de 10% do território de Portugal Continental”.

Cultura de inovação

A dimensão do sistema é apenas uma parte do seu valor. A iniciativa já está a “contribuir para a redução da incerteza na gestão do risco, com a utilização de modelos preditivos que permitem antecipar o percurso provável dos incêndios e orientar de forma mais eficaz as intervenções no terreno”. Outro dos resultados tangíveis é a criação do CENTRODEC, o centro de suporte à decisão localizado em Coimbra, que “assegura a recolha, análise e validação da informação de forma centralizada e em tempo real, apoiando a tomada de decisão com maior eficiência”.

Valter Wiesbaum Diniz sublinha também a “melhoria da eficiência operacional, através da automatização dos alertas e da análise de risco”, um avanço que “reduz a carga sobre as equipas e otimiza a alocação de recursos”. Paralelamente, o projeto tem servido como catalisador para o desenvolvimento de novas competências dentro da organização, “nas áreas de análise de risco, sistemas inteligentes e tratamento de dados geoespaciais”.

Com a conclusão do projeto prevista para junho de 2026, a REN espera “a consolidação destes resultados, traduzindo-se em menor tempo de resposta, mitigação de perdas, reforço da segurança do sistema energético e redução dos impactos ambientais e humanos”. Essa visão de longo prazo reflete-se também na cultura de inovação da empresa, que Valter Wiesbaum Diniz descreve como “alinhada com os objetivos estratégicos da REN e fortemente incentivada desde os mais altos níveis da organização”.

Para Valter Wiesbaum Diniz, a inovação é mais do que um instrumento técnico, é “uma forma de trazer novas perspetivas e acelerar a adoção de soluções tecnológicas”, sendo parte integrante da identidade da empresa e da sua estratégia para o futuro. Questionado sobre que conselhos deixaria a quem pretende liderar projetos de inovação com impacto real, o engenheiro é perentório: “Em primeiro lugar, que entendam efetivamente o problema e só depois procurem a solução.” Para ele, o sucesso depende tanto de visão como de método. “Criem, ou utilizem, se disponível, uma equipa diversa e complementar - eventualmente terá de se recorrer a colaborações ou parcerias externas”.

A fase de validação é igualmente essencial. “Façam provas de conceito primeiro, é importante testar para validar e aprender com os erros”. A isto junta-se a necessidade de “ter uma expetativa realista dos resultados e uma clara definição dos indicadores para a medição do desempenho”. E, acima de tudo, “tenham coragem para sair da zona de conforto”.

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