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Daniel Susskind: “Cada vez mais, as ideias virão de máquinas, não de humanos”

O economista e investigador Daniel Susskind, especialista no impacto da tecnologia na economia e na sociedade, reflete sobre os dilemas do crescimento e o papel da inteligência artificial na prosperidade futura. Defende que a tecnologia está no centro de um novo contrato social.

Negócios 24 de Junho de 2025 às 14:00
Roberto Ricciuti
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Foto em cima: Daniel Susskind economista, professor e investigador no King’s College London , estará presente na conferência e na cerimónia da 3.ª edição do Prémio Nacional de Inovação, na Nova SBE, no dia 3 de julho. 

O futuro da economia está, cada vez mais, nas mãos das máquinas e Daniel Susskind tem sido uma das vozes mais influentes a afirmá-lo. Este economista e escritor britânico, professor no King’s College London e investigador sénior no Institute for Ethics in AI da Universidade de Oxford, estará em Portugal no dia 3 de julho para participar na conferência e cerimónia de entrega de prémios da 3.ª edição do Prémio Nacional de Inovação, que terá lugar na Nova SBE, às 15h00. O seu mais recente livro, “Growth: A Reckoning”, foi destacado por Barack Obama, pelo Financial Times e pela New Yorker como um dos livros do ano. Nele, Daniel Susskind propõe uma reflexão provocadora sobre o crescimento económico, os limites da prosperidade e o novo contrato social que a era da inteligência artificial (IA) exige.

Do seu ponto de vista, poderá a inteligência artificial reforçar a competitividade de um país com uma economia de pequena escala e dificuldades na atração de talento, como Portugal?

Penso que o ponto de partida é reconhecer a importância de abraçar estas tecnologias. Um dos relatórios mais marcantes dos últimos anos foi o Relatório Draghi, que compara a Europa com os Estados Unidos, mas também o Reino Unido com os Estados Unidos. A grande questão que coloca era: porque é que, desde a crise financeira de 2007-2008, os EUA continuaram a ter um desempenho tão positivo, enquanto a Europa e o Reino Unido ficaram para trás? Costumo dizer que as pessoas não têm bem noção de como o Reino Unido empobreceu nas últimas décadas. Se excluirmos Londres da equação, o salário real médio no Reino Unido é inferior ao salário real médio no estado mais pobre dos EUA, o Mississippi. Por isso, não creio que tenhamos, na Europa, plena consciência do quão atrasados estamos.

O mais interessante no relatório foi que, se houver uma explicação principal para o bom desempenho dos EUA face à Europa, ela reside no seu setor tecnológico. Há um verdadeiro ambiente de ideias, de inovação e de progresso tecnológico que, pura e simplesmente, não existe na Europa.

Portanto, a grande questão para mim é esta. Como podemos, na Europa, tornar-nos sociedades que geram novas ideias, que inovam, que impulsionam o progresso tecnológico? Esse é o verdadeiro desafio. E creio que muitos políticos e decisores continuam a ter uma visão antiquada do crescimento económico, assente em construir pontes mais longas, estradas mais largas, mais habitação, comboios mais rápidos. Nada disto é negativo, claro, mas se queremos mesmo impulsionar o crescimento, temos de apostar em novas tecnologias como a inteligência artificial.

Que papel tem o ecossistema de inovação, desde as universidades, centros tecnológicos, startups e grandes empresas, na democratização da inteligência artificial no tecido empresarial português?

Um papel muito importante. Um setor de IA forte depende de vários atores. A academia, o governo, os empreendedores, as grandes empresas tecnológicas, todos têm um papel fundamental. É da combinação de todas estas forças que nasce um ecossistema de inteligência artificial realmente dinâmico.

 De que forma pode o setor financeiro português assumir um papel mais ativo no desenvolvimento de empresas de inteligência artificial?

Penso que, quando falamos de investimento e de recursos financeiros, uma das grandes lições que retirei do meu trabalho, e que exploro em detalhe no novo livro Growth, tem a ver com os mecanismos que temos à disposição para gerar novas ideias, inovação, progresso tecnológico e, por consequência, crescimento económico. Um desses mecanismos é o investimento em investigação e desenvolvimento (I&D). Não podemos esperar um fluxo constante de novas ideias sobre o mundo se não investirmos na sua descoberta. Por isso, o financiamento da I&D é, para mim, absolutamente essencial. 

Portugal investe menos em I&D do que a média da OCDE. E isso é um problema sério.

Se olharmos para a distribuição do investimento em I&D como percentagem do PIB, vemos que os países na linha da frente, como Israel, investem cerca de 5,4% do seu PIB. A Coreia do Sul surge em segundo lugar, com um valor ligeiramente abaixo dos 5%. A média dos países da OCDE está abaixo dos 3%. O Reino Unido investe pouco mais de metade disso. E Portugal, ainda menos. 

Uma das grandes alavancas para a inovação e o progresso tecnológico, é garantir que somos o tipo de país, de sociedade e de economia que leva o investimento em I&D muito a sério.

Para mim, esta é uma das grandes alavancas para a inovação e o progresso tecnológico, garantir que somos o tipo de país, de sociedade e de economia que leva o investimento em I&D muito a sério.

 Tendo isso em conta, que medidas deveriam ser prioritárias para o Governo português nos próximos anos, com vista a incentivar a investigação e desenvolvimento em inteligência artificial?

