A Paperweight AI está a transformar o modo como as lojas físicas gerem as suas prateleiras. Criado no laboratório colaborativo AlmaScience, o sistema utiliza sensores ultrafinos à base de papel, combinados com inteligência artificial, para detetar em tempo real a disponibilidade de produtos, prevenir ruturas de stock, identificar furtos e ativar campanhas omnicanal, tudo isto sem recurso a câmaras ou dispositivos eletrónicos. A empresa venceu o Prémio Nacional de Inovação na categoria de Transformação do Posto de Trabalho, na área de Tecnologia. Ao contrário das soluções tradicionais, baseadas em visão computacional, o sistema da Paperweight AI atua diretamente nas prateleiras, recolhendo dados contínuos e precisos, garante a empresa. “As câmaras observam as prateleiras; os nossos sensores vivem nas prateleiras, gerando dados diretos e contínuos, sem necessidade de linha de visão ou preocupações com a privacidade”, explica Yoni Engel, CEO da Paperweight AI. Os sensores, descreve o executivo, são “finos como papel, de baixo custo e recicláveis”, podendo ser instalados em toda a loja.
Segundo Yoni Engel, esta simplicidade altera o paradigma do retalho físico: “Passamos de apenas algumas áreas monitorizadas a uma rede completa que produz informação acionável, a partir da qual a IA pode operar proactivamente à escala de toda a loja”. Além da abrangência, há também uma diferença substancial em custos. “Há o custo de instalação, que é drasticamente mais baixo, e há também o custo de operação: deve ter-se em mente que a análise de vídeo requer custos operacionais massivos na loja e com servidores, enquanto nós podemos transmitir toda a nossa informação gerada numa loja através de um simples router móvel”.
A tecnologia transforma a prateleira num ativo inteligente e comunicante. “Os sensores transformam a prateleira numa fonte de dados em tempo real, colmatando a lacuna entre o que está em stock e o que os clientes esperam”, afirma o CEO. O impacto é direto na experiência do consumidor: “Os compradores enfrentam menos desilusões porque o produto que vieram procurar ou encomendaram online, está efetivamente disponível”.
Resolver o problema do equilíbrio
A solução também responde a um dos maiores dilemas do retalho moderno: equilibrar segurança e conveniência. “Em mercados como os EUA, onde muitos artigos estão trancados para prevenir o roubo, o nosso sistema permite a prevenção de perdas em tempo real enquanto os produtos permanecem acessíveis, continuando protegidos contra o esvaziamento malicioso das prateleiras”, explica o responsável.
Mas a ambição da Paperweight AI vai além da deteção e prevenção. A empresa está a criar uma rede inteligente de prateleiras interligadas, que alimentam sistemas digitais e interativos dentro da loja. “Os mesmos dados gerados pelas prateleiras podem ligar-se a sistemas multimédia, desencadeando ofertas em ecrãs na loja baseadas no que os consumidores levantam ou devolvem”, descreve Yoni Engel. “O resultado é uma experiência de compra mais fluida, segura e envolvente”.
A inteligência artificial integrada é o próximo salto evolutivo. “No próximo ano lançaremos uma versão com um módulo de IA agêntica”, antecipa o CEO. Este módulo cruzará dados de eventos nas prateleiras com a velocidade de vendas e as tendências de procura, permitindo prever com precisão o tempo até ao esvaziamento de cada SKU. “Em vez de deixar os gestores de loja com painéis de controlo para interpretar, a IA age autonomamente, emitindo alertas como ‘Reabastecer agora’ ou ‘Crítico em 2 horas’, verificando a conclusão da tarefa e até desencadeando encomendas para o armazém”.
Na visão de Yoni Engel, esta automatização inteligente é o caminho para recuperar parte das perdas bilionárias do setor: “Transformar o reabastecimento de um ‘apagar fogos’ reativo para uma execução proativa ajuda os retalhistas a recuperar parte dos 1,7 biliões de dólares perdidos anualmente devido à distorção do inventário”.
Mais do que reposição automatizada
O impacto da tecnologia da Paperweight AI vai muito além da reposição automatizada. A empresa acredita que o sistema pode ter um papel decisivo na redução das perdas em loja, um problema que representa milhares de milhões em prejuízos anuais para o setor.
Segundo Yoni Engel, “embora o sistema não possa determinar se um artigo será pago na caixa, pode rastrear padrões de remoção de produtos da prateleira e sinalizar comportamentos anormais ou suspeitos em tempo real”. Quando isso acontece, “a IA agêntica escala então o evento para fluxos de trabalho de CCTV ou segurança existentes, focando a atenção onde é mais necessária”. Esta abordagem permite, explica o CEO, reduzir falsos alarmes, diminuir o ‘shrinkage’, ou seja, as perdas de stock resultantes de furtos, erros ou desperdício, e libertar o pessoal das lojas de tarefas de vigilância para que se possa concentrar nos clientes.
Os números ajudam a perceber o alcance do problema: “Globalmente, o ‘shrinkage’ representa mais de 407 mil milhões de dólares em perdas anuais no retalho, muitas delas invisíveis até aparecerem nos relatórios administrativos”, sublinha o executivo. Para contrariar esta tendência, a Paperweight AI cruza os dados recolhidos pelas prateleiras com as transações registadas no ponto de venda (POS), conseguindo assim “sinalizar discrepâncias mais cedo, dando aos retalhistas uma imagem mais clara de onde as perdas estão a acontecer”.
Uma ajuda no combate aos furtos
Além de contribuir para reduzir furtos, o sistema pode melhorar a experiência de compra e o controlo em formatos de self-checkout móvel, uma tendência crescente em lojas de retalho e supermercados. “O nosso sistema suporta fluxos de self-checkout móvel - em que os clientes digitalizam produtos com os seus telemóveis - cruzando dados com um registo das prateleiras em tempo real, garantindo uma experiência mais fluida e segura”, explica Yoni Engel. O responsável acrescenta ainda que o sistema tem também um papel dissuasor: “Os retalhistas poderiam até exibir alertas na loja quando uma prateleira inteira está a ser esvaziada, tornando os potenciais ladrões mais relutantes em sair sem pagar”.
Mas a inovação da Paperweight AI não se limita à eficiência ou à segurança, estende-se também à sustentabilidade. “No fim da vida útil, os nossos sensores podem literalmente ser colocados no contentor de reciclagem de papel, tal como um pacote de leite; não há nada mais simples do que isto”, destaca o CEO. Feitos à base de papel, “têm um consumo energético muitíssimo baixo e são totalmente recicláveis”. Yoni Engel sublinha que, ao contrário das soluções eletrónicas ou baseadas em câmaras, os sensores “geram quase nenhum lixo eletrónico e têm apenas uma fração da pegada energética”. Além disso, “porque se adaptam às prateleiras existentes, evitam o desperdício criado por soluções que requerem a substituição de unidades de prateleiras pré-existentes”.
Desafios no mundo real
A passagem do laboratório para o ambiente real do retalho, contudo, trouxe desafios significativos. “Em primeiro lugar e mais importante, há a questão de que as lojas de retalho são ambientes muito difíceis”, afirma Yoni Engel. “Os sensores têm de resistir a derrames, limpeza regular e variações de temperatura, mantendo-se estáveis sem calibração e serem instalados em minutos. Por isso, muito pensamento foi dedicado à engenharia”. Outro obstáculo foi garantir conectividade estável em ambientes com centenas de prateleiras ligadas simultaneamente. “Resolver estes desafios foi e é essencial para entregar um sistema que funciona dia após dia”, diz o executivo, lembrando que também foi necessário gerir as expetativas dos retalhistas. “A loja funciona de uma forma específica, e temos de adaptar o sistema a essa forma, em vez de tentar mudá-la, o que é quase impossível”.
Para Yoni Engel, o potencial de aplicação não se resume ao retalho. “O mesmo princípio, superfícies IoT de baixo custo alimentando IA agêntica com dados em tempo real, aplica-se a qualquer ambiente onde o movimento de artigos importa: centros de distribuição, farmácias, hospitais ou armazéns de peças”, explica. “Onde quer que falte visibilidade, o nosso sistema pode gerar fluxos de dados que possibilitam melhor planeamento, execução e serviço”.
Expansão internacional à vista
O modelo de negócio da Paperweight AI foi desenhado desde o início para permitir uma expansão internacional rápida e sustentável. “O nosso modelo de negócio combina hardware e SaaS”, explica Yoni Engel. “Cada prateleira equipada com os nossos sensores gera um fluxo recorrente de dados e informação acionável, com módulos avançados opcionais como deteção de roubo, previsão de procura ou in-store media”.
O CEO destaca que esta abordagem foi pensada para escalar de forma eficiente. “Esta abordagem foi concebida para escalar internacionalmente, onde o crescimento vem da expansão da cobertura através de retalhistas e CPGs, com agentes de IA a gerir milhões de prateleiras simultaneamente”. A estratégia passa por criar um ecossistema tecnológico que liga fabricantes, marcas e operadores de loja numa rede inteligente, capaz de otimizar o reabastecimento e reduzir perdas em larga escala.
A união à AlmaScience
O percurso da empresa está intimamente ligado à colaboração com o laboratório colaborativo AlmaScience, que teve um papel essencial na transformação da ideia inicial em produto comercial. “A AlmaScience proporcionou não apenas a base científica e de engenharia que transformou um conceito de investigação numa plataforma robusta, mas também investiu e continua a apoiar-nos financeiramente, ajudando a PaperWeight AI a atravessar o que é frequentemente chamado de ‘vale da morte’ no desenvolvimento tecnológico”, afirma o executivo.
Yoni Engel faz questão de reconhecer o contributo de Carlos Silva, presidente e CEO da AlmaScience, “que tem consistentemente demonstrado a sua dedicação em transformar inovação em impacto real e que também faz parte do nosso Conselho de Administração”. O responsável sublinha ainda a importância dos CoLabs como motor de inovação em Portugal: “Esta colaboração mostra como os CoLabs são um instrumento eficaz para a inovação, tendo sucesso onde o financiamento tradicional frequentemente produz apenas relatórios que acabam nas gavetas. Aqui, os projetos transformam-se em empresas, empregos altamente qualificados e salários mais altos. Resultados tangíveis que criam valor tanto para a indústria como para a economia.”
A distinção da Paperweight AI com o Prémio Nacional de Inovação é vista como uma confirmação do impacto e da relevância do projeto. “Vencer o Prémio Nacional de Inovação foi um reconhecimento importante do nosso trabalho na PaperWeight AI”, afirma Yoni Engel. “Para nós, não se trata tanto do troféu, mas sim da validação e do sinal que damos ao ecossistema de que os dispositivos IoT sustentáveis de baixo custo, combinados com análises baseadas em IA, terão um impacto significativo no local de trabalho e, no nosso caso, transformarão o retalho físico”.
O CEO considera que esta distinção reforça a credibilidade da empresa num momento de crescimento internacional. “Mostra aos retalhistas e aos fabricantes de bens de consumo (CPG) que a nossa solução foi concebida para tornar as operações nas lojas mais eficientes, melhorar a disponibilidade de produto nas prateleiras e reduzir o desperdício. Este reconhecimento reforça a nossa credibilidade enquanto expandimos e nos relacionamos com um número crescente de retalhistas e CPG”.