Creio que há vários níveis de atuação possíveis, mas o mais importante é responder à pergunta fundamental sobre como gerar mais inovação e desenvolvimento. Essa é a prioridade. Muitas vezes discute-se quem deve pagar pela investigação, a quem deve ser atribuída, em que regiões ou setores deve incidir. E todas essas questões são relevantes, mas são de segunda ordem. Só depois de respondermos à questão de como podemos gerar mais I&D é que podemos discutir como distribuí-la, quem a financia e onde se deve concentrar.

Defende que o crescimento económico é, ao mesmo tempo, herança de políticas passadas e consequência de escolhas futuras. Quais os momentos de viragem na história do crescimento que mais nos ensinam hoje?

Uma das observações mais surpreendentes que faço sobre o crescimento é precisamente o quão recente é esta preocupação. Hoje em dia, a busca pelo crescimento está no centro da vida coletiva. O destino dos políticos depende muitas vezes de uma única variável: se o PIB sobe ou desce. O que é verdadeiramente fascinante é que, antes da década de 1950, quase nenhum político, decisor político ou economista falava sobre crescimento económico. É um fenómeno extremamente moderno.

E penso que termos consciência de quão recente, quão novo e quão difícil é, de facto, o esforço de alcançar crescimento é algo fundamental para entendermos os desafios que enfrentamos hoje.

Fala de um ‘Reckoning’, um ‘ajuste de contas’. O que implica essa avaliação crítica do crescimento e de que forma se cruza com a urgência de uma inovação impulsionada pela inteligência artificial?

Acho que esta é uma questão absolutamente central. O livro chama-se precisamente Growth: A Reckoning, porque o crescimento apresenta-nos um verdadeiro dilema. Por um lado, está associado a praticamente todas as medidas de progresso humano. Mas, por outro lado, está também ligado a muitos dos maiores desafios que enfrentamos, como as alterações climáticas, o agravamento das desigualdades ou a globalização, que gerou crescimento à custa da destruição de lugares e comunidades locais.

Vivemos, portanto, esta tensão: desejamos desesperadamente mais crescimento, mas ao mesmo tempo também parece que desejamos desesperadamente menos. Sentimo-nos puxados em direções opostas. E o livro é, no fundo, uma tentativa de lidar com essa tensão, de fazer esse acerto de contas com o crescimento. Apesar de ser um livro sobre crescimento, a um nível mais profundo, é também um livro sobre tecnologia e sobre os tipos de tecnologias que desenvolvemos enquanto sociedade. 

 Na sua perspetiva, de onde vem o crescimento?

Precisamente do progresso tecnológico. E é por isso que tecnologias como a inteligência artificial são absolutamente essenciais, não só para gerarmos mais crescimento, mas também para pensarmos em novos tipos de crescimento. Só para dar uma ideia concreta do que quero dizer: no século XX, as melhores ideias que tivemos sobre o mundo vieram das cabeças de pessoas inteligentes. Foi o século do capital humano, em que a prosperidade de um país dependia, em grande medida, do investimento nas competências e qualificações da sua força de trabalho. No século XXI, acredito que as melhores ideias virão cada vez mais de tecnologias como a inteligência artificial.

A prosperidade de um país dependerá da sua capacidade de investir em tecnologias cada vez mais capazes.

 Pode dar alguns exemplos?

Sim, ainda este ano, Demis Hassabis e a equipa da DeepMind receberam o Prémio Nobel pela criação do AlphaFold, um algoritmo de previsão de estruturas de proteínas que resolveu um dos problemas mais fundamentais da biologia. Acredito que é isso que vamos ver cada vez mais neste século, sistemas e máquinas a gerar as ideias mais poderosas sobre o mundo, as grandes inovações, mais progresso tecnológico. O que isto significa, para políticos, decisores e líderes empresariais, é que a prosperidade de um país vai depender, no século XXI, muito menos da sua capacidade de investir nas competências da força de trabalho humana, como aconteceu no século XX, e muito mais da sua capacidade de investir nestas tecnologias cada vez mais capazes.

 Num contexto de desaceleração global, acredita ser possível conciliar crescimento inclusivo e sustentável com a adoção generalizada da inteligência artificial? 

Espero que sim. O livro é uma tentativa, ao longo de várias páginas, de explicar como o poderemos fazer.

 Que papel atribui à tecnologia? E pode particularizar na IA, no “novo contrato social” que o seu livro propõe como necessário para garantir crescimento sustentado a longo prazo?

Coloca-nos exatamente perante o dilema de que falava há pouco. Por um lado, tecnologias como a inteligência artificial tornam-nos mais prósperos, enquanto sociedade. Trazem benefícios extraordinários, em múltiplas dimensões. Mas, por outro lado, estão também associadas a muitos dos grandes desafios que enfrentamos. Quando penso na inteligência artificial, há dois impactos que me preocupam particularmente. O primeiro tem a ver com o trabalho e com a disponibilidade de emprego digno. Esta tem sido, aliás, uma das minhas áreas de estudo nos últimos 15 anos, tentar compreender como a tecnologia transforma o trabalho, nem sempre de forma positiva.

A segunda preocupação é a influência destas tecnologias na política e no funcionamento do nosso sistema político. E também aqui vejo sinais inquietantes. A inteligência artificial, talvez mais do que qualquer outra tecnologia, coloca-nos perante esta dualidade constante: é simultaneamente promessa e ameaça, bênção e maldição. E a tensão entre estes dois polos é algo com que temos mesmo de aprender a lidar.

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